Ellohen - Capítulo 2

Os corredores exalavam uma aura de grandeza e história, onde o peso do tempo parecia ser suavizado pelas chamas dançantes das labaredas que iluminavam o caminho. Cada suporte de metal que sustentava as velas tinha sido habilmente trabalhado à mão, um tributo à maestria dos artesãos que haviam esculpido essas peças. Os oito suportes de cada lado do corredor não eram apenas fontes de luz, mas também uma homenagem à precisão e à devoção ao detalhe que permeava aquele espaço. Os quadros alinhados nas paredes, como uma linha do tempo de conquistas e realizações, pareciam ganhar vida à medida que as chamas refletiam sobre as molduras douradas. A luz oscilante das velas transformava as cenas pintadas em uma dança de cores e sombras, quase como se os eventos ali retratados estivessem ganhando vida. Aqueles quadros contavam a história da monarquia, os feitos heroicos e as alianças estratégicas que haviam moldado o reino. O piso de madeira, polido a perfeição, completava a sinfonia de detalhes meticulosamente projetados. Cada passo ecoava como um acorde ressonante, preenchendo o corredor com uma sensação de solenidade e respeito. O som parecia ecoar as memórias dos inúmeros passos que haviam sido dados ali, por governantes e líderes que moldaram o destino da nação.

A mulher que avançava pelo corredor carregava consigo uma pilha de livros, símbolo de conhecimento e sabedoria, elementos vitais para a governança do reino. Seus cabelos ruivos caíam graciosamente até os ombros, emoldurando um rosto de traços fortes e determinados. Os óculos pendiam levemente sobre seu nariz, uma marca da intelectualidade que a acompanhava. Seus olhos verdes mel brilhavam com uma mistura de ansiedade e determinação.

Ao alcançar as imponentes portas adornadas, o contraste entre a delicadeza dos detalhes e a tensão no ar era palpável. As vozes abafadas e os fragmentos de uma discussão acesa escapavam pelas frestas das portas. A etiqueta e o protocolo eram fundamentais nesse ambiente, e a decisão de esperar por um convite para entrar era um reflexo disso.

A abertura das portas revelou a figura de Sir Arnos, um Guardião Real de Andher. As placas prateadas e luminosas que cobriam seu corpo eram uma manifestação visível de sua lealdade e habilidade. O símbolo de Ni’Ya em seu peito não apenas representava a árvore branca, mas também a tradição e a linhagem honrosa dos Guardiões Reais. Seu semblante impassível transmitia autoridade e segurança.

- Entre, Srta. Delavante! O Concelho a aguarda. – pronunciou o guarda real assentindo com a cabeça, que agora pôde ser notada por Marin Delavante, as feições do rosto afilado do jovem cavaleiro. Não aparentava ser tão jovem pelas cicatrizes que traziam efeitos colaterais inerentes à vida levada pelos guardiões reais do Reino. Marin rapidamente se prontificou a adentrar à sala enquanto os dois homens que a seguiam se mantiveram prostrados e fadados a esperá-la do lado de fora.

Com passos decididos, a mulher atravessou o limiar da sala, trazendo consigo não apenas os livros em seus braços, mas também a responsabilidade que ela representava. Como a Visão Primordial de Andher, Marin detinha a responsabilidade de ser os olhos de Millöra e estar a par de todos os acontecimentos passados, presentes e futuros. No interior da sala, estavam alguns dos doze Mistros, representantes de todas as áreas do governo monárquico estavam reunidos. Suas vozes formavam uma sinfonia de discussões e debates em meio a uma cena deveras majestosa e imponente, um testemunho do poder e da complexidade do reino.

Marin encontrava-se agora em uma sala que irradiava a mesma beleza e opulência do corredor que a havia conduzido até ali. Cada detalhe era meticulosamente desenhado para encantar os olhos e oferecer o máximo de conforto possível. A sala, embora magnífica, não economizava em requinte, apresentando um cenário impressionante que só ressaltava a grandiosidade do lugar. No cerne da sala, dominando o espaço, repousava uma colossal mesa retangular, esculpida com maestria a partir de madeira nobre. A dimensão da mesa era notável, capaz de acomodar sem dificuldade cerca de trinta pessoas em suas posições. A superfície polida refletia a iluminação verde amital delicada que emanava de suntuosos candelabros de cristal que pendiam dos altos tetos. Cadeiras igualmente elaboradas se alinhavam de maneira simétrica em torno da mesa, esperando por ocupantes dignos do ambiente régio.

