MECSTAR — O APRENDIZ DE HERÓI • 3

• Capítulo 3 — Como Derrotar Uma Miltopéia de Três Cabeças e Cento e Um Ferrões?

— Ok, ok. Eu vou, ó Bongo, o Tão Indubitavelmente Gordo! — Disse, vendo a expressão intrigada de Bongo, tentando descobrir se aquilo era um elogio ou uma afronta à sua honrada pessoa — Te darei a prova incontestável de toda bravura do grande Mecstar aqui. Mas... antes, será que eu posso saber o que tenho que fazer com a lendária Miltopéia de Três Encantadores Cabeças e Cento e Um Adoráveis Ferrões? Parece uma tarefa, digamos, difícil.

— Impossível! — Acrescentou Bongo, dando um tapinha no meu ombro. — Bem, como é de conhecimento daqueles portadores dos segredos mais secretos das galáxias — Continuou ele — Toda Miltopéia de Três Cabeças e Cento e Um Ferrões possui um covil onde guarda tudo aquilo que encontra de suas vítimas. Pois bem, sua missão inicial, Mectá, será matar a Miltopéia de Três...

— Tá, tá, tá, eu já sei, cento e um ferrões e tudo mais... prossiga, cavaleiro!

— Você é muito impaciente para um herói, Mectá... Pois bem, quando você eliminar a... o... monstro, entraremos no covil dela... bem... o resto é comigo. Se você estiver vivo nessa parte, talvez venha a saber um pouco mais. Hahaha. — Bongo aproximou-se de mim e, com uma adaga, cortou tão rapidamente minhas amarras, que no fim dos dois golpes velozes e certeiros.

—Devagar aí, Bongo! Você pode ter quatro braços, mas eu só tenho dois... —

— Agora, Z.O.Z.! — Gritou Bongo para o seu capacho rato de lata.

O alçapão da nave-abóbora abriu-se, revelando o deserto, passando com velocidade lá embaixo.

Passei um tempo olhando a poeira e a terra seca do chão — parecia um quebra-cabeça, cheia de rachaduras.

— O quê, amebas radioativas, você está esperando para saltar, Mectá? — Disse Bongo.

— Uma arma... — pigarreei — Um arma! Como vou enfrentar a sei-lá-o-quê-topéia, sem uma arma se quer?

Bongo me jogou a adaga com a qual cortara minhas amarras, e eu quase a deixei cair, mas a segurei firme no último momento. Parecia ser uma boa lâmina, mas tinha algo nela, algo que eu não saberia definir no momento e além disso...

— Eu esperava... sabe... esperava algo mais... — Fiz o gesto de pistola com a mão.

Como resposta ele me puxou pelo colete de couro de cabra, me pôs na beira do buraco e, com o pé, me empurrou no buraco.

— Boa luta. — O ouvi dizer. Em seguida, o vi, enquanto eu caía, dando tchauzinho com duas de suas mãos, e um sorriso idiota na cara verde enquanto eu ia de encontro ao chão seco do deserto.

Cai em cima de uma pedra, que fez um corte no meu joelho. Antes que eu pudesse pensar exatamente no que fazer, senti uma baita de uma pancada na cabeça. Doeu. Em seguida, ouvi a risadinha irritante do rato de lata.

— Hihihihi, valeu aí, Mec... — Dizia ele, o R2, até ser chutado por mim e sair voando quicando pelo solo arenoso.

— De nada. — Eu disse, enquanto aquele chato se aproximava novamente de mim.

Olhei para cima e já não havia sinal da abóbora voadora de Bongo. Foi aí que eu tive certeza que estava realmente encrencado.

— Eu me vingaria, Mectá — disse o R2, quando finalmente chegou perto — mas logo a Miltopéia fará isso por mim. Hihihihihi...

— O chute foi pela dentada no meu pé... muito justo, aliás... e quanto a miltopéia, não vejo sinal dela. Vou dar é o fora daqui...

— Ela ainda não apareceu, mas eu ativei o sensor que a trará para cá em breve... hihihihihi...

— Posso te fazer uma pergunta, seu rato tosco?

— Sim, o grande Mectá. — Respondeu ele, com as lâmpadas dos olhinhos picando interessadas.

— O que você tem contra mim?

Antes que ele pudesse responder, o chão começou a tremer de maneira titânica, meus amigos — eu sempre quis usar essa palavra — titânica — desde que a li no “Como Ser Um Grande Herói?”.

Tentei fugir, correndo de um lado para o outro, até que a Miltopéia, e suas três cabeças, surgiram bem em minha frente, erguendo-se acima do chão, como se o solo seco fosse mingau.

O monstro guinchou com a cabeça do meio — a cabeça da direita fez uma careta de incômodo, enquanto a da esquerda ignorou as outras duas e partiu para cima de mim.

Não sei de onde encontrei forças, meus amigos, mas consegui me desviar e correr desvairadamente em direção ao R2 que já procurava um esconderijo.

A miltopéia estava no meu calcanhar... acreditem, o bicho era enorme, além de enormemente feio. Devia ter mais de mil patas e seus cento e um ferrões cortavam o ar, afiados como a malícia.

R2 se encolheu todo, como uma tartaruga entrando no casco, ficando um monte de ferro feio quase parecido com um cubo. A miltopéia o atingiu com uma cabeçada, mandando-o para o ar, enquanto eu fugia desesperadamente.

Em nenhum momento, chamei por minha mãe, é preciso que se diga... muito provavelmente porque nunca a conhecera.

