MECSTAR — O APRENDIZ DE HERÓI • 19

• Capítulo 19 — Gelador de Cabeça •

Dentre as diversas desvantagens que existem em Bolaranja, uma delas é o calor escaldante, especialmente durante o verão com seus três sóis. Em busca de algum alívio nesses dias abrasadores, muitas pessoas recorrem à sorveteria local. Na Vila de Solavanco, tínhamos uma sorveteria chamada Gelador de Cabeça, mas havia um problema: o sorvete derretia em meros 36 segundos após sair do freezer. Portanto, esse era o tempo que tínhamos para aproveitar o sorvete ainda gelado. Eu e Ixxy nos sentamos nos altos banquinhos do balcão, aguardando nossos pedidos, enquanto Luna e Puffy nos esperavam do lado de fora.

— Então, Mecstar?

— O aprendiz de herói. Sim, sou eu.

— Se você é um aprendiz, quem é o seu mestre?

— Costumava ser o senhor Marmelo Sabequesabe, que me instruía através de seu livro, "Como Ser um Grande Herói", mas agora eu não sei. Não sei se aprendi algo e não sei se ainda sou capaz de aprender. Na verdade, acho que não sirvo para isso.

— Existe um termo para isso, sabia?

— Você se surpreenderia com as coisas que eu não sei. — Eu olhava mais para baixo do que para os três olhos curiosos de Ixxy.

— "Síndrome do impostor" ou algo assim. É quando seus pensamentos te colocam para baixo e te impedem de alcançar seu verdadeiro potencial. Você precisa...

— Pensar positivo, eu sei. Mas tenho pensado positivo ultimamente e mesmo assim tudo deu errado. Acho que nunca serei um verdadeiro herói.

— Creme de cacto com limão para a moça e chocolate com avelã para o rapaz. Vocês têm apenas 36 segundos — disse o balconista, colocando nossos sorvetes no balcão — E já!

Peguei a colher e parti para a ação.

Passados 36 segundos, senti uma dor de cabeça congelante e um frescor intenso. Ixxy me olhava com a boca aberta, seu sorvete quase totalmente derretido no pote.

— Serpentes me piquem, o que acabou de acontecer? — ela disse, surpresa.

— Você só tem 36 segundos para aproveitar antes que ele derreta.

— E como vou fazer isso sem congelar meu cérebro?

— Agora você está entendendo.

Pedi para a balconista refazer os pedidos e, na segunda tentativa de Ixxy, ela conseguiu chegar até a metade. No final, ela sorria com as mãos sobre a testa e os olhos muito vermelhos.

— Nossa, acho que posso me acostumar com isso. É uma ótima maneira de acalmar a mente.

— Se é.

Agora eu estava mais relaxado. Talvez a parte do meu cérebro que causava a inibição estivesse congelado.

— Agora, o universo está em minhas mãos, e posso ser o herói que tanto sonhei — declarei —, embora esteja paralisado pelo medo.

— Do que exatamente você tem medo? — ela perguntou.

— De falhar?

— Bem, eu não sei exatamente do que estamos falando, mas, você sabe, se você não tentar, já estará falhando e da pior maneira possível.

Antes que eu pudesse refletir sobre suas palavras, as tigelas de sorvete foram entregues na mesa. Peguei a colher e mergulhei na minha porção de creme de chocolate com pitaia. O tempo começou a correr, e eu me entreguei à sensação refrescante que invadia minha boca.

Passados 36 segundos, olhei para Ixxy e vi sua expressão de surpresa. Seu sorvete de cacto com limão havia derretido quase por completo.

— Serpentes me piquem, o que acabou de acontecer? — ela disse, boquiaberta.

— Lembra? Você só tinha 36 segundos.

— E como vou fazer isso sem congelar meu cérebro?

— Agora você está captando o espírito da coisa.

Chamei a atenção da balconista para refazer o pedido de Ixxy. Na segunda tentativa, ela conseguiu chegar até a metade do sorvete. No final, ela sorria, com as mãos na testa e os olhos vermelhos.

— Nossa, acho que posso me acostumar com isso. É uma ótima maneira de acalmar a mente.

— Se é.

Eu estava mais relaxado. Talvez a parte do meu cérebro que causava a inibição estivesse congelada.

— Agora, o universo está em minhas mãos, e posso ser o herói que tanto sonhei — declarei —, mas estou paralisado pelo medo.

— Do que exatamente você tem medo? — ela perguntou.

Eu dei de ombros.

— De falhar?

— Bem, eu não sei exatamente do que estamos falando, mas, você sabe, se você não tentar, já está falhando e da pior maneira possível.

Então, desinibido e ousado graças ao gelo do sorvete, contei tudo a ela, resumidamente. No começo, ela parecia distraída com meus relatos, mas seu interesse foi crescendo à medida que eu falava, especialmente sobre o que o Sábio das Bolhas de Sabão havia dito sobre a Coroa, o Devorador de Sonhos e tudo mais. E como aquela Bola de Gude Carambola poderia ser a chave para a destruição do universo.

