MECSTAR — O APRENDIZ DE HERÓI • 5

• Capítulo 5 - Luta e Captura •

O ataque das miltopéias filhotes explodiu. A maioria devia medir não muito mais que um metro de comprimento, para nossa sorte.

— Vamos nos separar! — Gritou Bongo.

— Não precisa, estou bem aqui. — Disse, me escondendo atrás do volumoso corpo de molusco dele.

— Você é mesmo engraçado, Mectá. — Disse ele, enquanto me puxava pendurado pela gola do meu colete de couro de bode e me lançava, sem nenhum vestígio de delicadeza, no meio da câmara (e das nada simpáticas miltopéias).

Aterrissei sentado sobre a minha primeira vítima, feliz por não ter sido atingido por um de seus cento e um ferrõezinhos. Depois de pisotear a criatura até sua morte, chutei sua carapaça para longe e me levantei, enjoado e um pouco tonto.

— Valeu, Bongo! Uma já era! — Gritei, e uma dezena partiu para cima de mim, como a água cai sobre uma pedra lançada numa poça d'água. Instintivamente, fiz a Zitara disparar um tiro tão forte que não consegui manter meu braço firme. Ele girou com a força reversa num círculo que quase o arrancou fora, mas que felizmente também arrancou algumas cabeças miltopeianas.

Bongo atirava projéteis explosivos a vontade com sua pistola coloridamente ridícula. Cada disparo dele ou de minha adaga laser, iluminava a câmara e revelava uma caverna forrada de ovos verdes transparentes, centenas de miltopéias vivas e já dezenas de cadáveres, e a gosma amarela que saia delas banhava teto, chão e paredes. Não era sempre que eu conseguia atirar com minha arma. não fazia ideia de como ela funcionava, mas desconfiava que era preciso uma pausa para carrega-la, de forma que eu acabei matando muitas a usando como uma adaga ordinária mesmo. Isso era péssimo, porque de cada espaço aberto na carapaça de uma miltopéia jorrava um gêiser de gosma amarela fedorenta na minha cara. Depois de alguns segundos de luta, e eu já precisava novamente de um banho. Pensei no pato de borracha que havia no banheiro da nave de Bongo, e decidi que teria de dá outro jeito para ficar cheiroso novamente. Sessenta segundos de luta (que me pareceram sessenta horas) e tínhamos mais cadáveres do que miltopéias vivas.

— Mectá! — Gritou Bongo, que estava lidando com cinco espécimes do bicho. — Atrás de você!

Mas já era tarde demais. Me virei para correr e esbarrei em um corpo mole e viscoso. Uma lufada de ar me acertou no rosto, e então vi uma boca enorme se abrir para me devorar.

Segurei as presas de sua boca inquieta como a de um louva-a-deus com as duas mãos e ela começou e me empurrar para trás com uma forma descomunal. Usei tudo o que possuía de coragem e heroísmo, meus amigos, afinal eu tinha derrotado a mãe deles que era mil vezes maior. Com essa coragem consegui montá-la como se fosse um cavalo. A criatura tentou de todas as formas me derrubar de suas costas, mas continuei segurando firme. Ela então começou a correr freneticamente em direção a uma parede e eu fechei os olhos e aguardei o impacto. Mas, para minha total surpresa, ela começou a escalar a parede.

— Isso não é hora de brincar, Mectá! — Gritou Bongo — Nunca será um herói se se diverte com o inimigo.

— Cala a boca, seu lesmudo! — Gritei, sabendo que o manual do herói não aprovaria este tipo de linguagem, mas quando se está em cima de inseto gigante e mortal, acredito que se possa abrir certas exceções convenientes. Mas, como se por castigo, enquanto eu gritava, acabei deixando minha adaga cair.

É, eu sei que um herói nunca deixa sua arma cair, mas nesse caso, era ela, ou eu, pois logo percebi que não estava mais na parede e sim no teto. Me prendi com toda força ao corpo escamoso da miltopéia e fechei os olhos esperando que não acontecesse o pior. Abri os olhos após ser lançado para o ar e cair no chão. A queda foi mais rápida e menos dolorosa que achei que seria. Estava inteiro. Graças aos deuses, pensei, antes da miltopéia ergue-se sobre mim com suas três cabeças, cada uma delas com expressão mais furiosa que a outra. Pararam o ataque no meio do caminho como se pegas por uma indecisão importante.