Cada centímetro da sala parecia carregado de história e importância, desde os intrincados padrões entalhados nas paredes até os tapetes luxuosos que absorviam os passos, proporcionando uma acústica suave e agradável. A atmosfera ali era de grandiosidade, mas também de funcionalidade. Marin podia sentir a gravidade do lugar, a sensação de que decisões cruciais eram tomadas naquela sala e que ali alicerçavam-se as diretrizes do reino. A luz que se filtrava pelas janelas ricamente ornamentadas, com vitrais que retratavam eventos históricos, conferia um tom quase mágico à cena. Era um local onde as palavras se transformavam em ações, onde as negociações aconteciam e os rumos do reino eram traçados.

Ao fundo da sala, uma cadeira suntuosa erguia-se, ocupada pela figura imponente da Millöra Regente, Akórdia Nephalla. Seus olhos perspicazes observavam atentamente a reunião que estava prestes a começar. Ao seu lado direito, estavam os dois companheiros de Marin, a Alma e o Punho Primordial, membros da Tríade Real de Andher da qual Marin fazia parte há poucas luas. Suas presenças imbuíam a sala de um ar de autoridade e poder, lembrando a todos ali da força e do compromisso que mantinham com o reino.

Marin sentia-se envolvida por uma aura solene, um testemunho silencioso da grandeza do reino e do papel crucial que ela desempenharia naquele momento. À medida que seus olhos percorriam a sala, ela compreendia a magnitude das responsabilidades que carregava.

- Com licença, Millöra! – apressou-se Marin em dar o tom introdutório à reunião aos presentes no salão que agora estavam silenciados com a sua chegada.

- Que inicie-se o Concelho de Ordem! Sir Arnos? Mistros? – iniciou prontamente a mulher identificada como Millöra Regente, a Protetora do Reino, em um único gesto claro o suficiente para que todos se aprumassem em suas cadeiras e as portas do salão fossem fechadas pelo guarda real. Akórdia era uma mulher perto de seus trinta e poucos anos de idade, mesmo não aparentando. Era muito bela, longos cabelos castanho-claros e cacheados nas pontas, olhos cintilantes esverdeados chamavam mais a atenção do que o conjunto da obra. Usava um vestido branco que cobria até os pés, ornamentado por pequenas insígnias douradas por todo o tronco e finalizando até a cintura onde um laço também dourado separava bem os membros inferiores dos superiores. Até as sandálias que usava eram douradas, dando um ar de graça e de muita confortabilidade a quem as usava. - Alguma novidade sobre Lumenhall?

- Bem... – prontificou-se Marin, deixando os livros deslizarem com cuidado sobre a imponente mesa de madeira polida. O estalo suave da madeira reverberou no silêncio expectante da sala. - Infelizmente, as notícias que trago não podem ser chamadas de auspiciosas. Os meus Olhos captaram um fluxo de informações inquietantes. Manifestações de energia amital que estão ocorrendo com uma volatilidade cada vez maior, criando perturbações significativas em toda a teia de rede amital pelo continente. As junções dos fios umbrais, que deveriam permanecer estáveis, estão adentrando um padrão de movimentação atípico. Essas instabilidades estão gerando Nós, conexões problemáticas e densas, que se formam com frequência alarmante e com uma resistência incomum...

- E, nesse ponto, surgem as peculiaridades. - a voz grave de Marin continuava a ressoar na sala, como se tecesse a trama de um mistério iminente. - Os Olhos viram e os Fios narraram: os padrões erráticos estão gerando Nós de dimensões e densidades incomuns. Parecem ter uma espécie de... vontade própria. Como se uma força, anteriormente desconhecida, estivesse interferindo em nossa trama amital. Esses Nós, ao invés de se dissolverem naturalmente, como deveriam, estão se entrelaçando de formas complexas e, em certos momentos, desafiadoras. É como se estivéssemos testemunhando a própria essência do amital se rebelando contra as regras harmônicas de Ella.

