Era véspera de Natal e eu de plantão na clínica psiquiátrica. Ficava pensando como será que estão todos em casa. A minha família havia planejado uma bonita festa natalina com direito à ceia e troca de presentes. De repente me assustei com uns gritos: " volte papai Noel!". Era João, um um dos nossos pacientes, que estava ansioso e confuso. Perguntei a ele: O que aconteu?" Eu vi Papai Noel. Ele tinha uma enorme barba branca e andava de bicicleta ao redor da minha cama. " Eu olhei nos seus olhos e questionei: porque queres que ele volte? "Eu preciso que ele volte, pois ele não trouxe o meu presente e nem o seu." Sorrindo eu voltei a perguntar: O que você pediu a ele? "Eu pedi um cérebro novo e sem defeitos. Um cérebro que não confunda paixão com amor, tesão com emoção. Um cérebro que mande no meu coração. Que ordene que eu não sinta essa dor de solidão. Não quero mais ser louco, viver a imaginar um amor que nunca virá." Fiquei parada sem saber o que dizer. Confesso que por alguns instantes também entrei naquele delírio e desejei alucinar. Eu esperava também encontrar com o Papai Noel e fazer o meu pedido, aliás meu pedido não era muito diferente do de João. Eu desejava que o meu cérebro de fato mandasse no meu coração. Ficamos, eu e o João, a esperar pelo Papai Noel, mas ele não veio. Amanheceu e constatei que não haviam presentes em baixo dos leitos dos pacientes e nem tãopouco nas janelas do meu repouso, mas havia uma forte decepção e uma grande solidão que tomava conta da equipe e dos pacientes daquela triste e esquecida clínica psiquiátrica. Fui até a enfermaria abracei João e os demais pacientes e desejei-lhes um feliz natal. Voltei para casa apressada para colocar em baixo da cama da minha filhinha o presente que ela havia pedido ao papai Noel. Afinal era um desejo bem mais simples de atender. Ela queria apenas uma boneca.
Francineti Carvalho
Enviado por Francineti Carvalho em 05/12/2007
Reeditado em 12/08/2017
Código do texto: T765334
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