METÁFORA CIGANA

Obs.: Este Texto só existe graças à Rita Maria, que me sugeriu grande parte do enredo e me pediu para escrevê-lo.

A festa não era das piores. Até eu que detesto badalação estava curtindo. Comida boa, muita bebida e uma galerinha simpática. Agora, o que estava me agradando mesmo era aquela mulher sentada naquele canto escuro ali. O vestido negro parecia realçar sua pele branquinha, diria até que estava um pouco pálida. Ela não tirava os olhos de mim e seu sorriso malicioso era uma provocação irrecusável para uma conversa bem quente.

- Aceita uma bebida?

Ela pegou a taça de vinho tinto e o tomou de um gole só, sem deixar de me olhar sensualmente.

- Adoro vinho, principalmente tinto. Inês.

- Mário.

Não trocamos nem uma palavra depois disso. Uma música bem estranha começou a tocar e ela me puxou para o centro do salão e começamos a dançar. Estava ardendo de desejo, hipnotizado pelos seus toques e beijos.

Nem percebi que já não estávamos na festa. Tudo que consegui perceber é que estava na cama de uma mulher maravilhosa, trocando carícias e beijos. Ela comandava toda a ação. Rasgou minha camisa, enquanto me beijava e arranhava com força minhas costas. Respondi com a mesma intensidade. Eu a despi rapidamente e mordisquei seus seios com volúpia. Foi uma noite intensa e prazerosa.

Depois de horas fazendo amor, ela deitou seu corpo em mim e ficou brincando com o dedo indicador no meu peito. Eu passei a observar com mais cuidado o corpo da divindade que tinha nos meus braços. Foi nesse momento que vi uma tatuagem bem estranha na sua coxa direita.

- Que isso?

- Uma tatuagem. Uma recordação de uma época bem antiga.

- Realmente. Parece egípcia.

- Não tem nada a ver com Egito. É de Atlântida.

Ri com a brincadeira. Ela me encarava enigmática.

- Ela me parece familiar.

- Só quem viveu em Atlântida poderia ter uma.

Não me contive. Deixe escapar uma forte gargalhada. Mas algo naquela tatuagem me incomodava. Tinha certeza que já tinha visto algo assim.

- Tem algum significado?

- Claro. Está escrito “Eternidade”.

- “Eternidade”. Será que era disso que a cigana falou... Mas faz tanto tempo...

Ao escutar a palavra “cigana”, ela ergueu as duas sobrancelhas mostrando curiosidade e virou o corpo, colocando os cotovelos no meu peito e me encarou com atenção.

- O que ela disse?

- Faz muito tempo. Eu tinha 18 anos apenas. Queria viver para sempre e ela me mostrou em uma bola de cristal, ou qualquer coisa do tipo, uma tatuagem assim. Disse que quando a visse novamente, encontraria o “Portal para a Eternidade”. Depois de um tempo achei que era bobagem, mas hoje acho que entendo... Foi uma metáfora para essa noite esplêndida... Eterna...

Disse essa frase melosa e voltei a beijá-la. Ela não me interrompeu, mas impedia que avançasse.

- Adoro as ciganas por isso. São sempre certeiras em suas previsões. As ciganas da Índia eram magníficas. Eram as primeiras, né? Eu vi, em 1054, um grupo Atsingani magnífico que, com seus poderes, ajudou o Imperador Constantino a proteger seu gado dos animais selvagens. Que ótimas recordações! E teve uma em Creta...

Eu escutava tudo atônito. Com certeza, tinha uma louca diante de mim. Ela falava como se tivesse visto tudo isso. Como se tivesse vivido por milênios, conhecido povos de todos os lugares e épocas.

- Tá certo. E de qual manicômio você veio?

Ela não se ofendeu com a pergunta. Me encarou com o mesmo desejo de algumas horas atrás e me desafiou:

- Quer uma prova de que a cigana estava certa?

Eu não entendia nada. Achei que iríamos repetir o que fizemos toda a noite.

- Sabe... Sempre procurei a eternidade como você e tive a fortuna de me tornar o que sou atualmente, mas... A eternidade nos vários séculos sempre me parece enfadonha. Então procurava por emoções diferentes. Busquei com volúpia os humanos. Sempre diferentes da minha espécie, influenciáveis por sua época passageira. Mas nunca esqueci meu desejo pelo eterno. Sempre achei que um dia iria parar e formar o que vocês chamam de família.

Eu estava cada vez mais assustado. Seus olhos ficaram vermelhos. Suas unhas, um pouco maiores, arranhavam mais ainda minhas costas. A dor e o prazer se misturavam. Era um momento único. Queria que tudo acabasse e ao mesmo tempo desejava mais.

- Então... Hoje... Vi você. Talvez seja o que estou procurando.

- E se não for?

- Vou ter uma eternidade pela frente para tomar outras decisões.

Os caninos dela se transformaram totalmente. Ficaram maiores, como os de um lobo. Mesmo assim, seu rosto era lindo, perfeito. Ela buscou meu pescoço e o mordeu. Eu senti quando seus dentes foram cravados na minha jugular. Não doeu, muito pelo contrário, era como se toda a noite de prazer que tivemos se repetisse em alguns segundos, com a mesma intensidade, com o mesmo ardor.

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- Uau! Muito legal.

- Foi ótimo.

Uma jovem ruiva, deitada ao lado de Mário, olha desconfiada para o vampiro.

- Não está me contando isso só para me morder sem resistência, está?

O vampiro sorriu e deixou que ela visse seus caninos.

- Só uma coisinha? Vocês ficaram juntos?

- Apenas por quinhentos anos. Ela disse que foi o relacionamento mais longo que já teve. Que fui muito especial, mas que a eternidade que procurava era outra. Tinha um poeta na minha época que dizia isso, o nome dele era Vinícius de Moraes, “Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure.”

- Entendo. É isso que você procura também?

- Acho que sim. Vida eterna eu já tenho, mas quero sentir a eternidade, como naquela noite com Inês.

A ruiva beija Mário novamente e deixa o exposto o pescoço. Ele a beija carinhosamente e crava seus caninos na jugular dela. Uma mulher, que passava no corredor do quarto de hotel onde os dois estavam, pode escutar um gemido de prazer.