DESPEDIDA DE PAI VÉI

DESPEDIDA DE PAI VÉI

Cheguei vagarosamente, com um passo pesado, para lançar o olhar. Mal tinha se passado alguns momentos desde que o Velho Pai havia partido. Eu estava na quinta da Camboa, lembro-me bem daquele verão, às margens do Parnaíba em minha cidade Miguelalves, secando as folhas de fumo ao sol, quando Manezin se aproximou às pressas, anunciando que o Velho Pai tinha deixado esse mundo. Num átimo, eu e Toin Ribeiro fizemos o sinal da cruz e nos dirigimos à cidade, para nos despedirmos De Pai Véi. Manezin explicou que ele sucumbira a uma congestão, após devorar uma carne seca de bode salgada que ele mesmo havia deixado ao sol para secar. Manezin exagerava, dizendo que o falecido havia ficado roxo de repente.

Deixamos tudo à beira do Rio Parnaíba, muitas arrobas de folhas de fumo prontas para o estaleiro, e algumas cordas de fumo à espera, prontas para serem manipuladas com habilidade e enviadas de carroça por seu Antônio Né e embarcadas no Vapor Río Parnaíba.

Enquanto me aproximava, senti uma onda de vontade de chorar, uma tristeza que emergia do âmago do meu peito, o coração querendo escapar pela minha boca, acompanhado por uma umidade de suor, pernas vacilantes. Lembrava-me de como o Velho Pai havia me resgatado inúmeras vezes. Desde a minha infância, tão remota que mal posso recordar, até a juventude, ele sempre estava lá. Quantas vezes minha mãe me levou até o Pai Véi. Ele era como um Deus na terra. Enquanto lá em cima estava o Criador, aqui embaixo estava o Velho Pai, um porto seguro em meio ao sofrimento.

Toin, com os olhos embaçados de lágrimas, me recordou o dia em que me trouxeram com uma mordida de cascavel no tornozelo. Minha perna estava inchando e minha visão se obscurecia. Correram comigo, do Jiquiri até a casa do Velho, uma corrida que deveria garantir minha sobrevivência. Me entregaram a ele, como uma oferenda para que não perecesse. E ele, o Santo, chupou o veneno do meu corpo, rezou com o poder de Deus. Suas preces secretas, repetidas sete vezes, seguidas por um elixir que bebi. Além de Deus, só havia o Velho Pai. Fora das terras de Dr. Simplício, não existia outro santo ou médico. O mais próximo era o Dr. Zé Lages, nas Barras.

Naquele momento, estava aturdido, mergulhado na tristeza. Quantas almas más poderiam ter partido, mas a morte escolheu levar o nosso Santo. "O pobrezinho não causava mal a ninguém", lamentávamos. Se é que não fazia bem, mal é que não fazia. Abandonamos os enganchos armados, as tarrafas à beira do rio, e a canoa de seu Calafate, tudo esquecido. Mas era nosso dever honrar o Velho, deixar tudo para trás e correr até lá, foi o que fizemos.

Como eu dizia, fui o primeiro a chegar. Lá estava o Santo, estendido no chão, e o chão limpo, varrido para acomodar o Pai. Colocaram-no na sala da frente. Não havia barulho, exceto pelo lamento da Sinhá Maria, sua esposa.

O corpo do Santo estava deitado na rede que tanto amava: uma rede boa, branca, feita de dois panos, costurados à mão, que ele trouxera do Canindé em visita ao Padrinho Pe. Cícero. Ele parecia rejuvenescido, apesar da labuta dos seus noventa anos. Duas velas grandes iluminavam o ambiente, as mesmas usadas nas preces ao Santo. E dois pratos com vinagre para afastar as moscas curiosas, as indesejáveis intrusas do velório.

Ao chegar, tudo estava em calmaria. A cachorrinha Bebé lambia os dedos do Santo, ignorante da partida do seu dono. Ela apenas expressava carinho, lambendo a ferida no pé do Velho Pai, a ferida persistente que todos os Santos carregam. Uma ferida adquirida ao curar os outros, como se ele atraísse as doenças para si. Somente um Santo se submeteria a tal sacrifício.

Em seguida, Sinhá Maria, com a tristeza no coração maior que o Parnaíba, aproximou-se para tecer os Laços de São Francisco nas Mãos Sagradas do Velho Pai, permitindo que ele se reunisse com o divino. As comadres chegaram logo depois, trajando véus, terços nas mãos, prontas para suas preces. Começaram: "Salve Rainha, mãe de misericórdia, vida, esperança, doçura..." - por duas, três... Eu perdi a conta. As pessoas continuavam a chegar, seus filhos que viviam na cidade, exceto um, que havia partido há vinte anos. Consideravam-no como morto. Um dos filhos carregava o sudário branco, impecável, grande, branco demais, cor de goma, feito de algodão, pois só o algodão poderia permitir que a alma escapasse do corpo no desencarne.

Eles estenderam o sudário sobre ele, cobrindo-o inteiramente, e depois enrolaram a rede. Tudo parecia novo. Ninguém podia criticar a família por isso. Ouvi dizer que Bernardo comprou tudo na loja do Sr. Dideus Lacerda, escolhendo o melhor. Enquanto as mulheres rezavam ao redor do Velho Pai, os homens no quintal bebiam pinga e relembravam os milagres do Santo. Um deles, seu Evaristo, contou que além de rezador, o Velho Pai também atuava como parteiro. Descobri isso só então, ele quem fez o parto da mãe de seu Evaristo, permitindo assim que ele viesse ao mundo. Seu Evaristo contava que fora um parto difícil; o bebê estava posicionado de maneira complicada e só após mais de doze horas de esforço e uma batalha com todos os santos, finalmente o parto teve sucesso. A mãe de seu Evaristo era muito "estreita", disse ele.