Subi correndo um monte de terra que logo foi destruído por um golpe violento da miltopéia. Cai entre os escombros, por demais consciente de que havia pisado de mau jeito numa pedra.

Rolei no chão, salvo de alguns arranhões nas costas graças ao meu colete de couro de cabra e aproveitei a nuvem de poeira para correr e me esconder atrás de outro monte. A miltopéia abriu uma brecha no meio do monte, derrubando-o com um golpe de um dos ferrões.

Eu só havia conseguido fugir porque o monte de terra havia atrasado o bicho por um segundo. Aproveitei e corri para o lado oposto, tentando chegar a umas colinas rochosas a uns cem metros de distância. Corri como louco. Sem pensar em heroísmo nem nada, só queria não ser destroçado por aquela coisa.

Foi então que, arquejante, contemplei a pequena adaga que me fora dada por Bongo e imaginei a cena de um mosquito enfrentando um elefante. Não havia lógica naquilo... Tá certo que lógica não era uma palavra que pudesse se aplicar muito bem a vida que eu levava na vila de Solavanco em Bolaranja... mas aquilo... aquilo... ei... o que era aquilo?

Tinha um botão ali? A pedra verde que havia no meio da adaga era na verdade um botão. Tão logo tive consciência daquilo houve uma explosão de poeira e a miltopéia emergiu do chão bem à minha frente. A cabeça da direita emitiu um grunhido alto deixando a do meio realmente irritada — e meus ouvidos a ponto de explodir.

Comecei a correr de costas, até que tropecei numa pedra e cai no chão quente do deserto. Pareceu-me que todo ar dos meus pulmões tinham escapado, deixando-os virados pelo avesso, e eu não conseguia respirar no meio da nuvem de poeira.

Na minha cabeça: o botão da adaga, e a Miltopéia de Três Cabeças e Cento e Um Ferrões prestes a me comer, sem ao menos fazer uso de uma de seus tantos e maravilhosos ferrões.

Então, caros amigos, acho que já são capazes de imaginar o que aconteceu em seguida. Apontei a adaga para cima e esperei o momento certo. O momento em que a Miltopéia estaria exatamente em cima de mim, com suas três cabeças que pareciam não muito amigas.

Apertei o botão, esperando que ele me salvasse da morte... ou pelo menos me desse uma morte honrosa, e pusesse o nome Mecstar entre os grandes heróis das galáxias.

Lembro-me claramente de ver os terríveis três pares de olhos, as inúmeras patas e ferrões, irromperem através da nuvem de poeira iluminados pelos três sóis, e então, e então... sim, isso mesmo, um laser poderoso, de coloração verde, foi disparado da minha adaga (que parecia na verdade ser uma arma laser de última geração. E eu esganaria Bongo, no momento apropriado, por ele não te me informado disso).

O laser abriu a miltopéia em duas, destruindo completamente a feia cabeça do meio e separando as outras duas para todo o sempre.

Me levantei, ainda um pouco sem ar, coberto por um líquido amarelado viscoso que saíra do bicho.

Eu estava vivo.

Ainda não acreditava. Passei a mão na minha testa e vi que estava suando. A adaga ainda estava comigo, agarrada na minha mão.

Então, me levantei e caminhei até as colinas. Eu não tinha a menor ideia do que fazer. Não podia ficar parado ali. Tinha que continuar andando, até encontrar um lugar seguro.

Então, continuei a caminhar pelo deserto, com a adaga na mão e o coração na garganta. Tinha feito minha primeira vítima. Meu primeiro ato heroico! Minha primeira vitória gloriosa estava ali! Aquela que seria a semente de inúmeras canções que seriam executadas em bares de cidades decadentes para pessoas tão bêbadas que não saberiam a diferença de uma porca para uma porta. Aquela que eu passaria a contar muitas vezes, como os estou contando agora aos meus honrados amigos. A versão que lhes conto agora, é a verdadeira, um pouco diferente da que eu passei a contar para as garotas.

O segundo ato heroico de Mecstar seria trucidar (ah, como eu gostava dessa palavra) aquele rato robô. Assim que o encontrasse apertaria o botãozinho e 'bye-bye', menos uma praga no mundo.

No fim das contas, foi ele quem me encontrou.

— Ó, grande e vigoroso Mectá! Tu é mesmo um grande de um herói! — Disse ele, saindo de um buraco no chão.

— Me dê um bom motivo para eu não trucida-lo agora mesmo, assim como fiz com a miltopéia.

Seus olhinhos piscaram mais do que nunca... por um instante achei que ele estava entrando em curto circuito, com as orelhas de lata balançando como asas.

— Mas... mas... não... pode fazer isso... grande... grande Mectá... se... pois... apenas comigo, encontrarás Bongo novamente, vou chamá-lo aqui agora mesmo...

Eu já mirava a adaga na fuça dele, enquanto falava, então foi fácil acertá-lo antes que ele acabasse aquele blá-blá-blá. Ele se encolheu novamente, protegendo-se, mas ainda assim o tiro laser verde o mandou pelos ares, gritando:

— Mectáááááááá...

Eu sorri e olhei para minha nova arma. Fiquei exatamente na pose do herói da capa do “Como Ser Um Grande Herói?”. E deixei os sentimentos puros da glória e da conquista heroica me invadirem — junto com o calor dos infernos que fazia no deserto.

Não havia dúvida, eu era um grande herói!

Davyson F Santos
Enviado por Davyson F Santos em 08/07/2022
Código do texto: T7555499
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