Confusões da Primavera

Diário de 00:29...

O tempo em Todo Tempo não para. Aconteça o que acontecer, ele, inexoravelmente, segue seu caminho. Estou poético hoje, não? Ora, Diário, é primavera! A estação mais bonita do ano. Eu simplesmente adoro trabalhar ouvindo o canto dos pássaros.

Eu sei, eu sei... Se eu continuar com esse texto meloso, você vai acabar com diabetes, mas não posso evitar. Estou apaixonado! É... Pela hora mais linda do dia: a 6. Calma, risonha, prestativa. A essência da manhã. 6:29, a hora em que o sol nasce. Romântico, não?

Esse clima apaixonado mexeu até mesmo com o velho Pai-Tempo. Ontem, veio me pedir ajuda para reconquistar a Mãe-Natureza. Pai-Tempo sabia que ela adorava uma flor que só desabrochava a meia-noite. Então, ele pediu que ficássemos estáticos às 00:00 pra que ela desfrutasse um pouco mais a flor favorita. Idéia minha, o apaixonado de plantão. Acho até que Pai-Tempo pode me recompensar pela ajuda.

*******

- Seu café, Pai-Tempo.

Pai-Tempo pegou sua xícara, degustou a bebida, fez um sinal de aprovação com a cabeça e disse:

- Você está cada vez melhor, 00:29.

- Obrigado, senhor.

-Ah! Já estava esquecendo.

Enquanto o velho senhor do tempo procurava algo em seus bolsos, 00:29 sorriu ansioso por uma recompensa.

- Aqui está. Tome.

00:29 pegou o envelope que seu chefe e criador lhe entrega.

- O que é isso, senhor?

- Não pense que deixei de notar o quanto você é competente. A idéia da flor da meia-noite foi sensacional, por isso resolvi lhe entregar a sub-gerência de Todo Tempo...

O duende do tempo abriu um sorriso de “orelha a orelha”.

- A superintendência dos problemas da Terra...

O semblante de 00:29 já demonstrava preocupação.

- Ah! Mas não se preocupe: não deixará a cozinha e o trabalho manual.

Pai- Tempo olhou risonho para seu duende, parecia até que esperava algo dele. 00:29 pensava em protestar ou recusar, gentilmente, os “agrados” quando Pai-Tempo completou:

- Vejam só, ficou mudo! Não precisa agradecer, meu amigo. Apenas faça um bom trabalho.

00:29 afastou-se cabisbaixo. Pai-Tempo não estava preocupado. Conhecia a obediência e dedicação daquele duende. Iria se esforçar no cargo, todavia uma incumbência como a Superintendência dos Problemas da Terra sobrecarregaria aquele homezinho de tal forma que seu namoro com a hora 6 não duraria muito. Uma pena, mas, pelo que conhecia da personalidade de 00:29, para suportar a dor da perda, este iria se entregar ao trabalho de tal forma que logo haveria em Todo-o-Tempo o melhor supervisor desde a fundação daquela fortaleza. Exatamente como Pai-Tempo calculara e planejara. Sorriu.

Contudo, ele lembrava como perder um amor é tristemente doloroso. Ergueu a xícara de café e, pensando na Mãe-Natureza, fez um brinde a ela.

FIM

Baseado nos personagens e conceitos do conto “Pai-Tempo e o Último Primeiro de Janeiro”, de Rita Maria Felix da Silva.