O silêncio se manteve por um breve instante, até que uma voz inquisitiva se fez ouvir - Incomum como? - a pergunta partiu de um homem que, até então, estivera recolhido, afundado na penumbra de seu canto na mesa, observando atentamente. Com sua estatura baixa e porte pouco majestoso, ele se levantou de sua cadeira com uma expressão de curiosidade ardente. Seu nome era Júbilos, um dos homens de estatura mais baixa ali presente, mas sua presença era inegavelmente cativante. Seus olhos vivazes cintilavam com inteligência, e sua voz, embora fina e estridente, transmitia uma autoridade que contradizia sua aparência. Como o encarregado das comunicações e das tratativas diplomáticas do reino, sua importância se estendia muito além de sua aparência frágil. Com um movimento rápido e entusiástico, ele se ergueu da cadeira, fazendo com que papéis voassem ao seu redor, como folhas secas de outono. Era como se, em sua energia, estivesse contida a alma das interações de Andher com o mundo externo.

- Deixe ela terminar, Júbilos! - o comando da Millöra Regente ressoou pelo salão, contendo o ímpeto do homem ansioso. Akórdia, com seu carisma e serenidade, exalava uma aura de liderança nata. Seu olhar, cintilando em um tom de verde que lembrava os bosques de Eldurian, pousou sobre Marin, encorajando-a a prosseguir com o relato. Sentada em seu trono suntuoso, ela emanava uma elegância majestosa, e cada gesto seu parecia executado com a precisão de quem dominava não só o reino, mas também os intricados jogos da diplomacia e da política.

- Então… - Marin iniciou sua explicação com uma pausa reflexiva, como se buscasse as palavras certas para desvendar um mistério complexo. Ela manipulou com delicadeza uma placa metálica, posicionando-a no centro da mesa de madeira escura, enquanto seus dedos habilidosos percorriam uma plataforma que ressoava com sons suaves e luzes cintilantes. - Esses Nós, que chamamos de COFA (Convergência de Frequência Amital)… - prosseguiu Marin, sua voz agora envolvendo todos na sala com uma elegância cativante - …sempre foram uma constante em nosso mundo, em certo sentido. - Seus olhos, profundos como poços de sabedoria, percorreram a mesa, encontrando o olhar atento de cada interventor. - Quando os fios umbrais que permeiam toda a extensão de Ellohen se encontram e entrelaçam, formam-se o que chamamos de Nós de Baixa Concentração, ou NBCs. Essas junções, até o limite de cerca de setecentos filamentos por Nó, são consideradas normais e não costumam causar anomalias em nosso mundo. No entanto, algo tem mudado nos últimos tempos. - sua expressão, uma mescla de preocupação e determinação, traduzia a complexidade do problema que enfrentavam. Cautelosamente, ela prosseguiu com sua narrativa, deixando a essência daquela perturbação reverberar na mente de todos os presentes.

- Então, o que ocorreu em Kar Minnor ultrapassou essa quantidade? - a voz quebrou o silêncio que persistia com teimosia na sala. Cada sílaba era pronunciada com uma gravidade que parecia moldada pela própria experiência do homem que a proferia. Ele se ergueu da cadeira, um colosso de presença, cuja figura alta, musculosa e morena emanava uma aura de força e autoridade incontestável. A ausência de cabelos em sua cabeça realçava as inúmeras cicatrizes que mapeavam seu semblante, acentuando ainda mais a impressão de destemor que o rodeava. Sua armadura avermelhada como sangue e com detalhes em prata envolvia-o como uma segunda pele, uma defesa impenetrável para quem ousasse se aproximar.

- Sim, Sthavar. - revelou ela, enquanto as palavras bailavam por entre os movimentos de seus lábios. Seu olhar era meticuloso, viajando de semblante em semblante na sala, desde os respeitados Mistros até a imponente Tríade Real. Marin agora estava imersa no mecanismo à sua frente, seus dedos dançavam com precisão sobre a base tecnológica, enquanto luzes holográficas projetavam um mapa minucioso que parecia pulsar vida. Pontos luminosos, como estrelas piscantes, desenhavam as diferentes partes do continente, cada um com um tamanho variado. Mas o que capturava a atenção de todos era o ponto maior, o fulcro rubro em Kar Minnor. - Em Kar Minnor, tivemos uma anomalia detectada pelas forças do ateneu de Sant Sovhen. Um pico que ultrapassou a marca dos seis mil filamentos em um único Nó. - suas palavras agora eram como um fio de seda, cuidadosamente tecido para revelar o preocupante quadro que se desdobrava diante deles.

