Trajetos

Houve um tempo no qual eu habitava os seus olhos mas dele fui atirado, através dos seus balcões, rumo ao solo. Ao contrário dos outros momentos onde a queda era feita entre gritos, essa foi silenciosa, tão silenciosa que permitiu ouvir o farfalhar das folhas nas árvores e das mesmas que, como logo eu também estaria, encontravam-se no chão.

Na minha queda, não cheguei a tocar nem o solo e nem as folhas pois sua mão me resgatou ainda no ar, acolheu-me com gentileza, aqueceu-me, despiu-me, cuidou-me, deu-me alimento e vinho e depois começou a dialogar comigo sentado na palma de sua mão.

Sua boca, enorme, movia-se ritmicamente e eu mesmo já não precisava ouvir o som, sabia ser seus lábios, seu olhar suave a perguntar-me coisas que, em meu deslumbramento, às vezes não conseguia ou não queria responder.

No caso de desejar ouvir-me, quando a tibieza de meu falar não permitia clareza, levava-me até os ombros , próximos ao ouvido e fazia como uma confidência em resposta ao falar daquela mulher-gigante.

Todo esse (bem) querer me leva a perguntar o porquê de tanto querer viver nos balcões dos olhos e não querer esse calor e placidez das mãos, da palma, do braço em penugem leve e dourada onde deito-me de cansaço.

Por fim, ela senta-se na folhagem , a mesma na qual cairia caso ela não tivesse me resgatado. Deita-se com os pés apoiados no chão e coloca-me sobre os joelhos para que eu descanse mas toda a energização do momento jamais me permitiria colocar-me na passividade da não-ação.

Começo a descer pela perna, sentindo a leveza a pele depilada a cera. Tenho que conter-me para não cair, até chegar no plano menos inclinado das coxas e eu, de forma lúbrica, encaminhava ao sexo até ser contido pelas mesmas mãos que me salvaram. Será que não estaria salvando-me agora também? Não sei.

Reprime-me sem piedade, destina-me , tal como castigo, à sua caixa de guardados, de onde, por uma fresta, vejo-a despir-se de sua roupa para entregar-se ao sol. À ele, por ser rei, entrega-se totalmente, tudo o que me negara, a pele branca de sombra, os olhos de onde me expulsou, seus suspiros, seus "ais".

A única coisa que sei é que mais tarde retirou-me novamente da tal caixa, já tendo controlado minha ousadia, promovido meu siêncio e me submetido entregou-me às suas vontades, todas elas, sem que ao menos eu ousasse dizer algo de moto próprio, voltando apenas a atender as punções dela, sem restrições.

E assim, na dinâmica do mundo, percorremos os velhos e novos trajetos.

André Vieira
Enviado por André Vieira em 17/05/2008
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