Quando terminei, ela ficou calada por alguns segundos. Não sei se estava processando todas as informações ou lidando com a dor de cabeça após o sorvete.

Por fim, Ixxy respirou fundo e me olhou com seus três olhos úmidos.

— O que você acha? — perguntei a ela.

— Bem... — Ela afastou a última tigela no balcão e colocou as mãos na cabeça. — Sou uma bióloga ativista. Por muito tempo, pensei que estava salvando o mundo com meus protestos, artigos e eventos de conscientização. Não duvido que tenha ajudado a preservar algumas criaturas menos privilegiadas no universo. Mas isso, Mecstar, isso supera tudo.

Antes que eu pudesse pensar no que estava dizendo, as palavras saíram da minha boca:

— Você me ajudaria?

Ela respirou fundo mais uma vez e colocou as mãos espalmadas sobre o balcão.

— Nunca me vi como uma heroína, apesar de tudo. Nunca li o livro do senhor Sabequesabe. Mas confesso que estou extremamente tentada a embarcar nessa aventura com você. Não sei se é o sorvete ou o calor deste planeta que está mexendo com a minha cabeça, mas se o que você diz é verdade, estaremos lutando por algo de importância universal e, de quebra, poderei levar aquele criminoso do Bongo às garras da justiça.

— Mas como faremos isso? — perguntei, ainda um tanto desesperançoso. — São mais de 100 km daqui até as Montanhas.

— 100 km? — Ixxy me olhou, segurando um sorriso. — Estaremos lá em menos de duas horas.

— Você tem uma nave?

— Você verá.

Pouco depois, estávamos em um antigo ferro-velho e estacionamento, onde Ixxy havia deixado sua moto, a DAX OS-36.

— Comprei assim que cheguei ao seu planeta. É de segunda mão, e eu poderia ter comprado uma zero quilômetro do modelo mais moderno por metade do preço que paguei por ela, mas tem me servido desde então.

Para mim, parecia a coisa mais maravilhosa do mundo. Era vermelha, com detalhes em laranja e amarelo. E tinha um sidecar da mesma cor. O gato pulou para dentro dele e se encolheu em um canto.

— Venha, Luna — disse Ixxy. — Pode subir. Puffy não machucaria uma mosca.

Luna entrou no sidecar e ficou cheirando o gato, balançando o rabo. O gato a ignorava completamente com uma cara azeda.

Ixxy montou na moto e me convidou a sentar na garupa. Eu estava sem jeito, agora que o efeito do sorvete havia passado sob os sóis escaldantes.

— Não precisa ficar nervoso. — Ela colocou óculos de corrida triplos, me estendeu um capacete e disse: — Vamos, Mecstar, vamos encontrar sua Bola de Gude Carambola e salvar a galáxia.

Subi na garupa, sentindo um cheiro doce em seus cabelos, e naquele momento, meus pensamentos foram para bem longe da galáxia.

— Em qual direção ficam essas montanhas?

Eu havia perdido o mapa para o Bongo, mas me recordava bem em qual direção ficava a Cordilheira das Chuvas Infinitas.

— Sudoeste.

Ela retirou uma bússola do bolso, a consultou por uns três segundos e disse:

— Então vamos lá! Se segura, Mecstar!

Tudo ali era perfeito, meus amigos. Principalmente a parte de finalmente ouvir meu nome ser pronunciado corretamente e com tanta empolgação.

***

Enquanto a moto acelerava e cortava o vento, levantando poeira e areia enquanto deixava para trás a Vila de Solavanco, eu me sentia revigorado. Com Ixxy ao meu lado, acreditava que poderíamos enfrentar qualquer desafio que surgisse em nosso caminho.

As próxima duas horas passaram conosco seguindo em alta velocidade pelas estradas, contornando curvas sinuosas de montes e colinas, desviando de descidas muito íngremes, e subindo e descendo ladeiras sem fim. Finalmente um dos sóis começou a se pôr no horizonte, tingindo o céu do oeste com tons avermelhados e dourados. Uma brisa fresca soprava em nosso rosto, trazendo um senso de liberdade e empolgação.

Enquanto Ixxy manobrava a moto com habilidade, eu olhava para as imponentes montanhas à nossa frente. Era o primeiro vislumbre que tínhamos da Cordilheira das Chuvas Infinitas. Suas encostas íngremes e rochosas e acinzentadas com espessas nuvens negras com raios se retorcendo em seu interior pareciam desafiar nossa determinação. Mas eu sabia que não podíamos recuar. O destino da galáxia dependia de nós.

Davyson F Santos
Enviado por Davyson F Santos em 11/06/2023
Código do texto: T7810928
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