As palavras de Marin, acompanhadas pela visão dos Nós cintilantes no mapa holográfico, provocaram uma onda de inquietação e surpresa que se refletia nos semblantes de todos os presentes. Até mesmo Akórdia, que tinha uma aura de majestade inabalável, ajustava-se em sua cadeira como que sentindo o peso das informações. Seus olhos agora vagueavam pelos belos vitrais que adornavam as janelas, como se estivesse buscando extrair algum conforto da luz radiante do dia que banhava o reino naquela manhã.

- Mas como isso pode ser possível? Quando foi que testemunhamos uma concentração tão avassaladora de COFA? - indagou uma jovem com sua voz ecoando em um misto de surpresa e preocupação. A face que um dia fora conhecida pela beleza e pela implacabilidade, fruto de sua posição como Juíza Real do Pilar de Ordem e Justiça em Andher, agora parecia pálida e insegura diante da magnitude da situação.

- Há precisamente 247 anos atrás. - acrescentou um homem, ainda sentado, deslizando com suavidade seus dedos sobre a mesa por direções aleatórias como se estivesse em vias de organizar seus pensamentos. Era uma figura que transparecia mais experiência dos demais na sala, seus cabelos e barbas mostrando apenas alguns fios de prata, sugeria uma idade que não obscurecia sua vitalidade. - Foi durante os primeiros expurgos nos reinos afetados pela Primavera Cinzenta.

- Andrus… você está sugerindo que… - interpelou Jubilos, seu rosto refletindo horror, enquanto se erguia quase ao nível dos demais com a ajuda de sua cadeira.

- Sim! - respondeu o homem com trajes impecáveis, erguendo-se da cadeira com uma graciosidade que quase parecia coreografada. Seu passo firme o levou a circundar a gigantesca mesa colossal, onde alguns dos Mistros permaneciam sentados, ainda atônitos. - Pelos precisos registros daquela época, minuciosamente resguardados no Libertarium, podemos discernir com clareza que eventos de magnitude igualmente grandiosa antecederam à formidável guerra que enfrentamos ao lado dos Nümes, unidos contra as forças sinistras de Miir Dhoran e seus aliados. - Ele pausou, olhando diretamente para a mulher sentada à mesa, sua voz estava imbuída de autoridade e conhecimento.

No canto do salão, Marin Delavante, uma estudiosa notável do reino, levantou ligeiramente o queixo, seus olhos claros cintilando com um misto de confirmação e preocupação. A ruga em sua testa mostrava que ela estava processando rapidamente as conexões entre as informações apresentadas e as implicações que poderiam surgir.

- Com certeza, Mistro Andrus. - ela respondeu com calma e ponderação, sua voz trazia consigo décadas de estudo e uma compreensão profunda dos registros históricos. - Documentos de eras remotas sugerem que tais perturbações no fluxo amital estiveram correlacionadas com eventos de magnitude notáveis em nosso passado. Não devemos subestimar a possibilidade de que um evento de igual relevância esteja prestes a desdobrar-se. Ainda mais se o que ocorrera em Kar Minnor seja de fato a realidade.

Murmúrios e sussurros se espalharam entre os presentes, ecoando uma mistura de reconhecimento e inquietação. Andrus, que parecia sustentado pela rigidez de seu cetro e uma expressão séria, parecia ter evocado uma verdade que estava silenciosamente presente nas entrelinhas da discussão agora.

- Então, estamos realmente considerando a possibilidade do retorno de… mandalas? - a fala embargada da Juíza do reino refletia a tensão e senso de urgência que usurpava a resplandecência do local normalmente pacífico e saudável. Seus distintos olhos arroxeados fixaram-se na Visão Primordial e no Magíster que continuava a circular a mesa com uma aura de preocupação.

- Temo que sim, Mistra Alita. - assentiu Marin com seriedade, compreendendo a profundidade da situação sob os olhares de Akórdia que permanecia silenciosa, observando com atenção o intercâmbio de ideias e preocupações que se desenrolava no salão.

