"MAIS UM, SEU LIBBÓRIO" ?!

"MAIS UM, SEU LIBÓRIO" ?!

Corriam os anos 40 do século anterior e, tanto no Brasil quanto na Espanha, 2 presidentes com jeito de ditadores apavoravam suas nações. Na terra "de Dom Quixote de la Mancha", o tal Franco mandava fuzilar ou prender todo o que se manifestasse contra o Regime ou seu "jefe-mor". Já nos verdes campos "do pau-brazil" os asseclas de Getúlio Vargas estavam "metendo o pau" (epa!) em estudantes e todo aquele que discordasse das ordens do "pai do povo" era preso e até "sumia", em alguns casos. Nenhuma surpresa, o Brasil jamais foi uma Democracia !

Lima Barreto, em seu romance de 1911 sobre um certo Policarpo Quaresma já nos informava que o mandato de Floriano Peixoto foi, quase todo, um Regime de terror, com "fanáticos" por ele denunciando amigos e até parentes. As ilhas próximas à cidade do Rio antigo encheram-se de prisões, todas elas lotadas com desafetos do "Marechal de Ferro". Mas, este texto não é um tratado de História, trata da história pessoal do imigrante espanhol Libório Saavedra, tataraneto do famoso autor de "Sancho Pança e Dom Quixote"... sim , para não ter que pagar vários credores, o endividado Miguel Saavedra publicou seu mais famoso romance com nome trocado. E ficou rico... só até descobrirem a malandragem !

Seus descendentes se afastaram do caloteiro, que morreu na miséria. Com a chegada da Segunda Guerra , centenas de espanhóis debandaram para o Brasil... e nosso folclórico Libbório veio junto, mas sozinho, bem jovem ainda. Findou em terras catarinenses, muito frias para seu gosto, e "amigou-se" em pouco tempo com uma loirinha de olhos azuis, pois casar era para ricos. Laboriosos os dois, decidiram criar galinhas, coelhos e pombos, além de plantar milho numa nesga de terra herdada -- pela "polaca" -- dos seus pais. Tanto fizeram que o negócio prosperou... trabalhavam dia e noite, com Deus abençoando tudo. "Crescei e multiplicai-vos", diz o Senhor... Libbório e Brigitte "não brincavam em serviço"! Em pouco menos de dez anos já tinham produzido meia dúzia de rebentos, alimentados a pombo, coelho, frango e milho, na falta de outros produtos. "De dia tu come pinto... / de noite, "pinto" te come!", sussurrava no ouvido da polonesa o insaciável e imbrochável "Borito", ela com os olhos azuis brilhando de desejo.

Nas missas dominicais o vigário era só elogios ao casal, o tomava como exemplo a ser seguido, o Brasil precisava "de braços" (e pernas) para superar os prejuízos que a Segunda Guerra mundial trouxera para todos os países. Nos sermões, o sacerdote cobrava dos paroquianos "mais empenho", o vilarejo necessitava de mais brasileirinhos para desenvolver-se... "vejam esses 2 pombinhos como se amam" !

--"Cumpram seu dever de maridos, precisamos de mais "canoeiros" aqui em Canoinhas" !

E liberou os casais das taxas de Batismo, para quem fosse "além dos 3 filhos", padrão na região, onde nem mesmo o frio intenso na maior parte do ano mantinha os casais "na cama". Só Libbório e Brigitte "não descansavam nem nos dias santos" e todo ano -- sem sequer um "talvez" -- lá vinha ela com seu "pacotinho" de olhos vivos e ar feliz receber na carinha angelical as sagradas gotas da Cristandade.

O pároco começou a preocupar-se, já passara dos 10 os brasileirinhos da família Wigorsky Saavedra e ele tinha, adiante, despesas com catecismo para todos eles, além dos trajes brancos e dos círios votivos, as velas de praxe. Quinze anos depois do primeiro "polaquinhol", já eram 13 as crias do casal animado, causando despeito e reprovação nos demais paroquianos.

-- "Isto é uma "pouca vergonha", não saem da cama aqueles dois... onde isso vai parar" ?!

O padre, quase 20 anos depois, estava arrependido de ter apoiado aquela "sandice". A cada primavera ou verão lá vinha o casal, já meio sem graça, para mais um Batismo, a "carreirinha" de filhos crescidos seguindo atrás. O reverendo coça a cabeça encanecida, protestando:

-- "Mais 1, seu Libbório" ?!

E o marido espanhol, amassando o chapéu nas mãos calosas, respondia com "sorriso amarelo":

-- "Sabe como é, né, seu vigário ?! É que lá em casa não tem televisão" !

O sacerdote resolveu "dar um basta" na situação, já chegando os tempos das eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970... "fez uma vaquinha" e COMPROU pro casal "desgovernado e sem freios" uma bela TV PHILCO em cores. 'Seu Libbório", o 'Pelé do vilarejo", finalmente "pendurou as chuteiras". Fizera "21 GOLS", digo, filhos, em menos de 30 anos. Esse recorde nem o Edson Arantes do Nascimento conseguiu bater !

"NATO" AZEVEDO (em 1º/junho de 2023, 3hs

*********

OBS: conto baseado na canção "Um fio Só", de ZÉ FORTUNA & PITANGUEIRA, e em recente narrativa da cantora Lígia Saavedra (de Ananindeua) sobre sua vasta Família, com 20 irmãos "espalhados por aí", me disse ela.

Acessem a música no YOUTUBE, pelo link abaixo:

https://youtu.be/nXFMaczvh8Y