O amor de 100 anos - Final

Carlos esperava ansiosamente por suas próximas instruções. Estava tão convicto que tudo aquilo que acontecera nos últimos dias era tão real que evitava pensar muito nas possibilidades daquilo ser um conto de ficção científica bem elaborado.

Final de semana, sozinho em casa, o rapaz observava o calendário atentamente. Passaram duas semanas desde que Lilly o contatou. Após este dia, nada de conversas, nada da jovem passar as instruções.

Questionamentos, não da veracidade dos fatos, mas da finalidade da conversa começavam a surgir.

- Creio que se Lilly não me passar nada até o dia 22 de setembro, eu vou mesmo assim às instalações. Bom... É um risco que vou correr, mas é o único meio de ir vê-la. Ela não pode estar brincando comigo. Não mesmo!

Fechava os olhos e começava a imaginar o pouco que vira do futuro já lhe agradara. Aquele era o seu tempo, o atual tinha vencido. O prazo de validade tinha expirado. Contudo, veio à cabeça fatos tristes. A maioria das pessoas de seu tempo, muito provavelmente, estaria morta.

Suspirava caminhando diante de uma mesa próxima à porta. Pegava o retrato de Jéssica e observava atentamente. Era possível que não teria mais nenhuma relação com nada que fosse próximo a ela. Tirou a foto do porta-retratos, e com cuidado guardou-a na carteira. Esta seria sua única lembrança palpável do passado.

Passou mais uma semana. Em uma noite agradável, depois de um dia exaustivo no trabalho, Carlos adormeceu pesadamente.

- Seja vem vindo! Demorei um pouco, não?

O rosto já tão familiarizado aproximava de Carlos e abraçava-o com carinho. Seu perfume, sua pele, seu jeito infantil aguçavam o sentimento do rapaz. Aqueles sentidos eram parecidos quando ele estava junto a Jéssica. Deveria ser este o motivo de sua paixão pela garota de seus sonhos.

- Bom. Peço desculpas, mas estava um pouco ocupada aqui. Não temos tempo a perder! Vou lhe passar as instruções já!

Pela primeira vez o rosto plácido e de contornos alegres mudou sua expressão para a de um rosto mais sério.

- Veja bem! Daqui uma semana como previsto será apresentado ao mundo a descoberta do século. A máquina capaz de ultrapassar as barreiras temporais. Televisões do mundo inteiro acompanharam de perto tudo isto. Um dia antes, porém, todas as instalações vão ser preparadas para a cerimônia de apresentação. O equipamento de viagem no tempo vai ficar nesta mesma sala de estudos que estamos agora. “Laboratório de Estudos Tempo-Espaço”. Só que o ano vai ser o seu... 2013.

- Tudo bem! Mas como eu vou alcançar esta máquina? A segurança vai estar em peso, também todos os repórteres, curiosos, enfim... Vai estar uma bagunça na porta das instalações.

- Correto! Sua dedução foi perfeita. Contudo, há uma maneira de você conseguir acessar a máquina. O capacitor neuronal, o instrumento que utilizo para comunicar contigo, não é só capaz de estabelecer esta comunicação, mas de conseguir todas as informações a seu respeito. Tipo sanguíneo, possíveis propensões para doenças, entre tantos outros detalhes. O capacitor me fornece também uma planta perfeita de suas digitais. Ou seja, eu posso criar um Carlos em laboratório para mim.

O rosto de Lilly voltou a sorrir. Sua infantilidade voltou à tona, como era seu costume vê-la deste jeito.

- Então o porquê você não faz um Carlos para ti e não se preocupa com coisas passadas?! Afinal, quem vive de passado é museu.

A delicada jovem abraçou com mais força e na ponta dos pés olhou bem para os olhos dele.

- Porque eu amo o original. Nenhuma cópia é perfeita quanto o original. Voltando ao nosso assunto... Você precisa ir à noite que antecede a cerimônia, e deve se portar formalmente, use roupas sociais e apresente-se como Dr. Carlos. Apresente-se com esta denominação na portaria.

- Dr. Carlos? Quer me dizer que trabalho no projeto?

Lilly apenas confirmou com um leve balançar de cabeça.

- Lembre-se, bobinho. Tenho todas as informações suas. Eu apenas modifiquei um pouco e inseri no banco de dados do projeto. Este banco de informações contém todos os detalhes das pessoas que participaram do experimento no passado, no seu caso, e presente, no meu caso. A consulta pode ser acessada por todos.

- Meu Deus! Isto é uma arma! Bom... Pelo menos devo ganhar bem, não? Meu outro trabalho não me paga o suficiente para o mês.

A garota bateu de leve no peito de Carlos e riu gostosamente.

