O cisma do pequeno General

Numa pequena mesa feita de madeira angico, improvisada numa tenda verde escura, escondida entre as árvores e equipamentos de guerra, lá estava o pequeno general. Sempre engomado, postura erétil, observador e linha dura.

Encarregado de comandar a VIII brigada de soldados “bonés verdes” do exercito infanto brasileiro, era tido como preparado, experiente e conceituado para o cargo. Admirado por ser o mais experiente de guerra, possuía inúmeras patentes por participações em guerras. Chegara a mais alta graduação por puro e meramente esforço.

Sua rotina diária começava às 7h00 da manhã, acordava cedo, tomava seu café com leite, seu suco de açaí, torradas e mingau de aveia.

Em seguida caminhava uma hora pela estrada abandonada, uma antiga BR que fora construída para ligar as regiões norte-nordeste. Às 9h00, lá vinha ele pisando forte, firme, com suas botas coturnos, sua pistola 9m.m. na cintura, seu quepe bem posicionado e uniforme verde camuflado limpo que reluzia à luz do sol.

Tinha um gosto especial por tiro, detinha uma extraordinária pontaria, manuseava armas como ninguém. Colecionador nato, conhecia todos os tipos, marcas, modelos, origens... Seus subordinados se impressionavam com tamanha dedicação e conhecimento; quando algum subordinado aparecia com dúvidas, logo era encaminhado ao pequeno general que, sabiamente, tratava-lhe de ensinar as habilidades e destreza de um bom atirador.

Comentavam-se muito a respeito das suas idéias centralizadoras; suas ideologias incomodavam a maioria de seus subordinados. Muito autoritário, comandava a base com duras disciplinas e rigidez. Alguns não concordavam com seu método de liderança, tanto que houve situações em que chegaram a comentar entre os soldados, quem iria ser o feroz que daria uma pisa naquele sugeito. Por obra de acaguetagem o plano vazou, chegando ao conhecimento do pequeno general. Arisco como uma raposa, fez uma limpa no quartel; houve prisões, exonerações, confissões, apelações... até soldado estirpado. Dois dias após a batida do general ao esconderijo secreto dos militares facínoras, um individuo apareceu nu, deitado ao pé de jabuticaba do pomar particular dos oficiais. Um membro na facção contara para o seu parceiro toda a tramóia e, quando pressionado o porquê de suas saídas secretas na calada da noite. Como na imaturidade não se guarda segredos, principalmente em desfrutes amorosos, uma brincadeirinha aqui, outra ali, prosas sem rima...o pior aconteceu, a culpa recaiu sobre o pobre sargento da brigada dos pára-quedistas, que fora malhado feito um Judas... Estava desconsolado. Havia chegado a pouco tempo naqueles confins de mundo.

Nanaziozênio Péricles da Silva Junior, o pequeno Gal Péricles como era conhecido pelas forças armadas andava cismado, não o suposto golpe que poderia tê-lo derrubar do cargo, mas com uma correspondência anônima que recebera... ninguém sabia explicar como a tal encomenda chegara até aquele local, longe de tudo e todos, uma base militar em treinamento especiais de guerra, onde o governo fazia questão de total confinamento e sigilo, e que de repente, assim, do nada, embaixo daquela jabuticaba, uma caixa é encontrada. Imediatamente encaminharam-na para averiguação.

A princípio suspeitaram de bomba, algum grupo de narcotraficante poderia está tentando assustar os militares, numa forma de intimidação e poder bélico. Outra hipótese veio de tribos indígenas apoiados pela bio pirataria, interessados em resgatar suas terras para serem exploradas e vendidas para grupos estrangeiros de pesquisadores ligados ao mercado negro.

O pequeno General não quis abrir tal caixa, preferiu ordenar a vinda de oficiais treinados no desarmamento e rastreamento de bomba, embora ninguém sabia direito, se realmente existiam bombas naquela encomenda.

