O planeta Terra

George Luiz - O planeta Terra

Vista assim, na madrugada de outubro, a cidade parecia quase inofensiva.

Smurka e Kalligut caminhavam cuidadosamente. Tinham recebido instru-ções detalhadas e precisas do Grande Conselho. Sua missão não era béli-ca. Eram agentes de informação. Mas deles dependia boa parte do suces-so da invasão que viria mais tarde.

Um pesado veículo aproximou-se lentamente pela rua asfaltada. Era ruído-so e exalava um cheiro extremamente desagradável. De um tubo oblongo saia uma fumaça densa de coloração escura. Os dois agentes se en-treolharam. Smurka consultou rapidamente seu pen drive automático de leitura semi-prismática. Tranqüilizou-se. O veículo era apenas um cami- nhão encarregado de exterminar um mosquito que os humanos chamavam de Aedes Egiptii ou algo parecido. Esse pequeno inseto era o transmissor de uma doença as vezes letal, a temida Dengue.

De uma das casas da rua, saiu um pequeno animal. Era um ser quadrúpede que lançou-lhes um olhar desconfiado e logo correu para uma árvore. Os dois agentes viram, espantados, o animal erguer um de seus locomotores traseiros e lançar dois jatos sucessivos de um líquido amarelado sobre o tronco do vegetal.

- Que sistema de irrigação primitivo ! comentou Smurka com seu cole ga.

- Você se esquece que estamos num planeta dos mais atrasados, meu caro. O asteróide LX 344, por exemplo, foi descoberto vários séculos antes da Terra.

- Você tem toda a razão, Smurka. Imagine que a procriação aqui ainda é feita através de um mecanismo que eles denominam “ Sexo “.

- Que coisa nojenta ! Não é a toa que os humanos chegam as vezes ao ponto de se exterminarem por causa de um sentimento a que eles de-nominam “Ciúme”. São mesmo muito primitivos...

O pequeno animal passou por eles balançando uma estranha antena carnu-da situada na extremidade posterior de sua estrutura. Ao faze-lo emitiu um som áspero e agudo, nada amistoso.

- O que estará ele querendo nos dizer ?

- Não se preocupe, Kalligut. Meu equipamento trans-linguístico me in-formou que esse pequeno animal apenas latiu.

- Latiu ?

- Sim. É sua forma rudimentar de comunicar-se com os outros seres.

- E o que significou esse latido ?

- Bem, ele quis dizer que, se o hostilizarmos ele nos morderá. Ou seja, cravará seus dentes em nossos membros locomotores.

- Essa é boa ! Ele deve desconhecer completamente a substancia de que somos feitos.

- Não só a substância, como o efeito mortal que isso teria sobre ele. Somos completamente imunes a qualquer ação agressiva dos terra- queos.

Pouco tempo depois, os dois agentes entraram por uma rua mais movimen-tada. Eram sete horas e muitas pessoas já circulavam por ela. Formavam- se pequenas aglomerações junto aos pontos dos ônibus. Em uma padaria bem próxima, homens e mulheres apressados compravam alimentos que pareceram bem atraentes aos dois alienígenas.

- Essas coisas embrulhadas têm um aroma gostoso, Smurka.

- Sim. É o que chamam de bisnagas. São feitas de pão.

- Pão, não é ? E aquelas menores que eles embrulham juntas ?

- Aquelas são unidades do chamado pão francês.

- E por que não são todos rigorosamente iguais ?

- Bem, Kalligut, não se pode exigir muita eficiência de seres tão rudi-mentares como os humanos.

- É curioso. Eles parecem trocar esses pães por papeis impressos. E também por pequenos objetos metálicos redondos.

- É o que eles chamam de “dinheiro”.

- Dinheiro ? E para que serve ?

- Pelo que alguns membros do nosso Conselho me explicaram, esse tal dinheiro é o causador dos piores males da humanidade.

- E no entanto os humanos o carregam em suas roupas. É incrível !

- Acho que deveríamos experimentar os assim chamados pães.

- Como, se não temos dinheiro ?

- Ora, Kalligut...basta que fabriquemos algum com nossos transforma-dores de células.

- É verdade. Como sou distraído !

O caixa da padaria ficou um tanto revoltado quando Smurka lhe estendeu uma nota cem reais, novinha em folha, pedindo-lhe dois pães.

- O senhor não tem uma nota menor ?

- Menor ?

- Sim, uma nota de um ou dois reais.

- Ah, entendi. Espere.

- O senhor não quer levar duas cocas ?

Já de volta a rua, os dois agentes começaram a comer os pães.

- São muito saborosos, Kalligut.

- Também achei. Devem ser um dos tais vícios humanos que o Conse-lho nos mencionou. E o líquido de cor escura contido nesses copos ?

- Ah, isso é uma bebida de origem norte-americana. Deve ser ingerida

bem gelada.

- Por que será ?

- Parece que em temperatura normal, o líquido é detestável.

- É, esses humanos são mesmo bem estranhos.