- No futuro, o dinheiro não é importante como na sua sociedade. Descobrimos através de conquistas científicas e disseminamos seus ensinamentos a outros povos. Hoje, todas as nações têm conhecimentos suficientes para acabar com doenças, miséria, entre outras mazelas que afligiram a humanidade por séculos. O dinheiro é apenas um paliativo, e não a razão de vida.

- E a religião existe? Creio que com todos os benefícios da ciência ela deve ter sumido, não?

Lilly balançou a cabeça negativamente e sorriu, agora, afastada.

- Existe! Ciência e divindade caminham juntas. Os cientistas podem explicar muitas coisas, por exemplo, o movimento dos planetas, mas não podemos refutar a ideia que alguma força divina e superior à própria ciência colocou estes em movimento.

Carlos sorriu e pareceu entender a explicação. Finalmente as pessoas progrediram e alcançaram a plenitude.

Em seu traje branco, Lilly olhou com olhos meigos e se sentou em uma mesa ao lado da banca de testes.

- Carlos, olhe bem! Na noite que antecede, você vai passar pela recepção e se identificar como Dr. Carlos. Irá passar a digital para reconhecimento e será liberado para adentrar a sala do protótipo temporal. Você terá uma única chance, pois assim que sentar no equipamento, as sirenes serão acionadas, e a segurança será informada.

Ele, então, começou a compreender do risco de sua missão, contudo mesmo assim manteve-se firme diante das explicações.

- Ajuste seu cronômetro para 15 de outubro de 2113. Abaixo da data coloque as coordenadas: 23°1'52"S 45°33'41"W. Você será direcionado para a praça do nosso primeiro encontro. Reafirmando... Esta máquina é um protótipo. Ou seja, há probabilidade de 50% de dar algo errado.

- Ahhh sim! Fico muito feliz com esta parte da informação. Mas e a máquina? Como fica?

- Como eu tinha dito... Uma semana depois ela será destruída. Pois bem! O tempo de viagem, o qual chamamos de “fisio-tempo” é de uma semana. Quando você chegar ao ano de 2113, vai ter passado uma semana de “fisio-tempo”, justamente alguns minutos antes dela ser destruída. A máquina vai sumir como se nunca tivesse existido. Ela simula um paralelo temporal padrão. Há duas realidades parecidas. Mesmo que você faça a viagem no tempo, a máquina continuará a existir no passado. Entretanto, se um de seus parâmetros for destruído, sua existência entrará em conflito e sumirá. As realidades dos atuais tempos de ambas serão pouco afetadas.

Compreendera que viajar no tempo não seria tão simples como imaginara.

- Carlos! Está em suas mãos! Preciso ir. O nosso tempo acabou agora, mas pode durar a vida toda. Tudo depende de você.

Lilly começou a chorar e aproximou-se como uma gata manhosa e colocou a cabeça sobre o peito do seu homem como fosse se despedir ou esperando algo pior.

- Tome muito cuidado!

O rapaz abraçou e sorriu

- Logo estaremos juntos!

O dia já estava firme e bem quente. Os olhos bem abertos e olhando para o teto. Havia uma semana antes do teste final.

Dia 21 de setembro de 2013. O grande dia, ou melhor, a grande noite tinha chegado. Carlos vestira como pedido, e olhava a tudo atentamente. Ao mesmo tempo um misto de tristeza e alegria dividia seus pensamentos. Antes, um último telefonema para Jéssica. O telefone começa a chamar.

- Alô, Jéssica?

- Carlos! Tudo bem contigo? Faz tempo que não nos falamos... Eu não liguei de volta, pois você tinha me dito que não deveríamos nos falar mais.

- Eu sei. Mas estou ligando para me despedir.

- Despedir? Você vai embora para onde?

- Uma viagem muito longa! Estou me despedindo, e queria dizer que foi muito bom te conhecer. Aprendi muito contigo.

- Sim. Entendo! Digo o mesmo, Carlos.

- Saiba que sempre estarei contigo de algum motivo. Não vou me separar de ti.

Jéssica ficou em silêncio, e depois um sussurro agradeceu por tudo que tinha passado com ele. Desligou. Seria a última vez que iria ouvir sua voz. Pegou os documentos e ficou a observar aquela casa com sua luz baixa e silenciosamente fechou a porta.

Estava um tumulto de carros de Tvs, repórteres e um grupo grande de curiosos à frente da instalação militar. Carlos passou por entre todos e aproximou-se do guarda da portaria mostrando o documento.

- Dr. Carlos!

