O sorriso de Maria
(Contos/Romance)
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Maria é uma menina, muito linda. Porém, muito séria; como dizia um amigo meu, "Mais séria que cachorro em proa de canoa".  Ela mora a poucos kilometros distante da minha casa e até onde eu sei, nunca olhou pra mim; até nesse dia que passo a contar agora.


Pois bem, era um domingo daqueles de tirar o fôlego, nuvens correndo em céu de brigadeiro, um vento fresco cortando as palhas dos coqueiros; a grama do quintal verdinhas, todas bem aparadas e as flores ávidas se mostrando pra vida e encantando meus olhos; pra onde eu olhava estava lindo, e já se passavam das dez horas. Então eu disse pra mim mesmo: - É, hoje não... chega de cozinhar todos os dias. Vou comer fora, ainda que sozinho. 


Pensei mais: - quer saber, vou me vestir bem bacana... e sem querer pensei na Maria. Mas me recriminei: - Ei, por que eu pensei nessa menina, será que é por que ela nunca sorri, nunca sequer olha pra mim e continuei pensando: - ainda bem que é assim, se ela me desse bola estaria como as tantas outras, não tenho pretenções alguma com ninguém. - Assim, olhei no armário e vi uma roupa nova que nunca usei e caia muito bem praquele momento. Me arrumei, passei perfume, fiquei lindão... rsrsr... peguei a Pic Up e sai no ramal, a estrada toda sequinha, uma maravilha. Segui bem contente rumo a cidadezinha mais próxima, distante uns vinte kilometros.


Já próximo de passar por frente da casa dela, vi muitas pessoas conversando, mas não a vi, pensei: - deve estar lá pra dentro. Diminui a velocidade do carro e passei bem devagarinho, buzinei... acenei, alguns retribuiram e realmente a menina não estava por ali. Fiquei meio decepcionado mesmo sem saber o por quê, se ela estivesse ali, com certeza agiria da mesma maneira de sempre. Um pouco mais a frente vi o carinha que fez um trabalho pra mim na minha casa, é um dos irmãos Feitoza estava com uma marmita na mão, provavelmente  iria almoçar, então eu parei o carro e brinquei com Ele: - Já vai matar quem tá te matando, né?! Ele riu e respondeu: - É, mas só daqui a pouco.


Aí eu desci do carro e falei pra Ele: - Vai guardar isso, deixa pra tua janta você é meu convidado pra almoçar comigo, vamos lá, depois eu te deixo aqui de novo. Ele ficou todo contente e disse: - Beleza, vou só trocar a camisa. Nesse instante eu senti um olhar bem furtivo sobre mim, daqueles de quem olha dos pés a cabeça, quando me voltei era a Maria Ela já estava de costas, rumando pra casa dela, não vi seu rosto. Aí eu fiquei pensando: - O que Ela está fazendo aqui?!,  e a mim mesmo repondi: - deve ter trazido comida pra Ele, são amigos, parentes sei lá, - por aquelas bandas é assim, as pessoas são boas com as outras e quando fazem alguma coisa em suas casas sempre levam um pouco pros vizinhos.


Ele voltou, entrou no carro e seguimos viagem, e foi logo tirando graça da maneira como ele é, "bem gaiato" : - Pô Doutor, hoje vou marcar esse dia... primeira vez que tomo "umas" com uma autoridade e começou a rir... então eu falei: - beber não, mas vou pensar no teu caso... - Ele voltou a se animar; a ida até ao restaurante foi de muitas gargalhadas, estava me divertindo bastante com aquele sacana, ele falava tanta bobagem que eu me espocava de rir. Chegamos no restaurante, um local público bem animado, onde as pessoas bebem, comem, dançam numa alegria imensa. Aí sentamos pedimos a comida e eu lembrei-me de perguntar dele o que a Maria tinha ido fazer na casa deles. - Aí Ele ficou sereno por um instante e vi nele um semblante de apaixonado. Então me disse: - Ela foi levar almoço pra mim, uma provinha do que eles estavam comendo na casa deles. Depois, com um ar festivo disse mais: - Ela é minha garota, minha paixão, meu amor... vou me casar com Ela assim que as coisas melhorarem.


Então, por uns segundos, eu olhei pra Ele, ri meio sem graça e disse: - Cara, que coisa linda, como isso é legal; fico feliz por vocês, faça isso mesmo case-se com Ela vocês vão se dar muito bem, serão felizes e o ramal vai ganhar mais uma família. Ele riu glorioso. Aí eu disse mais: - Quer saber, vou tomar umas com você em homenagem ao seu casamento com a Maria e tomamos umas boas cervejas; mais um pouco eu percebi que Ele estava se embriagando, então pedi a conta e voltamos pra casa; na estrada a fala dele tava pesada, mesmo rindo muito, dava pra ver que estava doidão... aí eu pensei: esse baitola não sabe beber não, e brinquei com Ele: - tu tá bêbado sacana! Ele respondeu morrendo de ri, tô mesmo doutor, oh... não sou acostumado não. Aí quem riu foi eu e lhe disse: - Como é que tu me chama pra beber? Ele disse: - Eu não, foi o Senhor, lembra não? Eu pensei: - lascou-se.


Chegamos na casa dele, eu desci abri a porta do carro e realmente Ele estava cambaleante. Ao nosso encontro veio Maria, séria como sempre, sequer me olhou... dirigiu sua atenção pra Ele, um tanto preocupada, mas logo percebeu que Ele estava de porre, aliviou o semblante e quando ia dizer alguma coisa Ele falou com a voz meio pesada: - Encontrei amor... apontou pra mim e continuou: - Ele vai ser o nosso padrinho de casamento, agora você cuida de arranjar a madrinha. Ela virou-se pra mim, e foi aí meu prezado leitor que eu vi pela primeira vez o sorriso de Maria, seu rosto vibrava de alegria, parecia que tudo nela sorria. Pensei que fosse me abraçar, mas não. Eu torci o beiço, gesticulei  com a cabeça e também me mostrei feliz. Eles seguiram rumo à casa...  antes de entrar Ela virou-se e novamente sorriu, e eu me certifiquei que naquele momento eu estava diante do sorriso mais lindo que vi nos últimos anos.

 

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Antônio Souza
(Escritor/Poeta)

 

*Obra de ficção, qualquer semelhança com fatos e pessoas é mera coincidência.

 

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