O tenso ambiente foi subitamente interrompido pelo eco de batidas deliberadas que reverberaram pelas paredes imponentes da câmara. A entrada de Sir Arnos, o guardião real de Andher, parecia coreografada para coincidir com o abrandamento momentâneo das discussões. Seus passos resolutos sobre o tapete carmesim ecoavam com um ritmo que ecoava a importância do momento. Cercado por painéis de carvalho adornados com intrincados entalhes, Sir Arnos projetou uma aura de respeito e deferência enquanto, com um gesto elegante, anunciava a entrada dos novos convidados.

- Millöra, anuncio a chegada do Comandante do ateneu de Sant Sovhen, Agnis Nortillus e um de seus oficiais, membro do tridente, que estava presente no local do incidente em Kar Minnor, Landho Maridius. - seu tom de voz, como uma sinfonia de cortesia, pairou no ar por um momento antes de ceder espaço à entrada dos convidados mencionados. Agnis Nortillus, de postura ereta e barba branca cuidadosamente trançada, projetava uma impressão de sabedoria e idade avançada. Seu manto de cores sóbrias, ornado com detalhes de pedras cintilantes que lembravam a tonalidade do amital, evocava uma conexão com a mágyka e o conhecimento. Cada passo que ele dava era sustentado por um bastão de prata, enriquecido por pedras verdes que lembravam as preciosas gemas amitalísticas. Os olhos azuis claros do Comandante, como espelhos do conhecimento acumulado através dos anos, percorriam o salão, avaliando cada figura presente. Era evidente que sua presença ali carregava um peso de autoridade e sabedoria acumulada através de gerações.

Landho caminhava ao seu lado, visivelmente abatido tanto fisicamente quanto mentalmente de sua experiência recente. Seu rosto esguio abrigava escoriações coloradas em consonância com suas longas mechas escuras. Seus olhos reproduziam um filme aterrorizante vivida há poucos dias com seus companheiros. Apesar de caminhar lado a lado de Agnis, era perceptível pelas vestes simples e remendos de curativos que sua saúde já tivera dias melhores.

- Agnis… Landho… gostaria que nosso encontro fosse em circunstâncias melhores... - se compadeceu a Millöra que agora já se punha de pé perante os novos convidados, enquanto Agnis ajudava Landho a se sentar em uma das poltronas o mais próximo possível de Akórdia, talvez para que ela pudesse ouvir melhor o que ele tinha a dizer.

- Partilho do mesmo sentimento, Millöra. A situação de Landho não é das melhores, mas o que trazemos de informações é de tamanha urgência e importância que nem consigo ficar parado em um local por muito tempo. - disse Agnis com um leve sorriso amarelo no rosto como se quisesse ludibriar seus verdadeiros sentimentos de agoniantes.

- Pois bem… estávamos discutindo sobre a crescente frequência de convergência dos Nós. Recebemos do ateneu aqueles números aterradores. Mais de sete mil filamentos? É mesmo possível que isso tenha ocorrido mesmo em um local tão distante como Kar Minnor? - indagou Akórdia agora rodeando pelo pequeno círculo que se formou dentre todos os presentes inquietos e os que ainda não demonstravam forças para se por de pé da cadeira.

- Sim, Millöra… não só temos a certeza da convergência nessa magnitude como afirmamos, mas também que esse é o menor dos nossos problemas que enfrentamos agora. - a voz grave e imbuída de conhecimento, reverberava pelo salão, como se cada palavra fosse cuidadosamente escolhida para construir um quadro vívido da situação. O silêncio que preenchia o ambiente amplificava a importância de suas próximas revelações, como se todos os olhares presentes estivessem ancorados na sua figura. - Landho, pode explicar melhor e em detalhes.

Neste momento, Landho ergueu a cabeça, seu olhar averiguante encontrando os de todos os presentes pareciam traçar um caminho individual até a essência de cada um, como se ele pudesse antecipar as reações e reflexões que as palavras vindouras desencadeariam. O silêncio pesava na sala, como se o tempo tivesse sido momentaneamente suspenso, permitindo que a aura de gravidade e expectativa se solidificasse.

