Ópera de Maionese

Marcinho Condimento viveu sem falar nada até os quinze anos de idade. Mas ele não era só mudo. Não falava, não andava, não ia ao banheiro sozinho, não escrevia, não lia, não sabia nem mudar o canal da televisão. Somente vegetava na sala de sua casa, como um bebê obeso que só podia ser embalado com a grua de um guindaste. E engordava cada vez mais a cada dia que passava, pois era alimentado mais de vezes por dia, e nunca recusava um bom lanche. Era o único momento em que demonstrava algum laço com o mundo. Sorria sempre que lhe punham um pedaço de pizza fumegante ou um Bauru no meio das mandíbulas, de preferência lambuzados com muita maionese. Nessas horas, ele piscava os olhos sempre parar enquanto mastigava.

Um dia, Marcinho Condimento despertou, e esse parto da sua consciência não poderia ser mais traumático do que os outros nascimentos. Foi tudo graças a um choque induzido por injeções de maionese picante diluída em água destilada, cujas agulhas lhe furaram o braço inteiro. Então, enquanto ele conversava consigo mesmo na escuridão da sua gruta interior, uma fenda se abriu na caverna, revelando-o à luz. Num primeiro momento, ele se debateu e gritou como um louco, lutando contra aquela iluminação ameaçadora, como se todo aquele fogo que lhe invadia sue mundo de trevas fosse lhe assar como um peru de Natal. Mas logo se viu dentro de uma fornalha horrenda, confusa, caótica, mas não menos cativante.

Marcinho estava na sala da sua casa, com a televisão ligada passando um desenho do Pica-Pau à sua frente, esparramado sobre uma cadeira de balanço com um cobertor estendido nas pernas, vestido com um camisolão de paciente internado.

Olhou para todas as direções possíveis. Viu a mobília antiquada do aposento, o tapete cheio de desenhos abstratos e fiapos embolorados, uma poltrona marrom manchada, os tacos encerados do chão, o lustre e a coleção completa da Barsa e da Larousse de pé na estante. Depois vistoriou as próprias mãos, sacudindo-as e mexendo os dedos num teste de movimentos. Bateu com os pés no chão, ouvindo o som dos velhos chinelos, para se certificar se suas pernas eram úteis. Juntando coragem, ficou de pé e tentou caminhar, mas nas primeiras tentativas derrubou a mesinha do telefone ao lado da cadeira. Mas conseguiu dar um jeito de compassar seus passos.

Perdido e tonteado, Condimento resolveu vasculhar o mundo em que caíra, mesmo não tendo a mínimo noção dos perigos que o aguardavam. Encheu os pulmões com o ar sujo pela fumaça dos escapamentos, e sentiu que as pequenas partículas dos resíduos quase lhe machucaram nas entranhas. Sentiu náuseas e mal-estares que pareciam até propaganda da morte. Assustou-se ao ver aquele monte de construções de cimento, uma diferente da outra, aqueles arbustos e gramados crescendo junto aos paralelepípedos, aquelas faixas pretas enormes que lhe cortavam o caminho. Pisou num delas, e os pés arderam de tão quentes que eram. Do seu lado vinha descendo uma fera gorda e esbranquiçada, cuja carapaça era emendada com parafusos. A voz do bicho saía do seu dorso, por uma espécie de boca metálica:

- Pamonha fresquinha, olha a pamonha cremosa! Tem doce e salgada, ao gosto do freguês! Olha a pamonha quentinha, hum, que delícia, olha a pamonha...

Marcinho Condimento se assustou com a perua de som, e não conseguiu se mover nem um centímetro. Recebeu direto no seu peito um golpe do logotipo da Volkswagen que o fez rolar ladeira abaixo.

