Voz de pato - Final

Sabem aquelas velhas histórias de sereias seduzindo os homens da superfície e levando-os para o fundo do mar? Então... é tudo verdade! Nunca mais voltei para a superfície depois daquela viagem. Minto: voltei uma vez sim, bem rápido, para regularizar umas documentações pendentes lá em Londres, capital do planeta. Nunca mais depois disso...

Alugamos, eu e Nereida, um micro-habitat a uns 5 quilômetros de Aqualung-15. Os casamentos inter-espécie entre Homo Sapiens e Homo Aquaticus começavam a se tornar comum, e as imobiliárias logo identificaram nisso um novo nicho de mercado. As novas casas, diretamente presas ao fundo do mar, sem teto artificial de habitats em forma de cúpulas gbeodésicas rodeando-as, possuiam dois pavimentos com ambientes distintos. O superior era aéreo, preenchido de nitroheliox-3 renovado regularmente, destinado à metade sapiens do casal que ainda respirava ár seco a maior parte do tempo. O pavimento inferior era para a espécie Homo Aquaticus, com todos os confortos subaquáticos a que estavam acostumados nas metrópoles parecidas com a Nova Atlântida. O quarto do casal ficava exatamente no meio dos dois pavimentos, onde se localizava a piscina interna de acesso entre os pavimentos, que eu e Nereida chamávamos carinhosamente de nosso "ninho de amor".

Tritão nasceu cinco meses depois. Nosso "hibridozinho sapeca", como o chamávamos carinhosamente, era muito mais Homo Aquaticus do que Homo Sapiens, por isso sua gestação foi bem mais rápida. Os Homo Aquaticos estavam preparados muito mais rápidos para encararem seu mundo de áqua salgada! No caso dele a mistura genética favoreceu a evolução para o lado dos "aquaticus": apesar de ainda usar o implante branquial, ele o dispensava a maior parte do tempo, pois conseguia em parte respirar naturalmente pelas brânquias... Mesmo pouco eficiente, ele já separava naturalmente o oxigênio dissolvido nas águas. Aperfeiçoada, provavelmente a geração de nossos netos dispensaria totalmente o tal implante branquial, e enfim seriam senhores das regiões subabissais. Tudo dependia dele se casar com uma híbrida sapiens-aquaticos, capaz de lhe fornecer este segundo salto evolutivo... Bom, saberíamos providenciar isto no tempo certo!

.........

Gaia já estava em seu sétimo mês de gestação. Tinha puxado mais para o lado "sapiens" do pai, e ao que tudo indicava nasceria mesmo depois de 9 meses como era o normal de sua espécie. Suas fendas branquiais eram bem reduzidas, e provavelmente não seriam funcionais nem com o implante. Era o risco que se corria nas combinações genéticas inter-espécies!! Nereida sabia desta possibilidade, e deixava claro para todos o quanto se sentia privilegiada em poder gestar dentro dela duas espécies tão particulares! Alugamos uma casa nova, capaz de criar os dois filhos. Mesmo porque Tritão, hiperativo, precisava de mais espaço para nadar, explorar as novas características da espécie.

Certo dia senti saudades do espaço. Perguntei a Nereida se ela não tinha vontade de conhecer outros mundos, outros planetas, luas... Percebi sua confusão. Lógico que ela sabia da existência de planetas, luas, estrelas, galáxias... Homos Sapiens, Homos Aquaticus, Homo Selenensis, Homo Martianus, Homo Veneras,,, todos aprendiam estes conceitos básicos na infância. Mas os da espécie de Nereida tinham uma desvantagem: debaixo de 2500 metros de águas escuras, eles podiam até entender o conceito, mas careciam de uma idéia prática do que seria uma "Lua". Muito menos planetas e estrelas...

- Existe uma lua de gelo chamada Europa, girando em torno de Júpiter. Você iria adorar! Um "planeta" todo feito de mar coberto de gelo!

Ela me olhou sem compreender. E o que ela não compreendia era a idéia, pois eu já havia melhorado e muito no idioma dos gestos. Pensou muito, e enfim ergueu os dedos indicador, médio e anular, prendendo o mindinho com o polegar. Era o sinal que todos conheciam do tridente! Ela repetia sem parar: "Netuno, Netuno, Netuno!!"

Eu já havia entendido. Mas ela, sem ter certeza se eu havia compreendido completamente, soletrou para deixar claro que mencionava o nome do planeta, e não do Deus em quem o seus acreditavam:

"N-E-T-U-N-O! N-E-T-U-N-O!!"

Bom, breve haveriam viagens acessíveis para lá! E certamente, com a crescente miscigenação entre Sapiens e Aquaticus, logo desenvolveriam nas naves acomodações adequadas para esta duas espécie. Por que será que nem me surpreendi quando ela me revelou ser este seu planeta preferido no Sistema Solar?

*** FIM ***