- Millöra… em nenhuma das operações que participei pude presenciar uma real fenda amital sendo aberta. Eram quase sempre, em sua maioria NBCs, mas o que vimos em Kar Minnor estava totalmente fora dos nossos padrões. Quando chegamos, uma fenda estava quase na sua plenitude de envergadura. Eram muitos mutanos para um único local e objetivo. Pensamos realmente que conseguiríamos, com mais dificuldade que normalmente, mas que conseguiríamos interromper o ritual. - Landho deu uma pausa que suspendeu o oxigênio de todos, como se num passe de mágyka todos perdessem a capacidade de respirar. - Fizemos tudo que podíamos pela responsabilidade que nos foi dada pelos quinze reinos de Vandar, mas… a fenda se abriu…

A tensão que envolvia o ambiente era de proporções quase palpáveis, como se uma tempestade de inquietação e apreensão pairasse no ar, pronta para se desencadear. Era uma tensão que parecia capaz de engolir todo o reino de Andher, caso possuísse uma vontade maligna comparável à das criaturas sombrias de Tármitus. A Tríade Real, os Mistros e até mesmo a própria Millöra, a protetora do reino, partilhavam de um silente desejo, quase uma prece, para que daquele momento em diante não emergisse mais nada aterrorizante do que já havia sido revelado. Entretanto, eles sabiam, nas profundezas de seus seres, que esperanças e temores nem sempre ditam os acontecimentos.

Em meio a esse cenário de sombras e expectativas, uma voz frágil, quase contendo uma súplica implícita, ergueu-se acima do peso da atmosfera carregada:

- A… a fenda… ela realmente se abriu? - as palavras de Alita emergiram em um tom atemorizado, e o medo podia ser sentido em cada sílaba que ela pronunciava. Era como se ela não apenas perguntasse, mas também implorasse para que a resposta não fosse tão aterradora quanto sua imaginação selvagem pintava.

E então, como um sussurro etéreo que parecia brotar dos próprios recônditos da realidade, Landho respondeu. Suas palavras vibravam como uma brisa gélida, deslizando pelos ouvidos de cada ouvinte e penetrando sua consciência como uma revelação secreta:

Sim… - sua voz, agora como um fio de eco, começou a envolver cada indivíduo presente, como se ele estivesse compartilhando um segredo ancestral, reservado apenas para aqueles corações valentes o suficiente para enfrentá-lo. - …e dela... emergiu um Mandala.

Aquilo sim, essa palavra de três sílabas, sete letras, foi capaz de ruir o pouco de sobriedade que cada um possuía naquela sala. Sentimentos de incredulidade, arrepio e intemperança permearam pelo âmago de cada presente que se encontravam em olhares alucinantes.

- Mandala? Tem certeza disso, Landho? - as palavras saíam quase que na velocidade do pensamento de Júbilos. - Eles foram expurgados e não temos mais sinais deles desde…

- A Primavera Cinzenta. - disse Andrus parecendo querer completar o raciocínio confuso de Jubilos que o olhava atônito. - Como disse anteriormente, esses fortes sinais de COFA antecederam a esta trágica época não tão longínqua assim. - Andrus parecia calmo e sereno em suas palavras, poucos como ele se mantinham desta maneira, como Agnis, Sthavar e Akórdia. Talvez para não demonstrar fraqueza ou por simplesmente estarem anestesiados diante de tal revelação.

- Mas como você tem a certeza de que era um Mandala? Poderia ser alguma outra criatura do Tármitus. - indagou Marin a fim de conseguir trazer um pouco de esperança para atenuar o clima assombroso no salão.

- Porque ela me disse seu nome… - Landho parecia estar aterrorizado somente por pensar no nome que havia sido revelado pelo Mandala. - …Nyxaris!

- Nyx…

- Impossível!

- Mas como?

- Silêncio! - exasperou a Millöra silenciando os mais exacerbados e desequilibrados. - Recomponham-se! Se nós, a última linha de defesa do reino juntamente com o ateneu perdermos as estribeiras e a racionalidade em momentos difíceis, o que será de nosso povo? É neste momento que um líder não deve… não pode fraquejar! Sob nenhuma circunstância! Ou você não está apto para exercer o que a sua càthedra representa.

