Fadas entre nós

Sexta-feira, nove e quarenta da noite. Adela entrou na livraria, fazendo soar a sineta sobre a porta de vidro, e acenou para Lottie, a balconista, e Blanche, a gerente, sentada ao caixa.

- E aí, meninas? - Indagou sorridente, pousando as mãos sobre o balcão.

- Oi Adela - ouviu em resposta, mas percebeu que as colegas não pareciam muito à vontade.

- Aconteceu alguma coisa? - Indagou, passando por baixo do balcão e entrando na área reservada aos empregados.

- Aconteceu - admitiu Blanche, saindo do reservado do caixa. - Enid não vai poder vir hoje... aliás, pegou cinco dias de atestado.

Adela mordeu os lábios, mas tentou não dar nenhuma outra demonstração de que sentira o golpe.

- E... você chamou a folguista? - Indagou aparentando tranquilidade.

Blanche fez um gesto afirmativo.

- Chamei. Eles não têm ninguém que possa cobrir as faltas... por causa do pré-lançamento do novo livro de Sir Arthur Darrington, amanhã.

Adela mordeu os lábios novamente. Mas que falta de sorte, pensou. Ter que ficar sozinha no turno mais complicado da livraria, por cinco noites seguidas!

- Eu posso ficar todos os dias até às onze contigo - ofereceu-se Lottie em tom solícito. - Até Enid voltar.

Adela acariciou o rosto da balconista.

- Obrigada, amiga, mas não precisa fazer esse sacrifício. Você mora longe.

E, de qualquer forma, apenas uma hora de companhia por noite iria fazer pouca ou nenhuma diferença. Finalmente, voltou-se para Blanche e comentou em tom casual:

- Mas eu imagino que você vai me compensar depois pelo trabalho extra...

- Claro que sim - prometeu solenemente Blanche. - Você vai ter três dias de folga remunerada quando as coisas voltarem ao normal.

Adela sabia que Blanche não estava se referindo ao retorno de Enid, mas ao lançamento do aguardado "Fadas entre nós", quinto livro da série espiritualista de Sir Arthur Darrington. Até que a data passasse e o estoque dos volumes em pré-venda fossem entregues aos felizes compradores, a livraria (e todas as outras da rede através do país) estaria em estado de alerta.

- Ainda bem que o movimento maior é durante o dia e até às oito da noite - contemporizou Blanche, passando a chave do caixa para Adela. - Na madrugada, você só vai ter que se preocupar com... leitores com insônia.

- Eu vou ficar feliz se algum dos frequentadores habituais vier me fazer companhia - suspirou Adela, colocando um avental cáqui por cima do vestido. - Ou vou ter que trancar a entrada se quiser ir ao banheiro.

Aquele era um ponto sensível, visto que teoricamente uma livraria 24 h nunca fecha suas portas. Mas o que poderia ela fazer, se teria que trabalhar sozinha por cinco noites seguidas?

- Ninguém vai lhe impedir de usar o banheiro - contemporizou Blanche, enquanto Adela conferia o troco do caixa. - E eu já pedi para a ronda passar pelo menos duas vezes por aqui durante a madrugada, para ver como estão as coisas e tomar um café por conta da casa.

- Você fez isso? - Indagou Adela, ligeiramente mais conformada. - Eles certamente vão vir, não perderiam café grátis por nada deste mundo.

Lottie já havia posto o chapéu enfeitado com flores artificiais e estava com o casaco e a bolsa pendurados no braço, pronta para sair.

- Vamos? - Indagou para Blanche.

- Vamos - determinou a gerente, também pegando a bolsa. - O ônibus não espera.

Passaram por baixo do balcão e acenaram para Adela.

- Bom plantão! - Desejaram, a caminho da porta envidraçada.

A sineta soou novamente e agora Adela estava sozinha atrás do balcão. Pensou no depósito, onde caixas e mais caixas de papelão, cheios de exemplares de "Fadas entre nós" para a pré-venda, aguardavam a chegada dos compradores.

- Aqui é o centro da cidade, ninguém vai vir buscar um lançamento de madrugada - disse para si mesmo em tom confiante.

Mas à medida em que os ponteiros do relógio elétrico na parede se aproximavam da meia-noite, ela acabou se convencendo de que deveria ter ao menos alguns exemplares debaixo do balcão, caso aparecesse algum desavisado. Trancou a entrada e foi rapidamente até o depósito, de onde voltou sobraçando seis exemplares do calhamaço. Antes de colocar os livros sobre o balcão para organizá-los, olhou para a porta e viu que havia um homem parado do lado de fora, olhando para ela através do vidro.

Meia-noite em ponto, concluiu, sem sequer precisar olhar novamente para o relógio.

- [09-08-2023]