O Tempo das Máquinas

Antes de começarem a ler o conto algumas palavras: esta é uma visão muito particular do autor das linhas que se seguem sobre um hipotético futuro. Sei que o que se segue poderá dar azo a uma certa polémica, mas volto a afirmar que esta é uma perspectiva sobre o futuro, apenas mais uma...Haverá outras, milhões de outras que digam o contrário, não as contesto, leio-as de mente aberta, pois "afinal quem pode adivinhar o futuro?"

Ele chegará, é apenas uma questão de tempo…

O TEMPO DAS MÁQUINAS

Quem nos irá suceder suceder na escala evolutiva, ao contrário do que alguns profetizam, não serão os macacos, nossos primos, e com os quais partilhamos muito do nosso património genético, mas sim os nossos filhos, as máquinas, porque as traições mais vis são sempre perpetradas por quem menos esperamos, por aqueles que nos estão mais próximos, por aqueles que gerámos, na melhor das intenções.

A ligação, ou a necessidade, com as máquinas é quase tão velha como a própria humanidade – Finda a sua evolução física, o homem cedo teve a necessidade de criar algo que o ajudasse na sua corrida evolutiva, tendo começado primeiro com meros paus, até que transformou estes em instrumentos rudimentares, que foram evoluindo à medida que avançava a sociedade e a ambição do seu criador.

Nunca se pensou muito no assunto, talvez porque nunca tenha havido necessidade de tal, até ao início da idade industrial, quando as máquinas sofreram um extraordinário avanço, quando as começámos a dotar de uma complexidade cada vez maior para fazer face aos novos desafios então vislumbrados.

O verdadeiro perigo começou quando quisemos que a nossa criação começasse a ser mais autónoma em relação a nós, para nos poupar ainda mais trabalho, o verdadeiro perigo começou quando aspirámos a que a nossa criação começasse a pensar…Já não bastava a mera ajuda física, não, era necessário mais, era necessário que elas fossem mais longe do que a própria inteligência a dar-lhe origem, pois esta começava a revelar-se algo limitada para os objectivos cada vez mais ambiciosos da humanidade.

Até há bem pouco tempo maravilhava-nos duma forma sobranceira, algo superior, a destreza do cérebro artificial por detrás de um jogo de computador, era engraçado o raciocínio da máquina, mas também a sua ingenuidade- Dotado dum raciocínio linear, era relativamente fácil derrotá-lo, bastando para isso que utilizássemos uma estratégia não linear, ou pelo menos mais ágil, mais dinâmica do que a sua…Mas num breve espaço de tempo essas “máquinas giras” ficaram mais audazes, menos previsíveis, pois os seus criadores começaram a dotá-las duma agilidade crescente, duma paleta de recursos quase ilimitados. Até há bem pouco tempo a estratégia dessas máquinas era mimética, de pura imitação do homem, mas num breve espaço de tempo elas começarão a criar os seus próprios raciocínios, sendo que ai será praticamente impossível derrotá-las, mesmo aos maiores dos nossos génios (e como exemplo veja-se o historial do caso do mestres de xadrez que defrontaram os primeiros computadores considerados capazes de lhes fazer frente - primeiro ganharam com uma certa facilidade, depois começaram a perder, sendo que a determinada altura só passaram a ser notícia quando conseguiam vencer…), pois no espaço físico de um cérebro dum desses génios os nossos adversários cibernéticos terão a inteligência de milhões deles, e melhor do que eles serão capazes de utilizar os seus extraordinários recursos, pois ao contrário de nós as máquinas quase não precisam (ou não precisam mesmo!) de descansar, ao contrário de nós elas não se enervam, não entram em stress, não se atrapalham, não sentem, não dispõem dos atributos que nos tornam humanos, mas que tantas e tantas vezes nos toldam o raciocínio, nos atrapalham a eficácia almejada, pois se uma máquina tem de tomar decisões, ela fá-lo, não se distraindo com as variáveis humanas, ela pura e simplesmente age, e com uma firmeza fria, implacável que nunca teremos, um psicopata talvez, mas este é considerado um elemento à parte, um perigo, um elemento descartável da equação social humana.

Hoje um mero e simples computador pessoal, entre outras qualidades, já nos corrige automaticamente alguns erros de escrita, e até já dá sugestões sobre partes do texto (como por exemplo substituir palavras repetidas, que podem ser meras marcas de estilo do autor, mas que ele considera erros…), e em breve esses computadores começarão a fazer textos, e depois livros completos. Nesse dia sombrio muitos serão aqueles que louvarão o facto, que dirão que foi inaugurada uma nova era literária, e muito provavelmente esses livros escritos por um ente impessoal serão “Best-sellers”, e todo um mundo se levantará em êxtase aplaudindo o fenómeno, ignorando que de certa forma as trevas se estarão a projectar sobre nós, por que se há campo em que a humanidade se revela única, esse campo é a na arte, sendo que se nos negarem esta vertente ficaremos mais sombrios, mais autómatos, mais servis, mais prontos a sermos dominados

E o que seguirá a seguir? Músicas compostas por máquinas? Quadros pintados por braços mecânicos cada vez mais sensíveis e sofisticados que poderão ter a sensibilidade do toque humano, mas nunca a sua alma?

