O amor de 100 anos - Parte II

O amanhecer veio com certo custo para Carlos, que agora escovava os dentes e já pensava em colocar sua dose de café, sempre dois dedos, estômago abaixo.

- Mas o que foi aquele maldito sonho? Creio que não devo me preocupar com isto, afinal, ontem não foi uma noite fácil... E Jéssica? Como está?

Carlos levantou-se da cadeira onde sentara, e acertou alguns amassados de sua camiseta passando a mão de leve.

- Preciso ir! Não posso chegar atrasado novamente.

No ônibus rumou direto para seu escritório em um edifício comercial bem no centro da cidade. Seu local de trabalho ficava no 32° andar, e tinha uma visão perfeita de todo o horizonte. Ou melhor... Não se podia ver bem o horizonte, pois inúmeros prédios obstruíam sua visão. Mesmo assim valia a pena tal visão.

- Aquela praça era a mesma que eu estava com a Jéssica ontem? Era bem parecida, mas tinha muita coisa estranha. Tinha um ar pesado. Sei lá...

Parado diante do monitor, os dedos de Carlos eram impacientes. Lembrava bem do sonho que tivera há poucas horas. Pensava também na mulher que lhe era bem familiar. Também na sua frase, confirmando que aquele sonho não era normal. “15 de outubro de 2113”.

- Tudo bem contigo, Carlos?

Um dos colegas de trabalho observou seu nervosismo, e preocupado perguntou para desencargo de consciência.

- Sim... Obrigado, Rafael... Estou bem agora, mas ontem não tive um dia bom. Tudo passa... São pequenas coisas.

O Jovem sorriu e confirmou com a cabeça entendendo o recado. Bateu seguidamente nos ombros de Carlos dois tapinhas leves e caminhou para seu setor.

O dia de trabalho passou pesadamente. No caminho de casa ele pensou em ligar para Jéssica. Chegou. Colocou a bolsa em cima do sofá e pegou o telefone espetando os números que sabia desde cinco anos atrás.

- Espero que ela me atenda...

Mas nada aconteceu. O telefone tocou e caiu na caixa-postal. Resolveu, então, ir para a cama mais cedo. Sua mente e corpo não pensavam em outra coisa a não ser uma boa noite de sono. Talvez pensasse, mas sozinho seria difícil.

- Bem vamos lá! É a vida... Não foi minha culpa, mas mesmo assim é a vida. Por que a Jéssica é tão egoísta? Poxa, eu fiz de tudo por ela...

Em meio às palavras ditas para a lâmpada do teto, Carlos adormeceu e roncou.

- Olá! Seja bem vindo novamente. Eu pensei que você tinha morrido de verdade ontem.

Riu gostosamente a garota de pele alva e com lábios bem destacados na cor vermelha.

- Ah... Você de novo!

- Calma. Vamos por partes para não acontecer a mesma coisa de ontem. Não precisa tentar acordar. Isto não é um pesadelo.

- Para mim está parecendo sim! E o que você quer de mim?

O jovem a viu se aproximar, e sentiu a mão quente em seu rosto deslizar. Vestindo um jaleco, ficou parada diante dele. Encarou-o piscando duas vezes.

- Realmente! Seus olhos são bonitos...

- Olhe. Isto não passa de um sonho. Você é uma alucinação que estou tendo devido a esta merda de vida que levo, e em breve vou acordar.

Afastou-se dela e sentou no sofá, o qual seu tecido parecia moldar perfeitamente ao seu corpo utilizando o calor como fonte de informação. O sofá dizia quais eram as áreas do corpo que precisariam de mais conforto.

- Bem... Vou me apresentar. Meu nome é Lilly. Você está pelo menos cem anos à frente de seu tempo. Não é demais? Aqui é minha casa. Estes são os discos dos Beatles que eu tenho guardado.

A garota ajeitou sua vestimenta sentando ao lado dele mostrou todas as capas dos discos.

- Beatles... Eu ouço muito. A Jéssica gosta também. A preferida dela é Yesterday.

Parou. Olhou para o lado. Seu rosto ruborizou, então, levantou-se indo até a janela e parando diante dela.

- Você gosta muito da Jéssica, não?

Lilly parou ao lado de Carlos e afastou a cortina mostrando um cenário luminoso e com objetos voando entre os prédios. O céu era de um tom dourado claro. As pessoas andavam agitadas em seus carros-tempo.

- Meu Deus... Isto é o futuro mesmo!? Por que eu estou vendo isto?

O jovem deu passos para trás, e com o queixo ainda caído encarou Lilly. Ela com um rosto alegre o tranquilizou fazendo com que voltasse a sentar no sofá.

- Olha, Carlos... Daqui a pouco você vai acordar. Preciso perguntar se você vai querer me ver outras vezes. Não posso ficar invadindo sua mente sem sua permissão.

- Mas como assim? Você quer me ver?

A jovem meneou a cabeça confirmando.

- Aqui é seu lugar. Eu trabalhei durante anos para conseguir manter esta comunicação contigo. Gostaria que você pudesse dar a oportunidade de mostrar o que posso fazer.

Carlos em silencio apenas ouviu. Abaixou a cabeça.

- Creio que estou ficando louco. Com é possível você conversar comigo em um futuro que provavelmente estarei morto!?

- Escute. As particularidades do seu tempo-espaço, e do meu tempo espaço, não foram alteradas. Você continua no lugar e no tempo que está agora. Eu idem. Apenas aproveitei as interferências dos sinais colocando-os paralelamente.

- Não compreendo. E você é o que? Uma médica?

- Não tenho mais tempo. Gostaria de saber se gostaria de me ver mais vezes. Eu conto detalhe por detalhe.

Os olhos de Lilly pareciam tristes. Juntando as mãos do jovem com as suas, apertou levemente como se não quisesse deixá-lo ir embora. Então, aproximou os lábios e o beijou carinhosamente.

- Diga-me...

- Sim... Gostaria de rever você novamente.

Carlos pronunciou as palavras em um soluço e se aquietou.

- Ótimo! Visitar-te-ei outras noites. Você não estará mais sozinho. E em breve estaremos juntos.

Lilly levantou do sofá em um pulo. Marotamente ajeitou os cabelos que insistiam em cair no seu rosto.

- Beijinhos...

Acordou com o sol batendo em seu rosto. Levantou e esfregou os olhos soltando um pequeno grito e passou os dedos nos lábios.

- Não... Não estou ficando louco. Isto foi real! Lilly existe. Ela é muito familiar, mas não consigo descobrir de onde é esta sensação.

Carlos mal podia esperar a próxima noite. Há dois dias terminou seu relacionamento. Hoje, começou outro.

Chronus
Enviado por Chronus em 16/05/2013
Reeditado em 16/05/2013
Código do texto: T4292974
Classificação de conteúdo: seguro