O Algorítimo da Involução - 2 - Questinando a Nova Existência

Em poucos minutos o veículo entrou em outro estacionamento subterrâneo. Subiram sem demora ao pavimento superior usando as esteiras inclinadas. Um enorme Shopping Center se exibia aos olhos de Adam. Muitas pessoas vagavam pelo lugar, mas o novo visitante percebeu algo de estranho. As pessoas estavam ali, porém, pareciam não ter nada para fazer naquele lugar. Adam não sabia explicar a sensação que tomou seu corpo. Algo estava faltando.

O objetivo do passeio estava sendo alcançado. Herbert queria que seu novo amigo observasse os habitantes de Titã, uma pequena amostra de quase todos os seres humanos.

Depois de um rápido passeio e de um lanche de proteínas sintéticas devidamente saborizadas e aromatizadas artificialmente, eles voltaram ao centro de pesquisas.

-Como é que você come? – Perguntou Adam quando voltavam do passeio, surpreso ao ter visto uma máquina fazendo um lanche.

-Sou um computador com biosuporte, isto é, tenho partes vivas e circuitos cibernéticos. Preciso, então, de alimento.

-Pessoas estranhas, hein? – Disse Adam, querendo puxar conversa.

-Você está falando de mim... ou deles?

-Deles, ora!

-Fácil perceber, não é? E isto está acontecendo com todas as gerações desde a implantação da nova Arquitetura Humana. – Respondeu Herbert, com um sorriso desolado. – E é este o motivo do seu retorno. Você foi o escolhido, Adam.

-Como assim, o que é que está acontecendo?

-O objetivo estratégico foi traçado pelos comandantes antigos. A tecnologia já existia há algum tempo, faltava a decisão de colocá-la em prática. O novo desenho humano, indicado pelos biocomputadores quânticos, seria o responsável pelo renascimento de uma nova sociedade, um novo ser humano, pessoas melhores.

-Mas, qual o objetivo? – Perguntou Adam, parecendo nervoso.

-A felicidade plena, ora. Esta sempre foi a busca principal! Ocorre que, algo parece ter saído errado. A estratégia fria dos algoritmos indicou a eliminação dos conflitos como a porta de entrada para uma humanidade feliz. Tido isto como uma verdade básica, era só uma questão de eliminação de tal entrave.

-Parece lógico... e louco. – Disse Adam, sem saber bem o que pensar.

-A tática foi eliminar as dimensões originárias dos conflitos: a percepção, as sensações e a ação de resposta. As alterações da arquitetura cerebral se deram a partir da eliminação das amígdalas límbicas dos dois hemisférios cerebrais. Isto torna o ser dócil, indiferente. Depois foi feita uma intervenção no hipotálamo, de forma a reduzir a ansiedade, as sensações de pânico. Feito isto, procedeu-se a implantação. Modificações genéticas foram introduzidas e todos os nascimentos começaram a obedecer ao novo padrão.

Adam ouvia em silêncio, mas não gostava do que estava escutando. Tudo voltava a sua memória causando uma sensação ruim. Ele participara dos primeiros estudos que levaram a elaboração daquele plano desastroso. Quando percebeu a intenção dos financiadores do projeto, não só o abandonou, como se colocou em oposição a ele. Isto custou caro a sua carreira. Alijado de seu posto no centro de pesquisas, foi também banido dos mais importantes centros de discussão científica, até que sumiu, misteriosamente.

-Eu era frontalmente contra este plano! – Exclamou Adam.

-E é somente por este motivo que você está aqui, hoje. Seu material genético foi preservado como uma espécie de troféu. Um sarcasmo do comando superior, sem dúvidas.

-Somente o meu?

-Por questões de segurança, todo o material genético, fora o seu, foi eliminado. Embora o protocolo apontasse na direção de um banco genético de reserva, para garantir um recuo, caso fosse necessário, foi decidida a destruição. A questão era: uma eventual proliferação de tal material poderia trazer de a volta a antiga raça, que aniquilaria facilmente a perfeição alcançada.

