Visita ao necromante

- Então, você foi visitar o tal necromante de quem todos estão falando...

- Yulay, sim - admitiu Boran.

- E ficou convencido? - Inquiri, enquanto fazia sinal para que um dos moços trouxesse mais duas canecas de cerveja.

- Ele me pôs para falar com o espírito de Ava Rêdan - disse Boran, após beber o resto de cerveja que ainda tinha na caneca. - O velho me deixou uma lembrança, algo que não teve tempo de fazer em vida.

- Muito gentil da parte de Ava Rêdan - ponderei. - Imagino que tenha sido uma quantia em dinheiro ou um objeto de valor sentimental...

Boran franziu a testa.

- Isso abrange praticamente tudo o que alguém poderia querer deixar como herança.

Fiz um gesto de concordância.

- Só para você ver como essa suposta lembrança do velho Rêdan é genérica.

O criado da estalagem aproximou-se, recolheu as canecas vazias e colocou duas cheias, além de dois discos de madeira sobre a mesa.

- Vão querer o pernil de carneiro agora? - Indagou.

- Pode trazer - autorizei.

Boran então me encarou e fez um gesto de cabeça.

- Era dinheiro. Cinco moedas de prata, enterradas sob o forno no quintal de Ava Rêdan.

- Muito conveniente, considerando que é uma casa sem muro e vizinha de uma floresta - assenti. - Imagino que deva estar pensando em voltar no tal Yulay e pagar para ele revelar alguns segredos financeiramente mais rentáveis...

Boran balançou a cabeça.

- Por isso estamos tendo essa conversa. Confesso que fiquei impressionado com o tal Yulay... ele falou que poderia revelar a localização de alguns tesouros bem interessantes.

- Se tem esse poder, porque não vai ele mesmo atrás dos tais tesouros? Ou paga alguém para fazer isso? - Questionei.

- Yulay afirma que não pode usar seus poderes em benefício próprio. Por isso cobra pouco - explicou Boran.

- Cobra pouco em dinheiro - ressaltei. - Mas talvez quem passe para a fase seguinte dessas consultas desinteressadas, tenha que pagar com algo mais valioso do que metal ou pedras preciosas. Afinal, estamos falando de um necromante...

Boran balançou novamente a cabeça.

- Está comigo nessa?

- Naturalmente - assenti. - Vou ir consultar o tal Yulay...

* * *

O necromante atendia numa casa simples de adobe, quase na saída da cidade, próximo ao Portão da Fênix. Fui atendido por uma criada jovem, ar macilento, toda vestida de preto; se Yulay me dissesse que a havia trazido de volta dos mortos, eu certamente teria acreditado.

- O mestre irá vê-lo agora - anunciou após uma curta espera, em que fiquei sentado numa antessala iluminada por lamparinas de azeite.

Afastou uma cortina e entrei num pequeno aposento imerso em penumbra, com apenas uma lamparina acesa num nicho da parede, e o necromante - um homem de idade indefinida, também integralmente vestido de preto, apenas a cabeça calva descoberta - sentado atrás de uma mesinha, sobre a qual havia um grande bloco de cristal de quartzo rosado. A frente da mesinha, um tamborete de três pernas.

- Sente-se - disse Yulay em tom imperativo.

Sentei-me, costas eretas.

- O que o traz até mim? - Indagou.

- Busco notícias de minha tia, Narîn Avdar, que partiu para o plano astral há dois invernos - anunciei.

Yulay fechou os olhos e colocou as mãos sobre o quartzo, parecendo concentrar-se.

- Narîn Avdar... você está aí? - Indagou.

Seu rosto contorceu-se e em seguida ele começou a falar num tom gutural, sem abrir os olhos:

- Você não veio aqui para falar com sua tia coisa nenhuma... é um espião, não é?

Ergui-me de imediato, mão no cabo da adaga que trazia no cinto. A cortina atrás de mim abriu-se de supetão e vi-me diante da criada, empunhando uma faca de obsidiana negra.

- Você não é bem-vindo aqui - disse ela, num tom que não admitia réplica.

Afastou-se apenas o suficiente para me deixar passar, sem abaixar a faca.

Saí imediatamente da casa de adobe. A última imagem de Yulay, que ficou gravada em minha memória, foi a dele gargalhando, ainda sentado atrás da mesinha, mãos sobre o bloco de quartzo, os olhos agora arregalados como os de um louco ou de um possuído...

- [18-03-2024]