O PÂNTANO DE ÀGUAS NEGRAS

Luiz Martins

Estava o pássaro de asa azul e vermelha, cauda colorida a observar o Pântano de Águas Negras; quando sem ao menos um pio chega ao seu lado um Urubu negro de tamanho superior ao seu. Este ao avistá-lo, pousado no galho seco de um Cipreste, com suas raízes espalhadas em águas pantanosas, pergunta-lhe ao vê-lo observar tamanha desolação e destruição da natureza:

- Deus existe?

O pássaro colorido virando de lado para ver quem chegara e quem era o autor da pergunta hesitou antes de responder. Porém notando o silêncio e vendo que o outro esperava pela sua resposta, responde:

- Sim, existe.

- Mas se existe por que criou uma natureza com tamanha desolação, tristeza e incrivelmente feia? – Perguntou o Urubu.

- Ora se toda a natureza por ele criada fosse bonita nós não saberíamos nunca, quando ela fosse bonita.

Quer isto dizer que é preciso existir o feio para que exista o bonito?

- Sim, pela mesma razão que é preciso existir a escuridão para que se faça luz.

- Mas Deus é magnânimo saberia nos dar o julgo do bonito sem conhecer o feio. – Responde o Urubu.

- Sim, mas não fê-lo. E não fê-lo para que possamos observar o belo em toda sua infinita beleza.

- E o feio em sua derrocada feiúra! – Completou o Urubu.

- Mas se podemos a partir do feio notar e observar o belo, se pode descobrir que também no feio existe uma rara beleza! – Disse o Urubu.

- Sim quem ama o feio bonito lhe parece, já diz o ditado. – Responde o pássaro.

- Veja o meu caso um pássaro negro de bico incrustado, com enormes garras nos pés e cheiro pouco agradável. - Realmente não tem nada para ser bonito. – Disse o Pássaro. Mas a mim me foi dado à missão do utilitarismo. Que seria dos homens e da bela natureza se não fossemos nós com nossos trabalhos e dedicação diariamente, a limpa-la? Que seria dos dejetos pútridos espalhados nos quatro cantos do Mundo? Quem o recolheria com extrema maestria e perfeição? Você sujaria suas lindas penas coloridas e estraçalharia seu comprido bico num monte de lixo imundo? Não, Não, jamais. A você não foi dada essa missão. – Responde o próprio urubu. Mas para você continuar lindo bonito e maravilhoso é preciso que existam pássaros como eu, que podem salvar o Mundo e o que dele faz nobremente parte. Para depois sermos rejeitados exatamente por salvar o Mundo. – Disse o Urubu.

- Sim concordo parcialmente com você, porém discordo no ponto que mais me toca. – Disse o pássaro – Nós também temos o nosso utilitarismo, quando com as nossas penas coloridas e belos cantos levamos a alegria à manhã aos quatro cantos do Mundo. Anunciando mais um dia de sol e resplendor; ou a anunciação da primavera a estação do amor e das flores. Não somos simplesmente belos prestamos um serviço a esta natureza que se completa, se tornando mais bela ainda. – Disse o pássaro.

Quer isto dizer que a sua utilidade apenas aparece, conquanto amparada pelos apreciadores das coisas belas, os poetas, os quais sabem apreciar? Aí sim nota-se sua utilidade. Porém a minha beleza não é abstrata e não está a julgo de quem não viveu. A minha feiúra sim; esta é evidente e abstrata. Até uma criança a vê.

Vê-dê este pântano é abstratamente feio, eu o acho feio. Acredito-o, porém reminiscentemente belo, pois se foi criado deve tê-lo alguma função, ou ele não estaria aí. E ao descobrirmos a sua magistral função achá-lo-emos magnificamente belo. Mas para isso é preciso o completo entendimento de sua função e missão, que não é dada a quem não soube ainda apreciar o feio em sua extrema feiúra. – Disse o Urubu.

- Quer isto dizer de certa forma se sente injustiçado com a humanidade por não apreciá-lo com extrema feiúra? -Disse o pássaro.

- Sim, pois este é o outro lado do belo a apreciação da extrema feiúra, o qual me colocaria no meu lugar merecido no Mundo. Ao ser apreciado me tornaria belo e raro tal qual o ouro, e a mim seria me dado o meu verdadeiro valor. – Disse o Urubu. – Por que se, se pode apreciar o belo com inteira satisfação por que não apreciar o feio com igual satisfação? Os dois pólos neste momento se encontrariam e se tornariam um só somente, assim é Deus. – Disse o Urubu. Vê-dê este pântano mais uma vez; estamos-nos o apreciando em sua extremada feiúra e aqui discutimos achando-o feio, deveras. Porém discutimos e o apreciamos e neste momento aos nossos olhos ele se torna bonito por que o apreciamos e inconscientemente damos-lhe valor, para mais ou para menos, mas valor. E isto é a realização da feiúra, a transformação no raro e belo que acaba por nos confundir e fazer desaparecer a dicotomia feio-belo, belo-feio; talvez tal qual uma obra de arte realizada pelo homem. – Disse o Urubu.

Neste momento o belo pássaro abriu as asas e voou.

Fim