A repreensão da Millöra fez com que todos os presentes se calassem, sentindo o peso de suas palavras e de suas responsabilidades. Era evidente que Akórdia não estava disposta a tolerar qualquer sinal de fraqueza ou desespero diante da situação crítica que enfrentavam. Sua postura firme e seu olhar penetrante transmitiam uma confiança e uma autoridade que inspiravam respeito e admiração. Ela sabia que, como a guardiã do reino, ela tinha o dever de manter a ordem e a harmonia, mesmo quando tudo parecia desmoronar ao seu redor.

- Agora, peço que todos se acalmem e escutem com atenção o que Agnis e Landho têm a nos dizer. - continuou ela, com uma voz mais suave, mas ainda imponente. - Eles vieram até aqui para nos trazer informações vitais sobre o incidente em Kar Minnor, e sobre o… retorno dos mandalas e seus portadores. Precisamos ouvi-los com respeito e consideração, pois eles arriscaram suas vidas para nos alertar sobre esse perigo iminente.

Ela então se voltou para Agnis e Landho, que permaneciam sentados em suas poltronas, observando atentamente a reação dos demais. Ela lhes dirigiu um olhar de gratidão e reconhecimento, antes de lhes dar a palavra.

- Agnis, Landho… por favor, continuem com o seu relato. O que aconteceu depois que a fenda se abriu e Nyxaris emergiu dela? - ela perguntou, com uma curiosidade genuína e uma preocupação evidente.

- Bem… - começou Landho, com uma voz rouca e trêmula. Ele parecia reviver em sua mente os horrores que testemunhou em Kar Minnor, como se fossem cicatrizes indeléveis em sua alma. - …foi um caos total. Nyxaris era uma criatura colossal, a fisionomia de uma pantera negra como a noite e olhos vermelhos de sangue. Ela emanava uma aura de poder e maldade que fazia o ar ficar pesado e sufocante. Ela rugiu como um trovão, fazendo o chão tremer e as paredes se curvarem. Ela lançou tentáculos de pura energia negra contra nós, que inutilmente tentávamos conter. Mas era ela era muito forte… muito rápida…

Landho fez uma pausa, engolindo em seco, como se tentasse conter o embargo de sua voz. Ele respirou fundo, buscando forças para continuar.

- Ela matou Cobin… - ele prosseguiu, com uma dor evidente em sua voz. - …eu vi meu amigo ter seu corpo e mente tomados pela criatura… e vi seu corpo ser carbonizado após o mandala terminar de usá-lo como brinquedo… eu ouvi seus gritos sendo abafados por sua boca… eu vi seus olhos se apagarem diante dos meus… eu vi… eu vi…

Landho não conseguiu terminar a frase. Ele se calou, soluçando baixinho, como se tivesse perdido as palavras e a esperança. Ele abaixou a cabeça, escondendo seu rosto entre as mãos, como se quisesse se isolar do mundo e de sua dor.

Um silêncio sepulcral se instalou na sala, como se todos os presentes compartilhassem da angústia de Landho. Ninguém ousou interrompê-lo ou consolá-lo. Era como se todos respeitassem o seu luto e o seu sofrimento. Apenas Agnis, que estava ao seu lado, lhe tocou levemente o ombro, como um gesto de solidariedade e compreensão. Ele sabia o que Landho havia passado, pois ele também havia estado em Kar Minnor, embora em uma posição mais segura e distante. Ele também havia visto a destruição que Nyxaris deixara por onde esteve, embora com menos detalhes e intensidade, por tanto, também sentia a dor de Landho, embora com menos profundidade e expressão.

- Eu sinto muito, Landho… - ele murmurou, com uma voz suave e compassiva. - …você foi muito corajoso e honrou o seu dever como um tridente. Você não tem culpa pelo que aconteceu. Você fez o que pôde, e mais do que muitos fariam. Você sobreviveu, e isso já é um milagre.

Ele então se virou para os demais, que ainda estavam em silêncio, observando a cena com uma mistura de pena e admiração. Ele pigarreou, tentando chamar a atenção deles para o que ainda tinha a dizer.

