O suborno

A lua crescente acabara de nascer no horizonte quando Lillian Dence, vestido estampado coberto por um manto cinzento com capuz, esgueirou-se pela entrada de serviço do dormitório feminino, da qual conseguira uma cópia da chave, e aguardou toda ouvidos, colada contra a parede do prédio. À distância, soou o apito da ronda noturna do campus. Ela esperou que o som se distanciasse, e em seguida, correu para as sombras acolhedoras do bosque da reitoria, tomando o caminho pavimentado com macadame em direção à Casa da Lagoa. O objetivo não era chegar até a mansão vitoriana de três andares, sede da irmandade conhecida como Chwiorydd Cyfnos e fechada àquela hora, mas apenas aproximar-se o suficiente para que a energia mística existente no local, viabilizasse o que ela pretendia fazer. Finalmente, ao ver a mansão emergir apagada entre o arvoredo, olhou ao redor e escolheu um plátano de mais de 30 metros de altura, afastado alguns metros do caminho. Com o coração aos pulos, posicionou-se de modo a não ser vista caso alguém passasse pela alameda e bateu duas vezes com o nó dos dedos no tronco. Por um instante, nada aconteceu, mas em seguida um brilho esverdeado surgiu da casca da árvore. O brilho tornou-se mais intenso, até que um rosto oval de mulher, grandes olhos amendoados, surgiu dentro dele.

- Quem me chama? - Indagou a entidade.

- Meu nome é Lillian... Lillian Dence - sussurrou a jovem. - Eu vim... lhe pedir um favor!

- Eu sou um espírito de árvore - replicou a hamadríade estreitando os olhos. - Acho que você está no lugar errado.

- Você não é capaz de afastar o mal? - Inquiriu Lillian, inclinando-se para o rosto.

- Você está em perigo? - Questionou a hamadríade, movendo a cabeça luminosa para os lados. - Alguém está te perseguindo?

- Não! - Sussurrou enfaticamente Lillian. - Não tem ninguém me seguindo, a segurança do campus é cuidadosa até demais... não é desse tipo de perigo que estou falando. É que eu tenho uma prova de estatística hoje de manhã cedo, e se fizer, com certeza não vou conseguir escapar da recuperação.

- Mas o que eu, um espírito de plátano, entendo de estatística? - Questionou a hamadríade. - Não tenho poderes para aumentar a sua inteligência ou lhe conceder memória fotográfica, se foi nisso que pensou.

- Nem uma coisa, nem outra - tranquilizou-a Lillian erguendo as mãos. - Só preciso que dê um jeito da professora Gwyneira cancelar a prova hoje; ela provavelmente só vai poder remarcar para a semana que vem, e aí, eu vou ter tempo de estudar!

- Realmente, não sei se poderia chamar isso de "afastar o mal" - ponderou a hamadríade. - Está me parecendo que alguém dedicou mais tempo aos bailes do que aos livros...

- Por favor! Não é esse o meu caso - protestou Lillian, tentando não se exaltar. - A professora Gwyneira não havia marcado essa prova; avisou que daria ontem, como uma punição para a turma, porque menos da metade entregou o trabalho que ela passou na semana passada!

- Entendi - redarguiu a hamadríade. - E você foi a valente escolhida para vir pedir a minha ajuda... e não a de alguma residente.

- Ninguém em sã consciência iria pedir ajuda à uma residente - Lillian fez uma careta. - Sabe lá a Deusa o que elas poderiam pedir em troca!

- Certamente mais do que vocês estariam dispostas a dar - avaliou a hamadríade, com uma expressão um pouco mais compassiva. - Mas então... se eu tiver sucesso em impedir que essa prova seja aplicada, nesta manhã, o que recebo em troca?

- Adubo orgânico - replicou Lillian com convicção. - A melhor borra de café com casca de ovo moída, vinda diretamente da cozinha da universidade!

Os olhos da hamadríade tornaram-se ainda maiores.

- E você viria todo mês trazer essa iguaria? - Questionou.

- Se de vez em quando, você puder atrasar algumas das professoras mais apressadas... - sugeriu Lillian.

- Creio que eu e algumas das minhas irmãs podemos resolver isso - prometeu a hamadríade.

Foi só então que Lillian olhou ao redor, e percebeu que outros rostos luminosos a encaravam nos troncos da árvores próximas. Abriu um sorriso.

- Temos um trato? - Indagou.

- Vamos fazer um teste, para ver se vocês vão cumprir a sua parte - replicou a hamadríade.

O acordo funcionou muito bem durante alguns meses, com professores eventualmente tendo dificuldades em sair de casa pela manhã, por conta de portas empenadas que provocavam atrasos imprevisíveis e cancelamento de provas. Finalmente, uma denúncia anônima para a reitoria (provavelmente de alguma residente que se sentiu prejudicada nos negócios) revelou o esquema, mas como ninguém foi pego em flagrante, nem qualquer tipo de trapaça havia sido utilizada para resolver as provas aplicadas, o caso acabou sendo arquivado. Como consequência, a ronda noturna no entorno do bosque da reitoria foi reforçada, e quem quer que fosse encontrado ali em atitude suspeita, teria que dar boas explicações sobre a sua presença. E até onde se sabe, foi a última vez na história da universidade, em que hamadríades foram cooptadas para ajudar alunas a fugir de suas responsabilidades.