O OBSERVATÓRIO

Juvenal arrumou um emprego novo. Nada extraordinário, mas por ter sido concursado, sabia-se de futuro garantido. Já tinha passado dos trinta e cinco e havia tempos andava preocupado com as coisas da vida. Desde a ampliação de sua casa na periferia de São José, passando pela escola dos filhos e a saúde da mulher. Agora, mais aliviado, até conseguia acompanhar um ou outro jogo de seu time, desde que passado na tevê aberta. Mas, com este concurso, para o qual estudou com a ajuda de muitas pessoas, Juvenal estava mais tranqüilo. Agora era funcionário municipal, com cesta básica, salário em dia certo, assistência médica e garantia de vaga na escola. Ficou mais contente ainda, quando foi designado como faxineiro do observatório de São José. A prefeitura mantinha um convênio com uma série de outras entidades, cujas siglas o Juvenal nunca entendeu ou soube dizer da sua serventia. E lá foi ele conhecer seu novo local de trabalho. Ficou pasmo, tudo era limpo, quase que brilhando. Assim, pensou, iam logo perceber que sua presença era desnecessária e ele logo teria de voltar para o almoxarifado. Tratou de lambuzar o chão logo na primeira meia hora. Depois de uns três dias, apareceu por lá uma pessoa estranhíssima, se visto pela ótica do Juvenal. Um cara que fala sozinho, apaga o lápis no cinzeiro e deixa o cigarro aceso sobre a dobra do livro, não pode ser normal. Deve ser maluco. Maluco não, meu caro, cientista. Seguiu-se sonora gargalhada. Olhe meu caro Juvêncio, Juvenal, certo. Olhe meu caro Juvenal, aqui não precisa limpar muita coisa, mas precisa estar atento ao painel de instrumentos e ao radar. Nós solicitamos que nos fosse mandado um auxiliar, na bem da verdade fui eu que pedi e me lembro bem de que a pessoa perguntou se era pra fazer de tudo um pouco. Este cientista nunca imaginou que lhe fossem mandar um auxiliar de serviços gerais. Mas como quem não tem cão, caça com mata moscas mesmo, o Cientista muniu-se de toda a paciência de que foi capaz e passou a ensinar o Juvenal. Primeiro ele aprendeu sobre as estrelas, os cometas, os asteróides, as galáxias. Depois, pouco a pouco, passou a entender dos instrumentos e da sua serventia. Adorava ir trabalhar, levava os filhos, lhes explicava tudo, mesmo que não se lembrasse direito. Ia até em dia de folga. O tal cientista só aparecia umas duas vezes por semana, e fora este, Juvenal nunca conheceu mais ninguém. Os meses foram passando e Juvenal já estava até ficando parecido com o cara. Aliás, era o que repetia sempre que podia: “Este é o cara!” Me ensina e não me desdenha, não me diminui. Uma noite de sábado, daquelas noites de lua cheia em que o telescópio serve para atrair a namorada, tal e qual faria uma arapuca, Juvenal levou a esposa para que ela visse com “os próprio zóio as maravilha do universu”. Zoraide caiu de joelhos e agradeceu a Jesus a benção do marido, do emprego do marido, dos filhos e desatou a orar. Não queria nem saber de olhar no buraquinho que o Juvenal insistia em lhe mostrar. Deve ser o cano do Demo, se bem que tanta coisa que se está agradecendo, não pode ser coisa ruim. Mas e se for ardil. O Demo é cheio de enganos, sempre a espreitar para depois dar o bote. Na Bíblia está escrito. Já deveria ser do conhecimento de todos, mas a humanidade insiste em não prestar atenção nas sagradas escrituras. A única vez em que parou de orar foi para alertar o marido de que a presença dela por lá talvez não fosse bem vinda. Claro que é “muié”! O Dr. Cientista, aquele do nome estranho de quem lhe falei, me autorizou a vir sempre e com quem eu achasse digno de conhecer este lugar. Uma luz começou a piscar. Primeiro era verde, mas rapidamente se transformou em laranja. Logo a seguir um sinal sonoro insistente e bastante “perturbento” também passou a inundar o ambiente

Zoraide, a beira de um “colápis” principiou a gritar. Juvenal correu para o telefone e apertou o botão vermelho, igual lhe haviam ensinado. Alguém atendeu: “Quem está ai?” Ora quem... Juvenal, oras. Dentro de minutos, duas viaturas da polícia estavam levando o Juvenal e a mulher dele para a delegacia. Preso por invasão de propriedade privada. Explicou-se, mostrou sua credencial de funcionário municipal, o crachá do Instituto e a cópia da chave. Apesar de o lugar ser todo automatizado, não carecendo sequer de quem o limpe, as dúvidas pareciam desfeitas. Mesmo assim, o Delegado quis saber mais e reteve o casal. Enquanto isso, o funcionário do Instituto que cuida do observatório por monitoramento remoto, que havia ficado por lá, após a saída da polícia, apavorou a todos que pôde. mandou e-mail, telefonou, enviou fax e gritou. O sinal do qual foi alertado pelo Juvenal, era o sinal de uma aproximação de um meteoro, que vinha feito bala em direção a São José. Iria destruir tudo e pelo que apontavam os instrumentos seria dentro de no máximo duas horas. Nunca mais se soube de nenhum destes personagens, todos pulverizados pelo impacto. Sobraram remotos registros das comunicações do funcionário do Instituto, armazenadas nos servidores das Universidades e órgãos outros que ele manteve contato. Como este nunca se identificou e apenas mencionava o nome do Juvenal, a depressão originada pelo impacto acabou conhecida como Cratera do Juvenal. Hoje, passados mais de cem anos do fato, dois historiadores descobriram que o cientista insistentemente lembrado, na verdade, havia falecido uns bons dez anos antes do nascimento do nosso auxiliar de serviços gerais...

Este conto foi publicado no livro "CONTOS FANTÁSTICOS" da editora CBJE (ISBN 978-85-60489-26-8) 1ª ed. jan 2010, RJ, RJ

Ocirema Solrac
Enviado por Ocirema Solrac em 26/03/2009
Reeditado em 24/04/2010
Código do texto: T1507452
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