Meu coração estava prestes a sair para dar um passeio. A cabeça do meio revelava pela sua expressão que queria me degustar, a da direita, aparentemente, queria me esquartejar em pedacinhos tão pequenos que levaria duas eternidades para alguém me encaixar novamente. A da esquerda achava que deviam matar e dar meu corpo aos filhotes que iriam nascer no dia seguinte.

Ter uma cabeça pensante, caro leitor, já é um tanto complicado, como você deve saber (se tiver apenas a convencional uma cabeça) e é provável que você já sofra por indecisões em alguns momentos. Agora imagine se houvesse três cabeças independentes em seu corpo? Complicação ao cubo!

Se você possui duas ou mais cabeças ou vive numa parte do universo em que isso é comum, achou meu comentário ofensivo, e está tentando decidir se me processa, ignora, ou xinga mentalmente minha mãe, vou lhe ajudar. Não me processe, os processos intergalácticos em Bolaranja costumam durar até após a morte da geração seguinte a do processador. Xingar a minha mãe seria inútil pois desde que me lembro, nunca tive uma. Ignorar sem dúvidas é a sua melhor opção — embora eu acredite que isso seja impossível para alguém que possui três cabeças.

Eu descordava veemente de cada uma das cabeças, então rolei para o lado recuperando minha adaga enquanto passava por cima dela. Fiquei de pé, apesar de estar muito desorientado, e testei se já estava recarregada. Estava. O tiro atingiu a cabeça do meio, a que ansiava me degustar. E mais uma vez me cobri com aquela gosma amarela nojenta, enquanto o bicho debatia-se no chão.

Não havia outras miltopéias em minha volta. Descobri que fora levado involuntariamente para uma câmara superior próxima ao teto. Havia um caminho estreito à minha frente, e a porta por onde entrara montado na miltopéia, que dava para a antiga câmara, atrás. Voltei-me e observei Bongo acabar com os últimos exemplares miltopeianos.

Tíuuun, tíunnn, tíunnn, crok, crok, crok. Se foram as duas últimas.

Ficamos parados, ofegantes, enquanto o fedor da morte enchia o ar.

— Ei, Bongo! — Gritei finalmente — Tem uma passagem aqui, olha.

— Que ótimo — ele parou para respirar — vai me dizer que planejou tudo para descobrir a entrada da sala do tesouro.

— Claro que sim — Respondi, com ironia — O grande Mecstar é um herói versátil, como pode ver, meu querido.

— Vamos ver até quando vai durar essa sua sorte de principiante. Enquanto isso, use sua versatilidade para encontrar a Bola de Gude Carambola, o objetivo pelo qual estamos nessa droga de lugar. E seja rápido, se não...

— Tem razão, esse lugar é nojento... Se não o quê?

— Me refiro ao planeta, Mectá! E ao sistema solares também, se quer saber. Já tive missões em lugares mais agradáveis... Mas vá, o radar indicava apenas uma passagem nesta câmara, só pode ser esta. Não estou com muita vontade de subir até aí.

— Como se fosse conseguir, se tentasse, desastrado do jeito que você é...

Bongo apontou a pistola para mim.

— Ok, já estou indo!

— Lembre-se, não traga nada além da bola de gude, tenha um pouco de respeito pelos heróis tombados! — Disse ele, com aquela conversa mole. É claro que eu respeitaria, este era uma das normas do herói de meu manual, e eu a acataria de perto, assim como todas as outras.

Segui em direção à passagem estreita, me limpando tão bem quanto pude da gosma miltopeiana. Me espremi pela rocha fria, e caminhei por exatos sete passos, até ser atingido por alguma coisa em minha cabeça e cair na escuridão.

A primeira coisa que senti, ao acordar, foi um cheiro nauseabundo de cebola. Nossa! Era como estar dentro de uma maldita cebola velha. Estava sobre uma superfície quente e lisa, uma espécie de mesa, a um metro do piso. Mas, para minha surpresa não estava amarrado. Assustado, me desequilibrei e cai de costas no chão. Duas luzes fluorescentes feriram meus olhos e percebi que não estava mais dentro da caverna.