- Ai, Marcinho, meu filho, socorro! correu a sua mãe, vinda da porta da cozinha, amparando os quase cem quilos do garoto largados no asfalto. O motorista da Kombi, desesperado, desceu e perguntou se ele estava bem, se não tinha quebrado nada, ofereceu-se até para levá-lo ao hospital. Mas Marcinho Condimento rosnou para ele e quase lhe deu um safanão só de pensar em ser levado de novo para aqueles corredores frios cheirando a produto de limpeza e ter a pele picada por agulhas manipuladas por aqueles robôs vestidos de branco- Marcinho, meu filho, o doutor falou que você não poderia nem sair de casa, você consegue ainda ficar sozinho. E lembre-se das contra-indicações que o choque de maionese pode causar! Você praticamente acabou de nascer.

Foi arrastado pela mãe para dentro de casa, e não gostou nada disso. Ela já correu para o telefone e ligou exultante para o médico que o tratava, agradecendo-lhe chorando de alegria por ele ter feito seu filho despertar depois de quinze anos de um sono doentio. Condimento, lógico, balançava a cabeça, desaprovando, e dando de ombros como se sua mãe fosse uma doida.

- Filho, você pode fazer o que quiser, mas aqui dentro de casa, ouviu? Por que você não vai lá no computador e brinca um pouco para se distrair?

Enquanto ela ia na cozinha mexer com suas panelas de pressão, que chiavam quase a explodir e espalhavam o cheiro de feijão pela casa toda, Marcinho Condimento sentou-se à frente do computador pessoal do pai, apoiando as mãos no teclado. Não entendeu nada daquele aparelho barulhento e cuja tela não parava de projetar desenhos e mais desenhos, de um colorido tão ofuscante que lhe deu dor-de-cabeça. Mas, graças à sugestão da sua mãe e da sua curiosidade de índio que o fazia mexer e tocar em tudo, para o bem ou para o mal ele acabou descobrindo aquilo. Uma coisa que, se ele não soubesse que existia, sua vida ex-vegetativa não significaria nada. Um mecanismo que lhe deu tudo o que ele nem sonhava em desejar.

Ao apertar a tecla Enter, a maior e diferente do conjunto, o quarto, a cama ao lado, a cadeira onde estava sentado, a janela de persianas manchadas, os umbrais da porta do quarto, a casa inteira se desbotou e virou um verdadeiro filme em preto-e-branco. Mas não era só sua casa, a rua inteira, o horizonte inteiro estava pintado somente com tons de cinza. Na cozinha, sua mãe estava paralisada, partindo um ovo, e a gema também estava congelada no ar, antes de cair na tigela. Marcinho Condimento no começo se assustou, mas depois ficou vários minutos rindo à toa a sua risada rasgada que lhe pintava de rubro a face. Parara o tempo. E descobrira acidentalmente.

Muito tempo depois, com muita prática de erro e acerto, ele soube que o botão Delete poderia apagar prédios, animais e situações, extirpando-as do mundo enquanto o tempo estivesse congelado. Com a Insert ele realizava exatamente o contrário, poderia criar e agrupar as coisas do seu jeito. O Shift alterava, deformava e redesenhava, sem incluir nem apagar.

Mas o mais perigoso de tudo era a tecla M. M de maionese, M de Marcinho. Era a que mais fazia estrago, e, se manipulada por brincadeira, poderia matar. Como da primeira vez em que a usou, e por engano causou uma chuva de maionese picante na cidade. O botão da letra M tinha uma fração do poder das outras teclas e mais um pouco. Aquela tecla era a que Deus utilizava para inventar novos planetas e galáxias e, quando ela se afundava, surgiam supernovas e buracos negros. Era o que Marcinho pensava, depois que passou a utilizá-la regularmente. Tanto que no primeiro dia em que a usou, já causou uma desordem e tanto. Reescreveu por completo a história, de maneira que o motorista da Kombi não o atropelasse. Mas, por raiva, fez com que ele colidisse com um caminhão de combustíveis, que miraculosamente transportou para a esquina da sua casa. O tanque, encharcado de óleo diesel, ardeu em chamas por várias horas, matando os dois condutores e também o prefeito, que vinha na Parati da prefeitura logo atrás. Resultado: duas famílias sem pai, uma cidade sem governante e o trânsito paralisado por várias horas. Marcinho pensou em como seria diferente se não ocorresse aquele engavetamento, em como as crianças estariam felizes com seus pais, na tranqüilidade que a cidade estaria, pois a morte do prefeito causou uma desordem política das mais graves.

