Expresso Transcroniano - parte 2

*** Einstein se encontra com Asimov ***

O Maglev chegou à estação. Pousou na plataforma com leveza. Ele sabia que multidões o aguardavam lá fora, por isso precisou ser cuidadoso. Se disfarçou, pintou sua cabeleira branca, por exemplo, apesar de se orgulhar delas. Tentou se fazer invisível. Na pressa, alguns fios brancos sobraram. Ele não se importava.

Os vagões iniciais eram de passageiros. Os finais, de carga. A viagem era cara demais, não fazia sentido separá-los. Entrou quando a porta do vagão se abriu. Procurou seu assento. Mal pôde acreditar quando viu quem seria seu companheiro de viagem!

- Doutor Einstein! Quanta honra! - se ergueu logo o passageiro, revelando a identidade que ele tentava a todo custo esconder.

A cabeleira despenteada já apresentava alguns fios brancos. Por desleixo em colori-los, como dito antes.

- A honra é toda minha, Doutor Asimov!

- Seria audácia demais te pedir um... - e tira um bloco de autógrafos do bolso.

- Mas que coincidência! Eu estava para te pedir o mesmo!

Albert não conseguia conter-se de curiosidade.

- Buscando inspiração para histórias novas, Doutor Asimov?

- Pode me chamar de Isaac, Doutor!

- Só se me prometer também me chamar de Albert!

Einstein estava ansioso, tentando encontrar uma brecha para continuar o diálogo com seu autor (tardiamente) favorito. Asimov igualmente, em relação ao que ele considerava ser a maior mente do século XX.

- Sabe, Asimov... digo, meu caro Isaac! Tive contato com suas obras tardiamente! Depois que comecei a viajar no expresso, para ser mais preciso.

- Nasci nos anos 20, meu velho... - disse por puro costume, pois em aparência ele já era bem mais velho que Einstein. Como ele mesmo descreveria na obra que lhe martelava a cabeça, ele era "fisiotemporalmente" mais velho que Einsteins na atual situação. - Lamento minhas obras não terem feito parte de sua juventude...

- Antes tarde do que nunca, Isaac! Depois de ler um de seus livros que comprei na estação 19-70, não consegui mais parar! Vem do futuro? Tem coisas novas para contar de lá?

- Talvez eu revele o que vi, ou talvez eu influencie o futuro que vi, o faça acontecer... Ninguém ainda desvendou as soluções as equações temporais, né? As relações de causa-efeito, como uma influencia a outra... Nem os computadores positrônicos do século 20 conseguiram simular isto de forma confiável.

- Uma vez discuti isso com seu xará...

- Outro Isaac?

- Sir Isaac Newton. Sabe que ele quase chegou perto da minha teoria da relatividade? Só lhe faltaram as ferramentas matemáticas adequadas. Era mesmo um prodígio esse baixinho invocado, hehehe. Precisou inclusive desenvolver as ferramentas matemáticas que lhe faltavam na época para desenvolver sua própria teoria física...

- Você lhe deu algumas "dicas", Albert?

- Lógico que não, meu caro! Sabe que isto é proibido. Apesar dele ter insistido muito. Esperto demais este sujeito! Quase me faz revelar informações científicas do futuro! Mas quando ele começou a me perguntar se, "teoricamente", ele enfatizou bem, o próprio tempo não poderia ser encaixado como variável adicional em equações de equilíbrio quadridimensionais, precisei cortar logo a conversa. Percebi bem onde é que ele pretendia chegar...

- Talvez os Controladores Temporais fiquem mais flexíveis...

- Difícil, meu caro! Parece que já cederam demais ao revelar tecnologia suficiente para que a humanidade chegasse à lua em 1889!! Parece que na linha temporal natural isto só acabaria acontecendo em 1969!

- Caramba! Depois da chegada do homem a Marte, nos anos 50?

- Nesta linha temporal (segundo soube por outras fontes), o homem só chegava em marte perto de 2025!

- Não acredito! E em que gastaram o tempo neste período todo?

Einstein se calou.

- É isto que você veio fazer aqui em 2050, não é, Einstein?

- Estou proibido de te revelar qualquer coisa sobre isso, meu amigo. Você entende, não é?

- Não precisa entrar em detalhes.

- "O bater das asas de uma borboleta cá..." - começou a citar Eisntein, - "... pode causar um tufão acolá."