Eu retornei à sala para acompanhar o terço, não querendo demonstrar desrespeito, mas sabendo que minhas habilidades em oração eram limitadas. Em vez disso, meus olhos se fixaram nos quadros pendurados na parede, retratos de santos: Santa Luzia, São José, Nossa Senhora, Padre Cícero Romão. A parede estava repleta de santidade. E havia um quadro maior, um presente do Dr. Rocha Furtado, seu compadre. Olhei para essa exibição celestial e pensei que com toda aquela congregação de santos, o Pai não poderia ser menos do que um santo também. Acima dele, estendia-se todo o firmamento, Ele recostado e os santos circulando.

A noite avançava em direção à meia-noite quando os parentes chegaram do Garapa: Eva, Sibá, Vilmar, Carnaúba e outros que eu não conhecia. A agitação e o lamento feminino se intensificavam, as mulheres clamavam em alta voz: "Oh, meu Deus, por quê? Por que levar o Santo de nossa família, o pai de todos nós?" E do outro lado, ecoava o coro de respostas: "Chega, me ajudem, quero morrer. Oh, meu Deus! Oh, meu Deus!" E as lágrimas fluíam incessantemente.

Desconcertado, afastei-me da cena, testemunhando algo que abalava o âmago. Voltei ao quintal, à umidade da noite, e a lua estava prestes a se pôr. Conversaram e decidiram que o sepultamento ocorreria pela manhã, no novo cemitério na estrada para Teresina. Cinco homens e dez litros de tiquira foram escolhidos para cavar a cova. Eram todos pais daquelas criaturas cujas vidas foram salvas pelas preces milagrosas de Pai Véi. Muitas crianças, afligidas por males como quebranto, moleira baixa, arca caída e outras enfermidades, se beneficiaram de sua ajuda. Até eu, na minha juventude, havia sido resgatado por suas preces. Eram carregados nos braços do Santo, enfraquecidos, apenas o espiral, o Santo olhava com olhos que pareciam divinos, ponderando, ponderando, e então corria para a mata, apanhava folhas e as esmagava contra o corpo dos enfermos, rezando enquanto agia, velozmente, as palavras se perdiam no fervor. Uma prece ancestral, transmitida pela mãe dele, um segredo compartilhado apenas com um dos sobrinhos, porque nem mesmo os filhos poderiam conhecê-lo. Lembro-me das noites em que eu visitava o Velho Pai, ele contando histórias de São Cipriano, que fora um feiticeiro antes de se tornar um santo, chegando ao ponto de se despojar de sua própria carne para alcançar a santidade. As palavras do Velho Pai eram semelhantes às palavras do padre na missa da capela de São Miguel Arcanjo, mas ele, Pai Véi, não tinha o conhecimento letrado do padre, então suas palavras eram como eco, uma melodia que tangenciava, mas não se fundia. Se ao menos eu pudesse convocar o padre para abençoar o Velho Pai, para guiar sua alma antes da jornada final, mas quem sou eu para solicitar tal coisa? Quantos foram abençoados pelo Santo e partiram para a terra de além-túmulo sem o toque da água benta! Voltei à sala, onde Sinhá Maria havia terminado de torrar o café e agora o socava para semeadura ao redor do Santo. Ela colocou um pano de café em seu peito, pois apenas os mortos jovens e naturalmente falecidos permanecem inodoros por um dia sobre a terra, mas o Velho Pai tinha noventa anos e uma longa trajetória, e muitas “reimas” retiradas das vidas dos outros. Sinhá Maria me pediu para acompanhar seu sobrinho, Xoró, até a Camboa, para buscar um punhado de algodão virgem para entupir o nariz e os ouvidos do Santo. Fomos e voltamos seguindo o rastro. Quando retornamos, o enterro estava próximo e o lamento das mulheres ecoava mais alto. À mesa do oratório, vi inúmeros bilhetes, eram as mensagens dos amigos e compadres influentes do Velho Pai, expressando sua tristeza pela partida do compadre Raimundo. Já era seis da manhã, e seu Pichico havia chegado com a travessa de aroeira, usada para carregar a rede do Santo até o cemitério. Foi um momento de clamor, tristeza e choro para todos. Naquele instante, ninguém mais se lembrava de ser amigo ou parente, todos éramos um só. As preces terminaram, o corpo do Santo já estava preparado. Era a hora, a natureza estava cobrando sua dívida, a terra exigindo o corpo, o céu clamando pela alma. Todos deram um último olhar, cheio de piedade. Fixei meus olhos no rosto do Santo, assim como todos tocaram suas mãos, entrelaçadas com o cordão de São Francisco, buscando uma última bênção, sussurrando suavemente: "Meu Santo, cuide da nossa saúde e da saúde de nossa família, e também dos peixes do Parnaíba". Olhei para seu semblante, e juraria que ele estava sorrindo. Mas quem não sorriria indo para o céu? O pau foi atravessado para sustentar a rede, dois homens cuidadosamente ergueram o Santo, rede e tudo, e partimos em direção ao cemitério. Eu era apenas um brochote, mas nunca esquecerei aquele momento.

Frederico ARebeloT, MAIO 2020.

Alval

FREDERICO A REBELO TORRES
Enviado por FREDERICO A REBELO TORRES em 03/09/2023
Código do texto: T7877142
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.