Mas, pensando melhor, ele não gostou nem um pouco da outra margem da bifurcação. Os dois pais de família eram torpes, um era um bêbado descontrolado que quebrava a incendiava a casa inteira nos seus acessos mais intensos de raiva e o outro estava com quase toda a virilha comida pelas doenças que pegava das moças da zona. Tanto que a sífilis lhe custou um filho que não falava, não andava e ficava o dia inteiro babando no sofá e resmungando para os desenhos animados da TV. Marcinho Condimento, na sua infinita bondade, usou a tecla M e deu três opções ao menino deficiente: que ele continuasse a viver vegetando e atrapalhando a sociedade, que ele morresse ainda bebê ou que a prefeitura da cidade, benevolente, cortasse o seu sofrimento e o de várias crianças defeituosas. Sem um prefeito, foi o que ele fez.

Aos poucos, entre um bauru lambuzado de maionese e um sanduíche de churrasco acebolado todo engordurado pelo mesmo tempero, Condimento foi embolando tanto o novelo da realidade que, num certo momento, não existia um só mundo, uma só dimensão: sempre havia um ponto em que a linha se quebrava em duas, e essas duas pontas em mais duas, e assim sucessivamente, até se tornar a bacia de um grande rio cheio de meandros.

As combinações proporcionadas pela tecla M eram belíssimas. Marcinho imaginou um mundo onde os nazistas tinham ganhado a Segunda Guerra, apertou-a, e zás, um desfile de modernos tanques panzer enfeitou a sua rua, com uma banda marcial puxando o cortejo. Pensou também num mundo onde a Guerra Fria ainda persistia, e pronto, já tinha uma cinematográfica guerra subterrânea entre espiões da CIA contra a KGB. Um sub-universo desses mostrava um SNI lutando contra um levante comunista, e em outro ainda a ditadura militar persistia, com eleições indiretas e mais forte do que nunca depois de massacrar um grupo de sindicalistas do ABC.

Um mundo onde não existiam terroristas. Um mundo abarrotado de terroristas. Um mundo todo alagado pelo derretimento das calotas polares. Um mundo futurista ameaçado por invasões extraterrestres, protegido por gigantes de metal e seus exímios pilotos. Um mundo como num romance de F. Scott Fitzgerald, artista de jazz bebendo em intermináveis festas, sem pensar que o tempo não pára de correr, sem a Depressão de 1929. Um mundo obscuro, rígido, onde a Igreja Católica mandava na vida de todos. Um mundo muçulmano, um mundo judeu, um mundo ateu, um mundo formado por malocas, onde os portugueses ficaram com medo de se lançar ao alto-mar. Um mundo de super-heróis fantasiados que patrulhavam as cidades. Um mundo onde ele, Marcinho Condimento, era o líder maior do Brasil, com o controle de um arsenal nuclear capaz que fazer uma faxina na Via Láctea.

Mas, quanto mais ele usava o artifício do seu computador, mais ele se perdia nas infinitas costuras e remendos de uma malha sem fim. Ele cada vez mais ficava distante do mundo real. Mal sabia ele que as fundações da Realidade não eram sólidas, pelo contrário; eram molengas como um montículo de maionese.

Um dia, Marcinho estava sozinho em casa, num sábado à noite, assistindo aos humorísticos na televisão que ele mesmo escrevia os roteiros, transmitidos de outros lugares onde ele era uma figura popular. Foi quando o motoboy da lanchonete tocou sua campainha. Caminhando com a nota de dez reais com o seu rosto estampado, Marcinho a derrubou no chão, perplexo, quando o entregador tirou seu capacete. Ele conhecia aquele rosto muito bem, dos espelhos e das fotos. Era ele quem estava ali montado na motocicleta.

- Boa noite, meu eu- saudou-o- de que lugar você é?

- Oras, eu sou daqui! Eu sou o Marcinho Condimento, o que criou o lugar de onde você veio, uma realidade onde eu não tenho medo de carros e motos e por isso aprendi a dirigi-los. E arranjei emprego na minha lanchonete preferida.

