MEU MAIOR SONHO (A Geladeira Azul)

Meu Maior Sonho

(A Geladeira Azul )

Em minha cidade natal, Coruripe, no litoral Sul de Alagoas, conheci, há meses, dona Eulália, a tia de uma coleguinha de infância, a Terezinha do Salenga. Mal começamos a conversar, dona Eulália, entre outros pequenos segredos, confessou- me o maior sonho de sua vida, dizendo: " dona, a coisa que eu mais queria ter na minha vida era a sorte de poder comprar uma geladeira novinha, nem que fosse preta "... Eu sempre trabalhei de dia para comer de noite e não tinha nem o que botar na geladeira, mas queria ver uma daquelas encostada num canto da sala do meu casebre... e, continuando a conversa, dona Eulália acrescentou: - "hoje, vi uma geladeira azulzinha, na feira, e parecia que a danada estava sorrindo, olhando pra mim. Eu andava e olhava pra trás e parecia que ela vinha caminhando também. Só quando olhei de muito longe, vi que estava quase desaparecendo dos meus olhos e a senhora nem sabe a tristeza que eu senti. "

Naquele momento, quase sentindo vergonha por ter uma geladeira, consolei dona Eulália, dizendo, carinhosamente: - dona Eulália, geladeira só dá trabalho e despesa: além de se pagar energia, a gente tem que descongelar e limpar a danada de vez em quando: às vezes tem que secar o chão e a senhora nem pode mais se abaixar para fazer isso. não é mesmo?

Foi aí que dona Eulália me deu a mais expressiva lição de vida, ao me dizer num fôlego só: " dona, eu estou com quase oitenta anos na corcunda e desde menina trabalho para viver porque nunca tive nem pai, nem mãe, nem parente, nem aderente que me desse um prato de comida... e como eu não ia ter força pra lavar a minha geladeira e enxugar o chão que ela molhasse? Eu enxugava nem que fosse deitada, me arrastando no chão ".

Nesse momento, foi quando mais me doeu o sonho capenga do brasileiro de ver realizado o projeto de se chegar à fome zero, que, praticamente, ficou no projeto.

Olhando em torno da minúscula sala de dona Eulália, vi que não havia nem sombra de instalação elétrica e, mais uma vez, brinquei com ela: - E como a senhora iria botar a geladeira para trabalhar, se ainda não tem nem onde fazer a ligação? E dona Eulália me disse autoritariamente: e quem lhe disse, moça, que eu quero geladeira trabalhando pra mim? Eu queria uma geladeira só pra enfeitar a minha casa... - A senhora já sonhou, alguma vez, com uma coisa que nunca pôde ter? Se sonhou, então sabe o que eu tenho sofrido todos esses anos sem ver minha geladeira num cantinho da minha casa !

Eu quase não podia mais segurar minhas lágrimas, pensando em tudo o que já sonhei e que não consegui realizar, por menor que fosse o meu sonho. E "dialoguei" comigo mesma, dizendo: Como seria bom se dona Eulália, com quase oitenta anos de idade, recebesse uma cesta básica do governo? Quem sabe ela não poderia ter luz elétrica, água encanada e até mesmo sua geladeira instalada num cantinho de sua casa?

Naquela noite, quase não consegui dormir... a geladeira da dona Eulália não me saía da cabeça e eu me sentia quase culpada pelo sofrimento daquela senhora simples que havia levado a vida sonhando com uma geladeira no canto da sala apenas para servir de enfeite, como disse ela.

No dia seguinte, um domingo nevoento e com bem pouco movimento nas ruas, voltei à casa da dona Eulália que era minúscula. mas muito bem cuidada e ela se admirou por me ver voltar tão depressa.

Sente-se ali. menina, disse-me apontando um banquinho e logo se acomodou numa velha espreguiçadeira e cruzou as pernas, em forma de X, coisa que eu, com idade para ser sua filha, não fazia há muito tempo.

Sentei-me de mau jeito, quase sem caber no banquinho... e me vi no lugar de dona Eulália, com quase oitenta anos de idade, precisando trabalhar para sobreviver, sem ter realizado quase nada em toda a sua vida, embora ainda mantendo viva uma esperança que talvez nunca passasse de esperança.

Eu nem sabia como voltar ao assunto da geladeira, mas, de repente, quase sem raciocinar, disse: - dona Eulália a senhora nem sabe o que me aconteceu depois que saí daqui... e emendei a conversa, sem respirar: fui à feira e quase dei um encontrão naquela geladeira azulzinha que sorriu para a senhora, mas parece que ela nem me viu... Eu caminhava e olhava para trás e ela continuava grudadinha

no mesmo lugar. Foi aí que percebi que ela só havia gostado da senhora e que parecia que estava andando porque queria vir também para a sua casa.

