O HOMEM INVISÍVEL*

Ele sempre foi um jovem inconformado com as mazelas proporcionadas pela vida. Sempre manifestou suas opiniões contrárias aos males da sociedade, principalmente contra a violência que atinge as grandes cidades, mas não somente isso: sempre que podia procurava contribuir para amenizá-las, participando de projetos que tentavam mudar essa realidade, tirando jovens de situações de risco.

Aos vinte anos entrou para a universidade com o sonho de, por meio de seus conhecimentos, ajudar de forma mais efetiva a livrar sua cidade da violência.

Conseguiu se formar em Química, com desempenho elogiadíssimo, não só pelos professores, mas também pelos colegas.

Aconteceu de seu irmão, que trabalhava como fotógrafo de uma grande revista, ser assassinado a bala numa briga entre traficantes e a polícia. A partir daí teve uma idéia que não lhe saiu mais da cabeça: descobrir uma fórmula que o tornasse invisível e, com facilidade, tivesse acesso a diferentes lugares, possibilitando-lhe desfazer as quadrilhas que agiam em sua cidade.

Passou a ficar horam sem-fim trancado no laboratório improvisado no quintal de sua casa, sem que ninguém soubesse de sua verdadeira intenção.

Eram fórmulas e mais fórmulas que inventava no afã de tornar-se invisível. Certo dia, após mais de um ano de tentativas, descuidadamente deixou cair um pouco de produto em um gato que se aconchegava embaixo da mesa onde experimentava as tais fórmulas. Dentro de pouco tempo, parte do gato havia sumido, mas logo voltou à normalidade. - Heureca, disse ele. Encontrei a fórmula. Basta agora torná-la um pouco mais forte.

Passou então a experimentá-la em si próprio e percebeu que obteve êxito. Conseguia entrar nos mais diferentes locais sem ser notado. Só precisava tomar a precaução de observar as horas, pois a fórmula durava somente cerca de doze horas.

Partiu então para seu objetivo principal: infiltrar-se no meio das quadrilhas que levavam pânico a sua cidade.

Foi aos morros, aos subúrbios, às prisões. Nestas descobriu que "muita gente grande" pertencente à Polícia estava envolvida muitas vezes com o tráfico ou era conivente com ele.

Os marginais e até mesmo a Polícia ficavam confusos com algo muito estranho que vinha acontecendo nos últimos tempos: documentos comprometedores desapareciam misteriosamente e caíam nas mãos de quem tinha compromisso com o término das ações de pessoas inescrupulosas.

O homem invisível estava feliz. Conseguira colocar na cadeia os que brutalmente assassinaram não só seu irmão, mas também centenas de de pessoas inocentes, vítimas do tráfico e das gangues. Durante um bom tempo a paz passou a reinar naquela cidade.

Mas alguma coisa começou a incomodar o homem invisível. O efeito da fórmula passou a extrapolar as doze horas. Mais ainda: não precisava mais da fórmula para tornar-se invisível. Observou também que no início ficava invisível, mas conseguia sentir seu corpo, ao tatear-se, coisa que não mais conseguia fazê-lo.

Começou a entrar em desespero e procurava uma fórmula que o tirasse, agora, desse pesadelo e o trouxesse à vida normal. Não queria ficar invisível para sempre, só queria ser ele novamente. Dia após dia ficava trancafiado em seu laboratório. Tudo em vão. Sentia seu corpo fragilizado e como que a desintegrar-se.

Foi assim que um dia... desapareceu por completo. Desde então a rotina voltou a imperar naquela cidade.

* COSTA, LAIRSON. Contando Histórias. Belém: L & A Editora. 2005.