Noite pessoal

Ao anoitecer, tarefas do dia cumpridas, Parnell Langstone e Agnes, sua filha adotiva, estavam sentadas à única mesa da choupana, um códice aberto entre elas. Agnes soletrava as palavras e as juntava em frases, desviando ocasionalmente o olhar para a mãe, ver se estava fazendo direito.

- Continue - incentivou-a Parnell, quando ela parou ao fim de um parágrafo.

- Isso é bom? - Questionou Agnes, pousando a mão espalmada sobre a página que estava lendo. - Sempre achei que invocar a escuridão fosse uma coisa maligna...

Parnell entrelaçou os dedos das mãos sobre a mesa, seu rosto vincado de rugas avermelhado pela chama da vela do castiçal, que iluminava parcamente o recinto.

- Escuridão não significa necessariamente uma coisa má, Agnes - avaliou. - Antes de surgir a luz no mundo, tudo era trevas. As sementes brotam do solo, onde é escuro, e crescem em direção à luz. Na floresta, há animais pequenos que só se movimentam à noite, porque os predadores estão acordados durante o dia. A escuridão pode significar segurança, proteção.

- Então, há uma boa escuridão e uma escuridão má? - Insistiu Agnes.

- A escuridão é neutra - redarguiu Parnell. - O mal pode ser cometido em plena luz do dia, como bem o sabemos, e pouca gente pensaria na claridade como algo ruim.

- Mas... qual o alcance dessa escuridão? Daria pra esconder a vila inteira? - Agnes agora estava curiosa e fez surgir um sorriso no rosto da mãe.

- Depende de uma série de coisas, - ponderou - inclusive do poder de quem a invoca. A escuridão pode ser mais ou menos densa, indo de uma noite sem lua até as trevas que existiam antes do surgimento da primeira estrela.

Agnes arregalou os olhos.

- Nossa! Seria difícil achar alguma coisa numa escuridão dessas!

- Se você precisasse se esconder e estivesse num lugar seguro, esse feitiço poderia salvar a sua vida - explicou Parnell. - A não ser que do outro lado estivesse alguém capaz de invocar uma lâmina de luz; diante da lâmina, a escuridão se desfaz.

Agnes fez um gesto afirmativo.

- Entendi. Mas esse tipo de escuridão me parece meio assustadora... talvez eu possa começar com algo mais simples...

- Fala da escuridão da noite sem lua? - Indagou Parnell.

Agnes balançou negativamente a cabeça.

- Não essa... outra mais confortável e que qualquer pessoa já experimentou uma vez na vida.

Parnell ergueu os sobrolhos em expectativa.

- A escuridão quando estamos na barriga da mãe - concluiu Agnes.

Parnell a encarou surpresa.

- Bem... eu nunca havia pensado nisso. Mas acho que podemos tentar.

E erguendo a cabeça, subitamente confiante:

- Sim, podemos tentar.

- Juntas? - Inquiriu Agnes.

- Juntas - prometeu Parnell.

- [21-04-2023]