Dona Eulália estava muito confusa com o rumo que a história estava tomando e levou o maior susto, quando um homem colocou a cabeça para dentro da porta de sua casa e anunciou a entrega de uma geladeira azul que estava toda amarrada numa carroça puxada por uma égua velha, fatigada e desnutrida.

Ainda parecendo descrente do que estava vendo, dona Eulália, segurando o portal da casa, desceu o batente mal nivelado, de madeira rústica, se ajoelhou na calçada de chão batido e, como se estivesse falando mesmo com Deus, disse: - está vendo, meu Deus, ali estou eu, apontando para a égua... - Estou velha, cansada, desnutrida, como este pobre animal, que está carregando um sonho. o maior sonho da minha vida, a geladeira azul com que eu sonhei quase a vida inteira e nem me incomodava se, com o tempo, ela tivesse ficado preta, mas ainda tenho forças para rezar de joelhos, tantos terços quantos bastem para pagar o presente que recebi...

- o Senhor quer apostar comigo?

Como não recebeu nenhuma resposta, se levantou com a mesma rapidez com que se ajoelhara e me disse, com a voz embargada, sem saber se chorava ou se sorria: " - quando você entrou na minha casa, eu vi logo que você era mais amiga de Deus do que eu, porque eu já estava cansada de pedir a geladeira e Ele nunca mandou égua nenhuma trazer nada pra mim... por isso, eu devo a minha geladeira a você.

Eu que estava tão emocionada quanto ela, disse, segurando suas mãos mais calejadas do que enrugadas - a senhora não me deve nada porque foi Deus que, ouvindo os seus rogos, realizou o maior sonho de sua vida... e, minutos depois, ao me despedir, dona Eulália me disse: - "minha filha, não deixe nunca de sonhar porque, um dia, quando você menos esperar, Deus também vai realizar o seu grande sonho... e eu quero estar viva para comemorar com você".

Dona Eulália não viveu o bastante para comemorar comigo a realização do meu grande sonho, que ainda não aconteceu, mas quem sabe, um dia, ele se desencantará.

Assim como o sonho de dona Eulália, há muita gente com um sonho atrasado, que algum dia , provavelmente se realizará. Não deixo de reconhecer que o sonho de dona Eulália era pequeno demais, porque ela não sonhava com o fim da violência exacerbada, porque, em nossa pequena cidade a violência estava chegando, mas ainda muito timidamente e fácil de ser debelada, se as autoridades locais não a incentivassem, cruzando os braços.

Um dia, já muito distante, este era o grande sonho que eu acalentava:

FANTASIA

Meu sonho era fazer versos um dia...

E, quando, às vezes, triste me encontrava,

fingia que chorava de alegria,

quando era de tristeza que eu chorava!

E percebi que até numa poesia,

que entre lágrimas tristes me brotava,

como um divino toque de magia,

mesmo sofrendo, assim me reanimava!

Foi tudo em vão, porque, fazendo versos,

eu nem notei que os meus sonhos dispersos

transcendiam meu mundo pequenino...

E, na angústia de quem sempre sofreu,

então, pergunto a Deus por que me deu

um sonho bem maior que o meu Destino...

Hoje, mais experiente, mais calejada pelas lutas a que a vida nos impõe, e baseada nas lições que ela mesma me ensinou, além dos sonhos de PAZ e FELICIDADE para toda a Humanidade, meu maior sonho pessoal e intransferível é modesto, mas é o meu sonho maior...

MEU SONHO

Eu imaginei para mim

um amor diferente,

totalmente diferente

de todos aqueles que se encontram por aí...

Um amor sem as histórias repetidas

de amarguras, renúncias, destruições,

e outras mazelas sentimentais crônicas

e sem perspectivas de cura...

Eu sonhei com um amor forte

indestrutível,

mas sem episódios como

os de Romeu e Julieta:

Sansão e Dalila; Marília e Dirceu

e tantos outros amores badalados

que marcaram épocas

e ficaram perpetuados

na História da Humanidade.

Eu sonhei com um amor forte,

sem os exageros das extravagâncias

cantadas em versos e prosas,

que ultrapassam os limites da realidade

e se embrenham

pelo mundo pitoresco da fantasia...

Eu sonhei com um grande amor.

forte, indestrutível, sem preconceitos,

sem limites, sem fronteiras,

mas capaz, se for preciso,

de se manter gigantesco,

infinitamente infinito

apenas entre quatro paredes...

Maria Nascimento Santos Carvalho

Site : www.marianascimento.net

Maria Nascimento
Enviado por Maria Nascimento em 21/02/2008
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