- Millöra, Mistros, Tríade… - ele começou, com uma voz firme e séria. - …o que Landho acabou de nos contar é apenas uma parte do que aconteceu em Kar Minnor. Há mais coisas que vocês precisam saber, coisas que podem mudar o rumo dessa guerra que se aproxima. Coisas que podem ser a nossa única esperança de enfrentar o que quer que tenha poder o suficiente para trazer criaturas essas de outro mundo.

Ele fez uma pausa dramática, olhando para cada um dos presentes nos olhos, como se quisesse captar a sua atenção e a sua confiança.

- Coisas que envolvem os Vallarians… - ele prosseguiu, com uma voz carregada de significado. - …os portadores dos mandalas… os herdeiros dessa essência amital.

- Vallarians? - indagou-se Jubilos como se a pergunta fosse feita refletida na resposta que já sabia.

- Exato. - continuou Agnis. - Como talvez poucos saibam, mandalas são seres poderosos por si só. Mas sozinhos têm suas limitações. Para alcançarem a plenitude precisam da conexão amital com seu portador, os Vallarians. Com a separação entre mundos de Mandalas e Vallarians na Primavera Cinzenta, os descendentes de Vallarians da época foram perdendo aos poucos a conexão e a fonte primária que os ligavam às criaturas em Tármitus, o que quase os deixou como humanos comuns. Porém, com a recém chegada de Nyxaris, isso pode abalar os padrões de conexão com a fonte primária e trazer consigo o desabrochar destes portadores.

- Então é provável que estejamos próximos de ver anomalias amitais em pessoas que até então jamais tinham demonstrado tal capacidade. - refletiu Andros agora pensativo.

- Exatamente. - assentiu Agnis levando suas mãos à sua barba de forma reflexiva. - Em nosso favor, temos a pouco ou quase nenhuma disseminação de informações sobre os Mandalas e muito menos os Vallarians para os povos. Somente histórias cantadas e faladas de gerações para gerações como contos de terror. É bem provável que consigamos identificar potenciais portadores de Mandalas antes mesmo que eles se descubram e realizem a conexão amital.

- Mas como identificar estas pessoas? - indagou Marin com um ar de esperança diante de tais fatos que talvez ajudassem a repelir este mal que assola a toda Ellohen.

- Não vai ser fácil, mas talvez o Gran Marid nos ajude a encontrar estas pessoas. Pelo menos neste continente. - revelou Agnis para a surpresa de todos já que era um grande evento e muito esperado pelos jovens que desejavam ingressar ao ateneu mais famoso de Ellohen.

- Mas este evento exigiria demais de nossos efetivos. Como faríamos para cobrir o surgimento de outros Nós que venham a se formar pelo continente? O ateneu já não se encontra sobrecarregado demais com esta demanda? - indagou Akórdia

- Sim, mas talvez, neste momento, seja a melhor forma de encurtarmos nossa busca enquanto temos apenas um Mandala vagando por nosso mundo. Se encontrarmos o portador antes dele poderemos ter uma chance.

- Talvez fosse mais propício cancelarmos o Festival de hoje, Millöra. - refletiu Jubilos demonstrando clara perocupação.

- Discordo. Creio que com isso, iremos gerar burburinhos e cochichos do porque do cancelamento do evento. Muitos questionamentos surgiriam e informações como a que temos agora, se fossem disseminadas, só iriam causar caos e desordem. - retrucou a serena Alita.

- De acordo, Juíza Alita! - concordou a Millöra. - Tudo o que conversamos aqui não pode sair de nossas bocas para ouvidos que não sejam de confiança. Isso realmente se geraria um medo na população sem precedentes. Jubilos, organize uma viagem de emergência para assuntos reais com o Rei Antharion na capital. Precisamos envolver os outros reinos de Vandar de maneira segura e precisa. Sem alardes e…

De repente, um estrondo ensurdecedor rasgou o ar, iluminando o dia límpido com uma luz esverdeada e intensa. A fala de Millöra foi abruptamente interrompida pelo som e pela visão que invadiram o grande salão. Todos os presentes se voltaram para a janela, onde puderam testemunhar uma coluna de energia verde que se erguia do solo até o céu de Vandar. A explosão era tão próxima que parecia abalar as fundações do palácio. Seria possível que uma fenda amital tivesse se aberto tão perto dos arredores de Andher?

Marcelo Borges
Enviado por Marcelo Borges em 06/12/2023
Código do texto: T7948249
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