Eis que no dia seguinte, surge outra correspondência, uma carta anônima, contendo apenas o nome do suposto destinatário, para o Gal Pepê, em mãos. Eram letras pequenas, minúsculas...

O Gal. Péricles Jr não gostou nada daquela situação, principalmente pelo clima de deboche que ficara no ar. É obvio que ninguém comentava nada, mas, sentia-se uma certa gozação.

Quando todos se retiraram, ele rasgou o envelope e leu a carta que começava assim:

“- Amigo Pepê, quanto tempo hein! Por mais que você queira se livrar de nós, não adianta, vamos sempre te encontrar. Vê agora, te achamos no meio da mata escondido como um animal selvagem.... Dessa vez foi difícil...

“...Pepê, estamos lhe enviando foto e relatos da sua história, seus segredos...

.Quando quiser voltar às velhas atividades, sabe onde nos encontrar.

Ass: A.R.J.E”

O pobre meio nauseabundo, sem reação, tomado de perplexidade e cólera, começou a passar mal.

Seu coração batia alucinadamente, sentiu-se fraco, tonto, sabia que a partir daquele momento muitas revelações viriam a acontecer.

Havia passado das 22h00, horário em que todos já estavam dormindo, menos Ele; vociferava feito onça, suava como um bode velho, tentava ler seus livros clássicos (heróis de batalhas), Tarzan, Zagor , Tex, Thor, mas o incômodo persistia.

- Oh noite que num passa!!

Era como se uma força o dominasse, voltasse a tona, mazelas que tinham sidas vencidas e fora lançadas ao limbo, adormecidas nos confins do tempo...

- Não! num é possível, não vou competir novamente!

Naquela madrugada mesmo, arrumara seus pertences sem que ninguém o visse, esperou que todos dormissem e, feito um felino selvagem na calada da noite, na escuridão, partiu sem deixar rastros, Levara consigo a caixa misteriosa.

Ao amanhecer, transeuntes olhavam curiosos; pessoas estranhas naquele mundo de fantasias.

O agora aflito Naná, bem longe dos olhos maldosos, pôde abrir sua correspondência misteriosa, porque sabia desde o inicio o conteúdo, apenas fizera aquele suspense para os curiosos de plantão não o incomodasse.

Por fim, clamou, esbravejou, gritou... E tomado mais uma vez pela maldição do A.R.J.E. anunciou confirmando sua presença com uma condição:

- Que esta seja minha ultima participação e nunca mais!

Pressentia que seria sua última performance. Sua cisma não o traía!

Abrira a encomenda, e ali estavam suas “armas de guerra”, um baita controle remoto de última geração...

Chegara o dia do combate, todos postos em seus lugares, posicionados, “armas” em punho e muito torcida.

Uma bandeira tremulava em meio a gritaria, era a torcida da Academia Revolucionária de Jogos Eletrônicos - ARJE.

-A! I! O! Nana é o maior!

No telão do clube todos estavam ansiosos. As apostas foram altíssimas e ninguém queria perder.

Porém, depois de quase três horas de combate, o gladiador vermelho, da gang da rua 5, uma turma desconhecida no mundo dos games vencera o Gal Naná, o herói da gang do Cruzamento, a qual defendia o seu cinturão pelo 4º ano consecutivo.

O golpe fora letal, no peito, a tristeza era geral, o mundo da play mania passara a ter um novo líder, o bad boy Capitão Check.

De repente, um grito!

- Naná, Nana, acorda filho! De novo sonhando com essa história de ser militar? Já não chega o teu pai, agora você também?!

-Vem! recolhe teus brinquedinhos, “soldadinhos de chumbo”, depois tenta dormir de novo! E a partir de amanhã, nada de vídeo games, playstation e nem filme de luta, ouviu?

Sérgio Russolini
Enviado por Sérgio Russolini em 20/03/2008
Reeditado em 17/08/2022
Código do texto: T909499
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