Clones - Parte 2

(continuação de Clones - Parte 1)

Um daqueles dois soldados que compunham aquele pelotão de trinta pilotava uma potente moto negra pelas ruas forçosamente limpas do centro da cidade.

Era dia. E o soldado passara a noite em claro.

Desde o dia anterior, quando seu turno se iniciara, que o soldado não dormia.

Nenhum outro veículo na rua. Tudo estava completamente deserto.

Era o primeiro dia do ano.

O sol brilhava infernalmente, tostando o asfalto, e anunciando um ano novo infernal.

Um pacote plástico passou voando no trajeto da motocicleta.

- Sujeira na avenida principal do setor quinze B - disse o piloto com uma voz um tanto fina, indistinta e abafada, acionando automaticamente o comunicador que estava instalado em seu capacete.

- Já captamos. Localização e quantidade, por favor, número vinte e nove - uma voz de mulher invadiu seu ouvido, eletrônica e abafada, vinda de um minialtofalante, também parte do equipamento de comunicação montado dentro de seu capacete.

Uma imagem esverdeada apareceu no visor negro, que cobria todo o rosto do soldado. Um mapa retangular, e ao lado deste a palavra "autodetecção", seguida de símbolos que mudavam conforme o tempo passava e cálculos eram feitos. Logo, surgiram outros mapas, uns quadrados e outros redondos, e fotos, e imagens em movimento, uns aparecendo e outros desaparecendo, e alguns surgindo acima dos outros, compondo um mosaico de gráficos, caracteres e imagens cintilantes. A última imagem que surgiu no visor foi a do próprio soldado, em sua grande motocicleta negra.

Autodetecção concluída.

Depois de alguns segundos, as imagens foram substituídas por um "Ok", que piscou algumas vezes e desapareceu, mas não antes que a voz em seu fone de ouvido desse retorno.

- Dados confirmados, número vinte e nove. Retorne ao modo silencioso e não esqueça de vestir as blindagens especiais de seu uniforme. Esta missão passa a ser código MMP-042958.

- Ok.

Em breve, um destacamento passaria a patrulhar regularmente aquela área e arredores, em busca de arruaceiros e quaisquer descuidados que tivessem deixado lixo voando solto pelas ruas, quer estes surgissem de novo ou não.

As penas impostas para os crimes relativos à poluição ambiental eram sempre muito rígidas, quer fosse na cidade, quer fosse nos subúrbios.

Parte de um novo texto em verde apareceu no visor do policial. Era intitulado "Código MMP-042958", e apresentava uma relação completa dos dispositivos legais que tal código estabelecia em relação ao policial e aos envolvidos - regalias e deveres, legislação nua e crua - além de detalhes sobre a missão em si. Nomes, lugares e procedimentos.

- Desativar textos não prioritários - disse o soldado, que já conhecia tanto a burocracia legal quanto os nomes de suspeitos e locais, e o texto em seu visor imediatamente sumiu, obedecendo ao comando. - Estabelecer prioridade para texto e imagem no visor: código M-M-P-0-4-2-9-5-8. Prioridade para telecomunicações: menos um.

Mensagens de confirmação automáticas espocaram em alguns pontos do visor, que a seguir escureceu de vez.

A moto desacelerou até parar em um ponto da tal avenida principal, que se estendia de um lado ao outro, a perder de vista, cercada por prédios cinzentos, cobertos de janelas de vidro tão negro quanto o visor acrílico de seu capacete. Alguns dos prédios davam a impressão de terem sido feitos inteiramente de vidro.

Era uma rua elevada, como um tipo de ponte. Mais de cinco metros a separavam do passadiço dos pedestres, e do nível onde eram construídos os prédios, que ficava logo abaixo. Moderna e complexa, a rua oferecia diversos tipos de ameias com escadas, rampas e elevadores de acesso aos pisos inferiores, tanto para pedestres quanto para veículos de pequeno e médio porte, além de fortes proteções laterais e alguns estacionamentos ao longo de seu perímetro.

O código MMP-042958 concedia uma série de prerrogativas e direitos extraordinários a um policial, e entre eles incluía-se a possibilidade de estacionar seu veículo em qualquer ponto do trajeto.

Na verdade, podia ser dito que o código MMP-042958 deixava o policial livre para fazer o que bem entendesse...

O piloto desceu, e abaixou-se. Abriu um dos diversos compartimentos que se encontrava ao lado do pneu traseiro da motocicleta, a qual era um verdadeiro monstro, feito de dois grossos pneus, equipamentos e visores eletrônicos, muitas cilindradas e dezenas de compartimentos especiais.

Pedaços de uniforme negro surgiram de dentro do estojo. Velcros, encaixes e presilhas, era o que havia de sobra em tais peças, que foram sendo anexadas aqui e ali no colete e no capacete, nas botas e até mesmo nas luvas do policial.

Em alguns segundos, as mãos ágeis deste tinham concluído o serviço. O compartimento então foi fechado, e ele subiu novamente no grandioso cavalo mecânico, que acelerou seu motor, e partiu.

Estava pronto para iniciar a execução de sua missão.

No dia anterior, sob a influência de um código de missão diferente, mais brando, o policial havia localizado e seguido uma pessoa suspeita. Obtivera muitas informações, que tinham sido enviadas aos departamentos de inteligência centrais da polícia. Informações que provavelmente tinham sido repassadas a outros departamentos, ainda mais influentes.

Informações que tinham retornado transformadas em uma mudança de um código de missão investigativa, de média importância, para um código prioritário, de busca, apreensão e seqüestro.

"... o indivíduo em questão deve ser capturado e trazido a este departamento, preferencialmente mas não obrigatoriamente VIVO. Em casos extremos, considerar o uso da força e de armamento letal."

Eram comuns os casos em que um julgamento antecedia uma busca, que era sucedida por outro julgamento, este último com diversificados direitos de defesa sendo concedidos ao acusado. Porém, era raro que um único julgamento anterior à uma busca decidisse o destino de um réu, sem direito a qualquer apelação em outra instância.

E o policial conhecia cada um dos códigos em que tal procedimento poderia ocorrer.

E sabia também que o código MMP-042958 era um dos casos mais raros, senão o mais raro de todos, em que a pena de morte poderia ser imediatamente aplicada.

Era um caso único. E a julgar pela eficiência dos sistemas policial, penal e carcerário destes dias em que poucos dos atos que viessem a ser considerados crimes deixavam de ser julgados e punidos, seria sem sombra de dúvida o único caso.

Pois apenas uma única pessoa se enquadrava no perfil instituído pelo lendário código MMP-042958.

Um único criminoso. O indivíduo a quem o código chamava pelo codinome de Raiz.

E a eliminação deste apagaria para sempre o código MMP-042958 da extensa e completa lista de contravenções existente no banco de dados da polícia daquele país, pois não existia ninguém mais que se enquadrasse em tal código...

... e jamais existiria.

(continua...)

Fabian Balbinot
Enviado por Fabian Balbinot em 21/03/2006
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