Um escritor famoso da cidade de Fumaça morreu num trágico acidente de carro, vindo do lançamento do seu sexto livro. O velório que acontecia na Câmara Municipal estava lotado. Randolfo era muito querido pot todos e por qualquer um. Era unânime a ideia de que ele era de fato extraordinário.

 

Quando chegou ao céu o jovem ficou bastante assustado com a recepção. Anjos sorridentes brincavam de um lado pro outro e, haviam duas portas de tamanhos inversamente proporcionais com uma ponte separando-as. Acima da ponte, uma espécie de segundo andar, estavam lá os membros da corte inquisidora: de um lado Jesus Cristo, ao centro o Pai e à esquerda Maria. Lá entravam todos que chegavam pelo elevador das nuvens.


- Seja bem vindo, Randolfo. Entre, é a sua vez.

 

O rapaz parecia bastante tranquilo, não fosse sua vaidade que o fez empinar o nariz e elevar os ombros num sinal de superioridade. Veio Jesus:

 

- O que tens a dizer a seu favor, antes que apontemos suas fragilidades?


- Sou um escritor famoso como deves saber. Vendi todos os exemplares dos livros que me propus escrever. Não sou adepto de meias palavras, digo verdade e pronto. 

 

Uma tosse interrompeu a fala do rapaz.


- Não foi bem isso que anotamos aqui. Por trás de sua identidade está um homem ansioso, inseguro, autoestima baixa, que usa a escrita como uma forma de superar suas dores.


- É... Não é bem assim, de cima fica difícil de compreender. Escrevo aquilo que minha alma anseia. Para externar minha jovialidade e vitalidade, de forma a repercutir sentimentos nos outros. Não almejo reconhecimento e nem quero me tornar rico com isso.

 

De novo uma tosse interrompe a fala do escritor:


- Entendi- disse Deus, meio confuso. Esperando que o dito bom rapaz fosse mesmo abusar das verdades.

 

- Mas continue fale-me mais sobre a escrita.


- Meu processo de criação é espontâneo, não copio ideias dos outros...

 

Um anjo cochichou baixinho:

 

- Sacrilégio, Mestre!

 

- Não sei bem o que anda acontecendo, mas tenho aqui informações bem distantes dessas que você insiste em manifestar am alto e bom tom, dante dessa Corte que vos assiste. Tem certeza de que não está um pouco confuso e precisa de um tempo para colocar as ideias em ordem?

 

- Minhas ideias são meticulosamente ordenadas, Senhor. Não creio que uma inquirição momentânea possa me trazer constrangimentos. Estou sempre disposto em manifestar abertamente. Deve ter anotado nesses períodicos aí, dos anos passados, a minha atuação impecável diante das câmeras.

 

O Senhor, já saturado daquelas promoções resolveu pegá-lo de surpresa:

 

- Anjos da revelação, queiram, por obséquio, ligar os equipementos de memória para que possamos mostrar ao recés-chegado, suas manifestações terrenas, de modo que possa, assistí-lo como se fosse um expectador e então seguirmos com o diálogo.

 

De repente, surge por entre as nuvens um telão policromático com imagens aceleradas da vida do escritor, e todas as partes apontadas por ele, são postas em zoom para que possa confrontar com seu discurso.

 

O mestre já convencido de que se tratava de uma farsa, deu-lhe a última chance:

 

- O que você me diz então, dessas imagens que acabou de ver, caro Randolfo. Prossiga...

 

- Encenei bem não foi? Não era de verdade, mestre. Estava apenas ensaiando para viver de verdade aqui, no céu. Não vê que sou criativo? Pode creditar em minha conta no purgatório, se é que me entende. Perffeita atuação, não? Melhor escritor ou ator?

 

O mestre assustado com tamanha presunção respondeu sem pestenejar:

 

- Credito sim, meu filho. O diabo adora déficits. Que tal uma voltinha num elevador super equipado com transissão ao vivo, aquecimento de ultima geração e uma música bem ao estilo "baila comigo" para acompanhá-lo em sua nova casa?

 

- Nada mais do que mereço! Sabia que entenderia.

 

E Maria, aos prantos, o seguia com o Rosário nas mãos. Ele, olhando ara ela disse:

 

- Porque choras, mulher. Eis aí Tua Mãe. - provocou, dando risadas.

 

Quando de repente:

 

- O que foi isso? Mandaram-me para cá por engano. Fui salvo por Deus e Maria. Ela veio comigo, sério. De ter algum mal entendido. Para de me espetar com essa agulha pontuda, Diabinhos. Deus não pode ter mentido.

 

- Ele não mentiu. Só creditou na minha conta. E agora, prefere em conta gotas ou jatos? Um queima de dentro pra fora, o outro de fora pra dentro... Seu mentiroso de porta de biblioteca, seu plagiador de letras alheias e portador de arrogância no RG. Vai ser enquadrado no Artigo 9, Inciso III, do Código de Conduta da Casa do Espírito Maligno. Seja bem vindo!

Mônica Cordeiro
Enviado por Mônica Cordeiro em 09/06/2022
Código do texto: T7534178
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