-Malucos! O que eles fizeram? Em que resultou isto?

-Eis a questão. No início tudo parecia andar bem. A nova geração aparentava se desenvolver dentro do esperado. A harmonia reinava. Estavam erradicadas as mesquinharias do mundo. Uma sociedade igualitária, equânime. A paz, a felicidade, afinal. Mais alguns anos se passaram e as não conformidades se mostraram além do esperado.

-O resultado é aquilo que eu vi lá no shopping? Aqueles seres... sem algo que não sei o que é?

-Exato, meu caro amigo. O plano foi eficaz em eliminar conflitos, desavenças e mesquinharias. Contudo, tal intervenção acabou por excluir coisas importantes para o futuro da raça humana, de qualquer raça, aliás.

-Claro! Acabou com a personalidade das pessoas.

-O plano errou em como abordar o conceito de felicidade. Mas não poderia ser diferente, afinal um conceito tão humano sendo tratado por computadores não tem como dar certo.

Aquelas palavras de Herbert estavam deixando Adam ainda mais confuso. Ele concordava com o que estava ouvindo, mas não fazia sentido. Herbert não passava de um NBQR4, como poderia abordar tais conceitos, criticando planos traçados por computadores ultramodernos, sendo ele próprio um mero processador de dados?

-Mas se você faz uma análise crítica de conteúdo filosófico tão, digamos, pertinente e distante das máquinas, as outras máquinas também podem!

-Não reconheces as palavras? – Herbert perguntou e ficou em silêncio, observando o companheiro. –Acessei meu banco de dados, apenas. Eu não acredito nisso, ou qualquer outra coisa, companheiro.

-Estes argumentos são meus? – Perguntou Adam, boquiaberto e começando a lembrar das coisas.

-Afirmativo, doutor.- Respondeu o cientista autômato, sorrindo.

Diante daquela afirmação, o mais novo habitante de Titã, se recostou na cadeira, pensativo. A confusão em sua cabeça começava a se desfazer. Suas memórias da existência anterior estavam misturadas com as informações novas que tinham sido plantadas em seu cérebro. A dificuldade em lidar com tal quantidade de dados se dava em função, principalmente, de não ter havido uma aquisição gradual do conhecimento. As etapas estavam misturadas e ele teria que aprender a separar as lembranças da vida anterior do conteúdo novo, uma tarefa difícil e nunca tentada antes, mas fundamental para que tudo começasse a se encaixar.

Vendo a expressão fechada e introspectiva de seu pupilo, Herbert pediu licença e se retirou. Fazia parte do programa deixar aquele humano primitivo cultivar seus sentimentos, angustias e fraquezas. Principalmente as fraquezas. Uma em especial.

Sozinho no alojamento, Adam se sentia perdido, desamparado. O rearranjo cerebral causava um turbilhão de conexões. Encadeamentos aparentemente aleatórios invadiam sua mente com uma rapidez que o atordoava. Uma sensação de medo e angustia, misturadas com perda e ausência. Ausência. A falta de Jéssica ao seu lado começava a cobrar seu preço. A imagem de seu rosto sorridente, seus olhos azuis e penetrantes que sempre pareciam chegar até a essência de sua alma. Alma. Seria somente um conceito abstrato? O sopro da vida estaria dominado pela ciência do novo mundo? Mundo. Aquele não era o seu lugar. Aquele não era o seu tempo. Tempo. Um conceito que parecia não fazer mais sentido. Que sentido tem o tempo sem a finitude da vida? Vida. O que se poderia chamar de vida, sem a perspectiva de morte? Morte. Adam não sabia bem como pensar em morte, mas sem Jéssica, preferia estar morto. Pela primeira vez naquela nova realidade, Adam chorou.

O S Berquó
Enviado por O S Berquó em 19/12/2012
Reeditado em 19/12/2012
Código do texto: T4043506
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