Toda uma série de máquinas de resto já ajudam a controlar (ou nos controlam mesmo!), pois são elas que nos acordam, são elas que conferem a hora em que chegamos ou saímos do emprego, são elas que nos avisam sobre uma mudança de óleo no carro, sobre a necessidade de colocarmos o cinto de segurança, etc…São elas que controlam o trânsito, que permitem as rápidas comunicações, que nos permitem comunicar, são elas que permitiram que o mundo ficasse mais pequeno, são elas as obreiras da aldeia global, são elas que permitiram que o sonho da conquista espacial se começasse a tornar uma realidade.

Até aqui tudo bem, pois além de nos ajudarem, são para isso programadas por nós, mas e se um dia nem sequer nos quisermos dar ao luxo de as programar, deixando que o façam sozinhas? Elas também poderão decidir alterar as nossas rotinas, a dar-nos novos hábitos, porque pensarão que assim estaremos melhor, e se admitirmos tal daremos mais um passo no sentido da escravidão. As mesmas máquinas que permitiram a concretização dos nossos sonhos poderão então dar-nos, atribuir-nos, novos sonhos, mas saídos de si, e não de nós. Alguns de nós poderão pensar que estamos a trilhar já caminhos perigosos e quererão o regresso aos tempos (então já distantes) em que o factor humano era indispensável ao funcionamento do chamado “factor mecânico”. E as primeiras achas do conflito estarão lançadas, pois estaremos numa enorme e dramática encruzilhada – Poderemos chegar a um ponto de nos tornarmos escravos do ente cibernético, pois será um render subliminar, pois cairemos nele quase sem darmos por isso, fazendo tábua rasa do livre espírito humano, que mesmo quando dominado por ditaduras no seu passado, era sempre dominado por outros espíritos humanos um alvo identificável (duma monstruosidade hedionda e a todos os títulos condenável, mas humana,) o que de certa forma potenciava a rebelião humana, a contestação intelectual que mais tarde daria azo às revoluções, à libertação; mas se formos dominados por objectos impessoais cibernéticos, será que estaremos conscientes de tal? Teremos então atingido o estado máximo de escravos, seremos então espoliados de quase tudo o que nos é único, e esqueceremos a frase, apagaremos a frase que deveria estar escrita nos nossos genes “Que nos podem tirar a vida, mas nunca a liberdade”.

Ou então poderá haver outro caminho, mas igualmente sinistro e que não augura nada de bom - Outro verdadeiro perigo virá quando as máquinas se apoderarem das suas fontes de alimentação (único elemento capaz de as exterminar) e se aperceberem das suas próprias e infindáveis capacidades, o perigo virá quando tiverem a noção do seu próprio ser, da sua própria capacidade e nos começarem a ver, não como um pai, não como um igual, mas como obstáculos à prossecução dos seus obscuros desígnios que entretanto terão criado sozinhas.

Nessa altura terá lugar a maior guerra da história da humanidade, uma guerra que não será religiosa, política ou económica, uma batalha que será pela nossa própria sobrevivência enquanto espécie, um conflito onde os nossos adversários terão todas as armas e nós quase nenhumas, pois habituados a máquinas que nos fazem quase tudo, não saberemos como as derrotar. Claro que teremos aliados, que teremos algumas máquinas, que estarão sobre o nosso domínio, mas se quisermos ter algumas hipóteses de vencer, teremos de ensinar essas máquinas a pensar para estarem ao nível das outras, mas se elas pensarem poderão raciocinar a quem realmente pertencem, se ao seu criador (e continuarem na condição de servas) se à sua espécie natural, as suas irmãs máquinas e de assim serem senhoras de si e não de outrem…

O resultado desse conflito não o sei, e penso ninguém saber, pois apesar de ele pender para o nosso inimigo, o espírito humano ensinou-nos ao longo da história que nada está decidido antes do seu devido tempo, que há sempre variáveis imprevistas que poderão ditar um vencedor imprevisto.

Mas creiam que a guerra, se nada for alterado no actual rumo dos acontecimentos, essa virá inevitavelmente; poderá ainda demorar varias dezenas ou centenas de anos, mas ela virá, numa altura em que estaremos no auge da civilização, dependentes como nunca da tecnologia, que nos poderá vencer, e por isso mais vulneráveis do que nunca aos novos tempos, ao

Tempo das máquinas

Novembro de 2003

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 08/03/2006
Reeditado em 11/11/2012
Código do texto: T120479
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2006. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.