Dialogo de uma alma
Ela estava sentada, não sabia o que fazer. Talvez estivesse perto da loucura.
O céu estava estrelado e uma lua magra e amarela enchia o céu.
-Ah, estou cansada. –Disse ela suspirando.
-O que há contigo?
-Não sei. Estou entristecida.
-Assim?Sem mais nem menos?
-É... Por quê?
-Sempre se tem um motivo para tristeza, ou pelo menos, geralmente...
-Sabe o que me chateia?
-Não, o que?
-Ver que a vida não tem sentido.
-Ora, é claro que tem!
-Pois lhe digo que não. Nascemos para morrer, concordas?
-Concordo. -Disse pensando.
-Pois bem, qual o sentido nisto?
-Não sei, mais há de ter.
-Você pensa muito no “há”!Estou triste!
-Já me disse. -Falou entediada.
-Por que me chamo Josiane e não Gertrude,Patrícia ou Apocalipse?
-Por que tua mãe disse que serias Josiane.
-Ah... Por que não sou diferente?
-Diferente como?
-Não sei... Mais inteligente mais ativa!Menos chata, menos medo, menos eu!
-Ninguém é menos ninguém.
-Gostaria de sumir...
-Para onde?
-Não sei sumir. Apenas não ver as mesmas caras, as mesmas broncas. Não senti os mesmos sentimentos...
-Praticar a evasão?
-Não... O suicídio...
-Praticar o suicídio?-Gritou.
-Não!O suicídio. O que acha?
-Da palavra?
-Não, significado.
-Perante o que?
-Sei lá... Que pergunta!
-E você?
-Se for para um bem, é bom.
-Bem?...Suicídio?
-Sim. Se a pessoa sofre e não quer viver porque esperar a morte?
-Por que seria o normal?
-Não é o caso!...Álvares de Azevedo, por exemplo.
-O que ele tem?
-Suicidou-se.
-Não, apenas morreu de tuberculose.
-Ora, ele matou-se. Viveu da boêmia, das noites mal dormidas.
-Hum...
-Sabe, eles é que sabiam viver!
-Eles quem?
-Os poetas românticos!
-Sabiam?
-Parece idiota!...Claro que sim. Viviam de amores impossíveis, “enchiam a cara”, versejavam emocionadamente e depois se matavam!
-E tu já não vives assim?
-Como posso se estou presa?...Sou presa num mundo onde “beber todas” é pecado e viver de amores impossíveis é do diabo!Não sou livre para poetar ou expor minhas idéias mais loucas!Estou enterrada no lodo da vida, como falara Augusto dos Anjos!Nem ao menos posso respirar sem que digam-me que sou errada!Pois lhe digo algo “Macário”, sou errada desde que nasci!Sou a podridão da humanidade. O lixo existente da mente humana. Sou tudo que é pecado!
-Estás exagerando...
-Que exagero que nada!...A solução é morrer!
-É vem.
Levantou-se do chão e bradou:
-“Não derramem por mim, nem uma lágrima em pálpebra demente!... Não quero que uma nota de alegria se cale por meu triste passamento.” E digo-lhe mais “Inês”. “O coração de um homem: Dentro é o inferno!”
Ela sentou-se. Olhou o chão por um instante, depois falou:
-“A meia-noite já não traz-me em sonhos as formas dela - desejosa e lânguida - Ao pé do leito,recostada em cheio.Sobre meus braços ávidos.”
-Século XVIII ou XIX
-Não há jeito... Estou louca.
-Sempre foi.
-Tu também. Se sois eu, então és louca.
-Sim sou. Mais em teu louco ser sou o que há de mais lúcido.
-Então diga-me,qual o problema?
-Não há problema.
-E minha angustia. O que é?
-Dor que não tem raiz certa.
-Se não tem raiz certa, como dela nasceu uma árvore?
-A árvore nada mais é que a tua imaginação.
-E porque ela a produziu?
-Por que não sei...
Ficou em silêncio e suspirou.
-Ora de voltar. 21:30
-Amanhã tem aula.
-Família reclama.
-A vida anda.
-E tudo volta.
-Segue em frente.
-Não posso.
-Não pense.
-Adeus.
-Estou com você!
Levantou, olhou o horizonte. O mundo que existia além daquele lugar. Desejou chorar, ter lágrimas para pelo menos sentir que ainda vivia. Mais já não tinha.
Olhou pro lado, o banco, que era na verdade uma pedra, estava vazio. Não havia amigos, não havia amor, nem a mulher que lhe falou. Estava sozinha, pois então. Seria a 4° ou 5° vez que falava consigo mesma imaginando ser outrem?Não sabia. Não sabia de nada, só que aquilo não era bom. Aquela vida.
Diziam ser a fase “adolescência”, será?Sim, poderia. Mas ela sabia que estava já muito cansada. Tinha de lutar. Mais pra quê?Por quê?
Estava desnorteada e nem sequer bebera, se a mãe sentisse o cheiro de álcool a mataria.
Liberdade, tão sonhada!Solidão, tão desejada e agora indesejada.
Queria enterrar-se num buraco, mas não podia. O que suas tias diriam?O que seus pais iriam sentir?
Ah, que merda!Tinha que pensar em tudo quanto era coisa. E ainda tinha a questão de crer ou não crer o amor!Seriam bobagens?Para ela era motivo de intensas dores.
Era obvio que o amor não existia. Pensou. Seria eternamente um ser solitário e moribundo, prestes a entrar em decomposição. Ou já estaria?
Carnificina!Isto é o que a vida faz com a gente.
Dane-se!Já estava na hora de dormir.
Sua mãe a esperava para jantar e falar um monte de coisas (reclamações), como sempre.
Seu pai ia chegar bêbado e falaria em desquitar-se. Iriam dizer que era o demônio a atrapalhar-lhes a vida.
Sua irmã chegaria e ficaria calada, lendo a bíblia ou pensativa. Certamente pensando no noivo.
E ela trancar-se-ia no quarto. Deitaria na cama, leria um livro, escreveria a droga de algum poema (de sua autoria), ou então ouviria musica para depois lamentar o passado.
Era assim, tinha de agüentar-se e agüentar tudo calada, se falasse seria pior.
Não querendo caminhou para casa e foi enterrando em si as dores, angustias e mágoas nos lugares mais escondidos do seu ser.
10/04/08