Exílio: o voo cego - Parte 5

A estranha figura feminina nascida das entranhas da mata me veio como a mais sublime imagem. Não sabia se boa ou má, mas ao menos, nova. E assim como fez certa vez Dalila, bastou um instante para esta bela criatura cortar as longas mechas da convicção que sustentaram as inflexíveis bases da Liga das Arcas por trezentos anos, reduzindo-a a apenas carcaças enferrujadas a deriva de meias verdades. Lá estava ela, tão delicada quanto selvagem, por mais paradoxal que seja atribuir-lhe ambas facetas. O ar corria por entre seus lábios entreabertos segundo sua respiração ofegante, mantendo-se completamente alheia a nossa presença. Seu olhar rebaixado e sua postura relaxada foram então abandonados logo após a declaração do tenente, enquanto sacava sua arma:

- Parada ai mesmo! Coloque suas mãos sobre a cabeça! Você me entende? Vamos, as mãos, agora! – ordenou enquanto gesticulava com a arma indicando os braços da estranha.

Ao finalmente notar nossa presença, a mulher foi tomada por um espanto ainda maior do que o que presenciávamos. Elevou em seguida os braços cobrindo o rosto, não a fim de obedecer a ordem que lhe foi direcionada, mas sim como uma forma primária de defesa. Ao mesmo passo, recuava em direção a mata fechada, não desviando seu olhar estreito de nós.

- Eu disse parada! – gritou o tenente enquanto sua mira deslizava pelo peito da mulher.

- Tenente, por favor, vá com calma. – intervim energético frente à atitude de Thiago, que me voltou um olhar severo como resposta- Ela é muito mais do que viemos buscando todos esses anos! Mas que droga, todos esses séculos! Por isso, segure esse gatilho. - Ironicamente, não havia me dado conta que também a mantinha em minha mira.

O clima pesava sobre o lugar. De um lado, ela, parcialmente imóvel, mantendo a cabeça inquieta, buscando hora uma rota de fuga, hora alguma explicação para nossa presença. Do outro, nós, fechando o cerco ao seu redor, preenchidos pelo mesmo, mas inconfesso, medo. E foi neste exato instante que este barril de pólvora encontrou sua faísca. Uma nova explosão eclodiu na região da área de pouso ao sul, logo atrás da posição da mulher. Embora cena semelhante já houvesse ocorrido há poucos minutos, desta vez acabou por desencadear uma trágica sequência, iniciada pelo disparo acidental de um tiro nascido de um reflexo mal contido, que acabou por estilhaçar um galho a um palmo de distância da cabeça da suspeita.

Então, tomando apenas um instante, a mulher jogou seu corpo esguio para frente enquanto aplicava seu peso sobre o pé direito, ao mesmo tempo em que estendia os braços em nossa direção, como se empurrasse um peso invisível. E de certa forma, estava. Todo o esquadrão foi imediatamente jogado para trás.

- Mas o que foi isso? Como ela jogou a gente? – perguntou Matheus enquanto ainda estava no chão.

- Pareceu... mágica? O que é ela? – perguntei boquiaberto.

- Algo muito perigoso, acredite. Seja mágica ou não, já não é natural ela estar ai de pé sem uma roupa de proteção. Lucas, capturar seu espécime vivo é um risco. Você vai ter que se contentar com uma autópsia. – disse-me o tenente já em pé, mantendo sua arma apontada para a cabeça da mulher. Logo, uma sequência de tiros foi disparada.

- Não! – gritei ainda tentando impedi-lo. Tolamente, afinal. Apenas após o grito ser lançado, vi todas as balas ricocheteando a pouco à frente da mulher cinzenta.

- Mas que... – porém as palavras não tiveram a força necessária para deixar a garganta de Thiago.

Frente ao homicídio fracassado, tomou a medida mais pertinente aos brutos. Engatilhou sua arma e descarregou o pente em uma sucessão ensandecida. Como na primeira vez, todos os projéteis desviaram de suas rotas, sendo lançados para destinos aleatórios. E um deles encontrou o braço de Henrique em seu caminho. Com o impacto, o geólogo caiu no chão, elevando a mórbida mistura de terra e nano-robôs da superfície. Corri em sua direção para tentar isolar a abertura no uniforme antes que houvesse uma contaminação.

- Rápido, apertem aqui, isso, logo acima do braço. Passem-me o fluido de selamento plástico. Rápido! Matheus, ligue logo o AINE!

Matheus de imediato retirou o pequeno aparelho retangular de sua mochila e acionou-o. Logo a fina poeira mecânica afastou-se da área frente às ondas emitidas pelo aparato. Não demorou para que outro baque fosse ouvido. A poucos passos dali, estendida no chão, mantinha-se desacordada a bela cinzenta.