— Mas veja só, que ratinho distraído! — Disse uma voz fria e um tanto rouca.

— Perdão? — Respondi, intrigado.

— Você, seu ratinho, olhe pra você, o que fazia nas Cavernas Antigas? Haha, não precisa responder, sei que está do lado do Bongo, o odiavelmente Gordo. Mas ele não vai vencer, não desta vez... Não mesmo, nabos e beterrabas!

Quem falava era uma criatura vestindo um longo manto com um capuz que escondia seu rosto. Suas mãos, a única parte visível de seu corpo, eram esbranquiçadas de dedos delgados com longas e pontudas garras brancas.

— Quem é você? Isso é um sonho?

— Se isso for um sonho, é meu e não seu, mas como eu duvido que nem nos meus sonhos mais loucos iria encontrar um pirralho desprezível como você, acredito que seja mesmo real.

— Veja lá como fala...

— Re-Claw Mão.

— Prazer. Mecstar, o Herói, o maior em Bolaranja! — Disse, irritado, procurando pela Zitara para mandar aquele ser pro espaço, mas ela não estava em lugar nenhum.

— Enfim. — Disse erguendo as mãos — o que quer de mim? Já não conseguiu o que queria? E onde é que eu tô? Você chama isso de nave? Por que fede a cebola aqui?

— Um herói hein... hmm... desculpe, mas vou ter que mata-lo. — Disse ele procurando algo dentro do seu manto.

— Mas por quê? A gente nem se conhece ainda...

— Não sei cara, não agora, mas preciso. E não começa com essa ladainha não, não é fácil pra mim também, tá legal? Não é fácil pra ninguém, mas é assim que as coisas são...

— Me espanta você falar assim, logo você, o Senhor Reclamão...

— Por mil porcos dentuços, é Re-Claw, CLAW, de garra, sacou? — disse mostrando suas garras orgulhosamente. — Mão, você não estudou não foi? Nota-se bem. Mas também, pudera, nestas bandas do universo... Mas sim, preciso o matar porque sou um...

— Vilão?

— Não, aliás, detesto esse termo, soa muito antiquado, e não é pleno para com as atividades de um antagonista. Sou Re-Claw Mão Antagonis, o maior antagonista que você já conheceu em toda sua vida infeliz de herói de...

Talvez eu não devesse ter rido na frente dele, mas foi inevitável... Aliás, eu não sabia o que o Sr. Marmelo Sabequesabe tinha a dizer sobre aquilo.

— O maior vilão nem se quer amarra seu prisioneiro? Ah, mas você tem muito o que aprender, Reclamão! Onde está seu manual de vilania?

— Faz tempo que não o consulto. — Disse ele, cruzando os braços — Mas se me lembro bem do capítulo IVX³ — Prisões e Capturas Estrategicamente Vis, nele há um leve encorajamento para diálogos com os... PORCARIA! — Gritou, quando formos atingidos, a nave tremeu e as luzes piscaram.

Ele correu desajeitadamente até os comandos, onde um coelho branco encardido extremamente felpudo de meio metro de altura pilotava a nave concentrado, e dizia:

— Fomos atingidos, mestre Re-Claw, fomos atingidos.

— Só pode ser o Bongo! Mas por que essa lesma está atirando? Ele sabe que estou com seu amigo. Bem, é evidente que ele não vale nada, mas desconfiava que os tolos laços de amizade heroicos fossem me favorecer neste momento. Quiabos e jenipapos!

— Bem, nós não somos exatamente amigos... — Dizia eu, coçando a cabeça, quando fomos atingidos novamente. O impacto desta vez foi maior.

— Preparar para aterrissagem forçada! Preparar para aterrissagem forçada! — Dizia o coelho piloto.

— Mas será que um herói pode ter um tempinho sem ter a sua vida em risco? Isso faz mal pra peeeeeele... — Gritei desesperado enquanto caíamos.

Davyson F Santos
Enviado por Davyson F Santos em 15/07/2022
Código do texto: T7560433
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.