- Entendi, amigo! Entendi! Às vezes me esqueço desta minha autorização especial que tenho para revelar fatos futuros.

- Que nem é tão livre assim, se eu bem sei, né? - e dá uma piscadela.

- Sim, tem uma censura temporal. Mas...

- Você a dribla, não é? Relaxa, Isaac! Nunca vou contar sobre as revelações codificadas que você coloca nos seus livros! - e ri com sarcasmo: - Fundação, não é? Andrew Harlan, a Eternidade... Hehhe! Bem sutil mesmo...

Asimov se sobressalta.

- Como? Eternidade? - ele está confuso! - Está na minha cabeça ainda, Albert! Ainda não escrevi este livro...

- OPS!!! - Einstein percebe seu deslize imperdoável. - Em que estação você salta?

- Estação 19-54. Ou seja, em 1954...

- Desculpe, meu caro! Esqueça o que eu disse... - Einstein estava branco feito papel. Asimov percebeu que tinha um trunfo na mão.

- Você me revelou meu futuro sem querer. Pode me revelar também o seu para compensar, caro Albert...

- Não posso, você sabe!

- Uma dica só! Não vai machucar ninguém!

- "O bater de asas de uma..." - começou Einstein, logo interrompido.

- Já sei, já sei! - olha para o bilheteiro se aproximando, e retira seu bilhete do bolso. - Só me dê a dica, OK? Saberei codificar isto de um jeito discreto, como você mesmo disse.

Einstein se sentiu rendido. Não tinha mais como esconder...

- Uma descoberta nova, amigo! Mas precisei levar os manuscritos para 2050.

- E por quê?

- A humanidade não estava preparada para ela em 1905... Vi o que fariam com ela numa de minhas viagens para o futuro.

- E igual a MC ao quadrado...

- Ei!! - Einstein arregalou os olhos. - Onde você ouviu isso?

- Estou vindo do futuro, meu caro. Esqueceu? Além de 2050. Depois de você ter entregado os manuscritos...

- Não revele para ninguém, Asimov! É perigoso!

- É sua descoberta maior! Vi isto em outra linha histórica paralela!

- Viu sim, meu caro! Numa linha histórica sem fim. Ou melhor, COM fim!! Um fim definitivo!

- E você? Pára em que estação?

- Na 19-00. Tempo suficiente para tirar meu equivalente da jogada...

- Seu equivalente? - Asimov entendeu rápido. - Você fala do OUTRO Eintein? Vai... - temia perguntar. - ...matá-lo?

- Meu caro, seria incapaz de me matar! Mesmo existindo num corpo espacialmente separado do meu. Acredito que consigo convencê-lo a embarcar para o futuro. Ele será útil nos anos 2100 alternativos, nos quais minha teoria completaria 50 anos! Será o mais indicado a dar continuidade a ela.

- Sair da própria época, Eintein? Viver num futuro desconhecido?

- Ele é bem compreensivo, meus argumentos são fortes o bastante para convencê-lo. Sei disso, pois ele sou EU mesmo! E, pra falar a verdade, é exatamente com isso que eu sonhava na época! Só não tive a oportunidade... Mas nunca a negaria a meu equivalente!

Asimov refletiu por um tempo. Enfim, exclamou:

- Isto daria uma história maravilhosa, caro Albert Einstein!

- Que você está terminantemente PROIBIDO de escrever, meu caro! - cochichou Einstein em seu ouvido. - Nem preciso te explicar o por quê, não é?

Um robô, seguindo trilhos marcados no chão do vagão, oferece:

- Champanhe, senhores?

- Tem uísque? - perguntou Asimov. Diante daquilo tudo, ele precisava mesmo de algo mais forte...

O cérebro positrônico interpreta as informações.

- Aguarde, providenciarei.

Os dois passageiros prosseguem a viagem mudos. Tinham tanto para falar um com o outro! Mas ficara claro agora que ambos vinham de linhas temporais diferentes! Embarcando juntos de bifurcações alohistóricas distintas, graças ao desleixo de algum inspetor de comboios descuidados. Adorariam conversar sobre muitas coisas, mas ambos sabiam que qualquer tipo de nova informação trocada poderia ser desastrosa.

Prosseguiram calados até a próxima estação.

*** CONTINUA ***