O guarda nem questionou sua autoridade, já tinha ouvido falar do chefe da secção Tempo-Espaço. Afastou o corpo dando passagem. Pelo o corredor ele deparou-se com outra portaria. Lembrou-se do que Lilly disse e passou sua digital no aparelho de identificação, este confirmou seus dados permitindo sua passagem. Caminhou até a sala que era para estar.

Na sala avistou o maquinário reluzente e semicoberto por um pano branco. Tirou o pano e avistou com mais calma todos os detalhes das peças e engrenagens bem trabalhadas. Sentou-se e colocou a data pretendida apertando as teclas ao lado. Ajustou também as coordenadas de espaço que estavam frescas em sua memória. Por via das dúvidas ele anotou em um papel. Sabe como é nossa memória quando mais precisamos, não?

A máquina pareceu funcionar e tremer. Será que funcionaria? As sirenes começaram a tocar e passos pelo corredor estavam cada vez mais próximos da sala. Quando seguranças e chefes do departamento adentraram o lugar encontraram-o vazio.

Carlos viajara cem anos à frente de seu tempo. A máquina estacionou em um espaço mais isolado da praça. Luzes internas se apagavam aos poucos. Atordoado pelos efeitos da viagem ele saia.

- Fez boa viagem?

Uma sombra aproximava revelando seus contornos femininos, agora, reais. Lilly transbordava felicidade e com as mãos para trás aproximou mais de Carlos.

- Ficou com medo?

Carlos não disse nada, apenas a abraçou e ambos ficaram uns minutos em silêncio, neste período de tempo, a máquina que estava próxima deixou de existir. Sumiu na eternidade.

- Venha! Vamos para minha casa. Deve estar com fome, não?

- Sim. Um pouco.

Ambos abraçados saiam da praça movimentada com seu céu sendo riscado a todo o momento por veículos circulares de um lado para o outro. Em casa, os dois tiveram mais tempo para se conhecer melhor e matar a saudade daqueles sonhos.

Carlos parecia não acreditar e olhava em silêncio para o teto.

- Qual é a data de hoje?

- 15 de outubro de 2113.

- Ahh... Como o tempo passa rápido, não?

Lilly com seu corpo coberto apenas por uma fina manta sorria abraçada às costas de seu amante.

- Realmente como minha avó sempre falava de você!

- Avó? Como assim?

Ela levantou-se e pegou o álbum-tablet ligando e apontando para Carlos.

- Esta pequenininha aqui sou eu. Esta a minha mãe. E esta aqui...

Olhou incrédulo o que viu.

- Jéssica?

- Exatamente! Esta é a minha avó, Jéssica! Infelizmente não está mais aqui. Morreu faz 20 anos. Ela me falou muito de um namorado que teve quando era mais nova. Falou de todos os detalhes físicos. Disse também que ele era muito amoroso, e que por acaso do destino, não deram certo. Eu ouvia todas estas histórias e ficava encantada. Finalmente, depois de muitos anos de estudos, esta história passou a ser verdade.

Carlos ainda assimilava. Pegou a carteira sobre a escrivaninha ao lado e tirou a foto olhando atentamente. A mulher olhava sorrindo.

- Nossa! Como ela era bonita mais jovem.

- Ela é como você! Por estes sentimentos é que me apaixonei de imediato. Você é igualzinha à sua avó. E quem é este aqui?

Lilly olhou.

- Meu avô, Luís. Ela o conheceu quando trabalhava no escritório de advocacia. Ela o amou também, mas não como amou você.

O rapaz ficou em silêncio e depois esboçou um sorriso. Concordou que ambos foram felizes. Ele no passado com Jéssica e agora com Lilly. Jéssica com ele no passado e depois continuou a ser feliz. Suspirou e fechou os olhos.

- Será? Que Carlos está bem?

Pensou absorta Jéssica olhando da janela do escritório os topos dos prédios.

- Olá! Tudo bem? Chamo-me Luís. Gostaria de jantar contigo hoje. Conheço-te muito tempo, mas nunca tive oportunidade de conversar formalmente. Você aceita a minha proposta? Jéssica tomou um pequeno susto, ruborizou e disse um pouco trêmula.

- Claro. Podemos sim!

Seu companheiro de trabalho sorriu e confirmou escrevendo em um pedaço de papel, com a data de 15 de outubro, o horário do encontro. Jéssica aceitou, pegou o papel e meneou a cabeça. Luís saiu da sala e atravessou o corredor.

Voltou a ficar absorta e pensou mais uma vez em Carlos.

- Espero que seja feliz onde você estiver. Obrigado, Carlos! O tempo não irá apagar o que passamos.

Fim

Chronus
Enviado por Chronus em 26/05/2013
Reeditado em 26/05/2013
Código do texto: T4310257
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