O hotel em que se hospedavam os dois agentes ficava na orla marítima, na zona Sul do Rio, na praia de Ipanema, para sermos mais específicos. Tinha sido um pouco embaraçoso terem chegado nele sem qualquer bagagem, mas isso se explicava: No asteróide extremamente avançado em que vivi-am, uma única roupa lhes bastava. Seus trajes não se sujavam, não preci-savam ser lavados ou passados. E tinham um dispositivo que regulava sua temperatura. Assim, se havia uma súbita mudança de tempo, a roupa ajus-tava-se instantaneamente às novas condições climáticas, No asteróide XV 430 L que era sua origem, ninguém perdia tempo com essas futilidades. E o problema sexual não dependia de aparência e sim das partículas epiteli-ais das extremidades das antenas neo-plásticas que povoavam suas tes-tas, se é que se poderia chamar de testas aquelas superfícies convexas bi- colores cujas tonalidades variavam com seu estado de espírito. Para virem ao planeta Terra, tinham passado por uma transformação temporária nos eletrocosmogenes que os tornara idênticos a qualquer ser humano.

Aquela tarde, passando pela praia, tinham visto as pessoas na areia, pegando sol, entregues a um exercício visual que chamavam azaração ou paquera em que se fitavam longamente e procuravam valorizar seus pró-prios corpos, movendo-os das formas mais ridículas (isso segundo a avali-ação crítica dos dois extra-terrestres}. Kalligut tinha percebido que os o-lhares eram associados a uma espécie de movimentos labiais em que suas bocas pareciam se contorcer levemente.As fêmeas da espécie huma-na eram visivelmente preocupadas em empinar seus glúteos, arqueando os rins ao faze-lo. Isso provocava entre ao machos comentários interessados do tipo:

- Você viu a bunda daquela morena de biquíni branco ?

- Se vi, meu amigo, aquilo é uma fêmea para um jantar de trinta talhe-res !

- Essa e outras observações do mesmo gênero surpreendiam os dois extra-terrestres. Afinal, qual era a relação entre comida e sexo ?

- Como aquele rapaz de cabelo crespinho e pele bem escura que dizia para seu amigo :

- Ontem a noite comi uma lourinha sensacional !

- É mesmo ? Comeu aonde ? Em seu apartamento ou num motel ?

- Num motel. Nossa ! como ela é saborosa !

Assim, conversando e caminhando, os dois agentes chegaram à portaria do hotel que estavam ocupando.

Aquela noite, receberam um telefonema do responsável pela portaria.

- Boa noite ! Estou ligando para saber se os senhores desejam...bem, se desejam que lhes enviemos duas garotas de programa.

- Garotas de programa ?

- Isso. Temos um catálogo com fotos de várias delas, nuas é claro. Se os senhores se derem ao trabalho de escolher, nós as enviaremos no horário desejado. Elas poderão inclusive passar a noite se quiserem.

- Mas...

- Quanto aos preços, não se preocupem. Tenho a certeza de que os acharão razoáveis. E as garotas são maravilhosas !

- O que elas fazem ?

- Bem, senhor, não posso lhe explicar em todos os detalhes, mas, se pagarem uma pequena taxa extra elas farão inclusive, sexo anal.

- Sexo anual ? Isso quer dizer o que ? Sexo uma vez por ano ?

- Há, há, há ! O senhor tem um ótimo senso de humor, doutor Smurka.

E aí ? Posso lhe enviar as fotos das garotas ?

- Pode. Envie, por favor.

Pouco depois, sentados confortavelmente num sofá, os dois extra-terres-tres examinavam o catálogo com interesse. Havia garotas para todos os gostos. As fotos mostravam-nas nuas, em poses provocantes.

- O que você acha, Smurka ?

- Bem, acho todas bem semelhantes. Só as tonalidades dos cabelos di-ferem. Como vamos escolher ?

- Acho melhor usar o sistema que os humanos chamam de sorte.

- Claro ! Por que não pensei nisso logo ?

Uma hora depois, duas garotas subiram até a suíte deles. Muito desemba-raçadas, foram logo ficando a vontade. Cada uma delas foi com seu parcei-ro para um dos dois quartos. Despiram-se e iniciaram sua tarefa. Levaram em torno de duas horas para executá-las. Foram muito bem remuneradas, já que para os dois agentes, aquele dinheiro não significava nada. Como e-les não tinham pedido para que passassem a noite em sua suíte, desceram juntas no elevador. Se conheciam há algum tempo e logo comentaram as performances de seus machos.

- Nossa, amiga ! Que coisa surpreendente ! Estou nessa há mais de três anos e nunca tinha visto ou sentido um macho tão gostoso !

- E eu, amiga ? O meu parecia inesgotável ! Quase um robô.

- Para falar a verdade, eu teria passado a noite com o meu sem cobrar mais um centavo .

- Eu também teria feito o mesmo com o meu. Que delicia ! Nunca gozei tanto !

- E as coisas que o meu murmurou enquanto me comia.Não entendi u-ma palavra mas adorei ouvir tudo !

- De que nacionalidade você acha que eles são ?

- Não sei, amiga mas deixei o número do meu celular com ele. Se ele me ligar, eu venho correndo e não cobro nada... Ou vou a um motel com ele e ainda pago a despesa.

Na manhã seguinte, Kalligut e Smurka regressaram a seu asteróide. Ti-nham sido chamados as pressas pelo Grande Conselho. O asteróide XV 430 L estava na iminência de sofrer um ataque de uma nação da distante galáxia Rustlana XXII. Os dois prepararam-se para o combate. Mas antes prometeram a si mesmos que, uma vez terminada a batalha, voltariam ao planeta Terra e a suas inesquecíveis garotas de programa.

George Luiz
Enviado por George Luiz em 27/10/2008
Código do texto: T1250888
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