- E você é o Marcinho do lugar onde eu pensei na hipótese de eu ser um rapaz sem amigos, anti-social, que vive trancado em casa, sempre sozinho. Com medo de multidões.

- Cala a boca, eu te criei! Eu posso apertar a tecla M, você sabe, e apagar toda a sua existência, fazer de conta que você nem existiu!

- Eu posso fazer o mesmo, Condimento! Aliás, fui eu que te criei. Eu também conheço os macetes da tecla M.

- Duvido!

- Quer ver? Então veja só, vamos ver é mais poderoso aqui, vamos- o Marcinho de casaco preto de couro e piercing atravessado nos lábios tirou do bolso da jaqueta um palmtop e seu dedo foi direto entre a letra N e a vírgula. Sua moto barata com a caixa térmica na garupa dividiu-se em duas sombras, sendo que uma continuou sendo um veículo de duas rodas. A outra se achatou, esticou-se, inchou e pariu mais dois pneus. Agora era uma limusine. O Marcinho, de motoqueiro, passou a ser um rico empresário do setor alimentício, dono de uma cadeia de fast-foods, recendendo a perfume francês, o cabelo penteado para trás depois de uma montanha de gel, o terno rebrilhando de novo e um celular vibrando no bolso da calça. Mas o motoqueiro não deixou de existir, ele continuava ali, ao lado, espiando perplexo o Marcinho magnata.

- Mas que porra é essa? Peraí, eu também quero ser rico! o motoqueiro surrupiou o computador de mão do empresário e procurou a desejada tecla M. Ele também não deixou de existir, mas fez brotar do seu corpo um Marcinho que segurava uma guitarra elétrica ao ombro, vestindo roupas de brechó, magro de tanta bebida e maconha, a cabeleira ensebada cheirando a suor dormido.

- Aí, a música me trouxe muita grana, mulheres e carros, puta que o pariu!

O Marcinho Condimento anti-social quase quis vomitar. E cada vez mais surgiam novos Marcinhos, um surfista, um judeu, um hare-krishna, um cientista, um trompetista de jazz, um bêbado, um beato, um pai-de-santo, um bandido, um escritor e até um que morreu depois da colisão com a Kombi. Um exército de Marcinhos Condimentos, magros, gordos, brancos, negros, orientais, cabeludos, carecas, ruivos, loiros, pagodeiros, góticos, deprimidos, doentes, malucos, cada vez mais apareciam novos Marcinhos. E todos reclamavam ser o original, mas parecia que todos sabiam da tecla M. Até que Marcinho, o solitário, ameaçou deletar todas as suas versões. No que os outros ameaçaram o mesmo. Um Marcinho japonês, vestindo um quimono dourado, mestre em kung-fu, derrubou o Marcinho russo com um soco na cara. Todos sentiram a mesma dor, cuspiram o mesmo dente quebrado, ficaram com a mesma mancha arroxeada no rosto.

- Mas como, então quer dizer que vocês todos são...eu...ao mesmo tempo? indagou o Marcinho rastafári, o baseado aceso entre os lábios, deixando cair seu gorro jamaicano- por Jah!

Perdidos numa crise de identidade epidêmica, os Marcinhos então se puseram num plenário noturno ao relento, ali na calçada de um deles. O Marcinho homem das cavernas, cabeludo e sujo, que vestia somente uma pele crua de tigre, contou que morava longe, num vulcão, e que seus colegas caçadores da tribo tinha sido devorados por um tiranossauro e seu filhinho foi desfigurado por um velociraptor. O Marcinho franciscano levantava as mangas de seu hábito marrom e mostrava os seus estigmas, ele que morava perto de Assis, dentro de uma igreja em ruínas, e que era assessor direto do próprio São Francisco. Um Condimento que trajava malhas negras sintéticas e cobria os olhos com óculos escuros vivia no que sobrou de Tóquio após a Terceira Guerra Mundial, vivendo de sabotar sistemas e redes de computador. O Marcinho Condimento de chapéu cone de bruxo mostrava em sua bola de cristal o castelo negro onde morava, nos confins da Romênia.

Cada um parecia vir de um planeta distinto. O Marcinho que narrávamos no começo da história, aquele que vivia preso em casa, não sabia mais que era. Sentia-se afogado num redemoinho de maionese. Mas tombou quando viu um carro dobrando a esquina, com cinco pessoas. Era ele e mais quatro amigos.

- Mas...o que é isso? exclamou ele ao abrir a porta, boquiaberto. Via vários sósias seus, centenas, talvez milhares, discutindo sem parar. Pegou de um laptop e quis corrigir o seu erro de brincar de deus, mas os outros fizeram o mesmo. O chão e o céu tremeram como maionese flambada.

- Nós somos você, você é nós! gritou a população inteira de Marcinhos.

- Eu vim de um lugar onde não sobrou nada depois da queda de uma bomba atômica!

- Eu vim de um lugar onde não existem pobres!

- Eu vim de um lugar cheio de fadas, grifos, faunos, ninfas, onde as árvores falam e você faz feitiços!

- Eu vim de um lugar onde o homem já pisou na Lua!

- Eu vim de um lugar onde o homem tem medo de pisar na Lua!

- Eu vim de um lugar onde todo mundo é robô!

- Eu vim de um lugar onde todo mundo é bicha!

- Eu vim de um lugar onde ninguém é humano!

- Eu vim de um lugar onde eu não tenho nenhum amigo!

- Mas quem começou apertando o M? perguntou o Marcinho que tinha amigos.

- Eu! responderam todos em uníssono, numa reverberação que fez os tímpanos de todos sagrarem e as luzes dos postes se desfazerem em brilhantes pedrinhas fragmentadas.

- Então não fui eu que comecei- disse, ainda segurando o laptop- eu me sinto tão confuso quanto vocês! Que tal não apertarmos todos a tecla M ao mesmo tempo e vermos no que dá? Vamos tentar juntar esse monte de mundos num só, mesclar todos esse Marcinhos para ver se a gente consegue ser uma pessoa só!

- Apoiado!

- Vetado!

- Vamos lá, pessoal- destacou-se do grupo um Marcinho com jeito de político- um, dois, três...

- Pare com isso, é uma ordem! tentou interromper um deles trajando uma farda de major.

O efeito não era esperado, foi como jogar um torrão de maionese gelada sobre uma frigideira, e depois ver a maionese derretendo e seus pedaços pastosos chiando sobre a película de óleo da chapa quente. Tudo o que poderia existir virou uma massa borbulhante, um cérebro que estourava em várias bolhas, lançando suas gotas de gordura para todas as direções, como cometas e estrelas cadentes. Foi como um novo Big Bang, uma nova explosão inicial, aquele montículo de maionese amarelada se liquefazendo na fritura...

...e lá estava Marcinho de novo, não se sabe qual Marcinho Condimento, encolhido num lugar que era só escuridão, uma caverna afundada nas trevas. Ele tentava procurar suas paredes com os olhos, mas era inútil, tudo parecia um infinito e profundo buraco negro, aquele manto que o cercava. Vez ou outra ele via uma silhueta, uma fagulha de luz, onde se formavam manchas e figuras estranhas, pareciam amebas se movendo sobre o foco de um microscópio. Era o reflexo longínquo de quatro pessoas sentadas a uma mesa. Pelo seu movimento eles pareciam animados, conversando. Até que uma das manchas estacou de repente, e todas as outras esboçaram uma pose que a olhavam com perplexidade.

- Que cê tem, Zé? Viu um fantasma?

- Não, tive a sensação de que essa figura do rótulo da maionese tava me olhando...esse desenho desse garoto gordo aí.

- É, parece que ele olha pra gente mesmo. Bom, esse rótulo da maionese Marcinho Condimento sempre foi meio intrigante...bom, vamos voltar a comer, certo?

Os outros três concordaram. Nem olharam mais para a gravura de Condimento, mais compenetrados com seus respectivos sanduíches.

José Marcelo Siviero
Enviado por José Marcelo Siviero em 25/04/2006
Código do texto: T145206