O Contato

Era de se esperar que um dia conseguíssemos superar as dificuldades da matéria e descobrir novas formas de vida em planetas distantes. Obviamente, nossos antigos corpos constituídos de materiais orgânicos não sustentariam milhões de anos luz de viagens espaciais, atrás de alguma onda vagante eternamente pelo vácuo que nos levaria incondicionalmente a um planeta provido de outras formas viventes. A bem da verdade, fazem três milhões de anos que vagamos atrás de uma pequena fagulha quase inaudível, mas que nos provou justificadamente de que provinha de outra forma inteligente de vida, claro, três milhões de anos não representam nada, agora que nossos corpos - se é que assim podemos chamá-los — são noventa por cento máquinas, chapas, ferragens, parafusos e a única parte sobrevivente dos tempos da carne, muito bem conservada em uma “cripta” criogênica em cada corpo — o cérebro. A única peça que não conseguimos imitar com perfeição.

Mas, voltando ao fato, estamos a pouco tempo de distância de um pequeno planeta, num longínquo sistema solar, chamado Terra. Captamos aquele primeiro sinal há três milhões de anos antes, e, agora, estamos aqui, quase entrando em sua órbita. Os monitores estão se preparando para pedir permissão para aterrissagem dentro de vinte e duas horas, se bem que não captamos mais nenhum sinal já fazem quinhentos mil anos de anos, mas as coordenadas indicam que os sinais vieram deste planeta.

É estranho que não tenham respondido ao pedido de aterrisagem. Começo a desconfiar que não eram daqui aqueles fabulosos sinais que captávamos no decorrer dos primeiros seis milhões de anos de viagem. “Aqui é a voz do Brasil”... “o sucesso do momento: Beatles”... “rádio FM transmitindo em ondas altas a cento e quatro megahertz”... Como era agradável ouvir o som que transmitiam, dava vontade de chegar de uma vez para conhecer a origem de vozes tão melodiosas. É uma pena que o último som que captamos tenha sido um barulho horrível de explosões e chiados desconexos, tendo obrigado os monitores de desligarem os aparelhos receptivos devido a cacofonia de sons perturbadores para nossos ouvidos, ainda que constituídos de artefatos artificiais específicos. Depois desses aterradores barulhos, não conseguimos escutar mais nada que viesse daqui, muito embora os monitores estarem certos da localização exata do pequeno planeta de que foram originários: Esse pequeno planeta terra.

Burlamos o pedido de aterrisagem - naturalmente por falta de respostas. Fazem algumas horas que entramos na atmosfera do planeta e estamos preparando a pista de frenagem e os planos de pouso. Aparentemente vamos aterrissar numa área deserta, visto que não há sinais de construção há quilômetros de distancia de onde nos localizamos — contando que nossa vasta visão artificial propicia milhares de quilômetros visuais.

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Enfim, aterrissamos. Se ainda fôssemos constituídos de carne, eu diria que essa atmosfera teria sido afável com nossas antigas exigências de sobrevivência. Quase posso afirmar que me sinto leve com o ar daqui se não fosse pelo fato de obter apenas os dados numéricos da estratosfera do planeta. Desvantagem dos corpos-máquinas.

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Vários dias de viagem na superfície do planeta e não encontramos nenhuma forma de vida até agora. Os exploradores estão perdendo as esperanças...

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Localizamos uma abertura profunda na superfície; dentro de algumas horas, desceremos cautelosamente à procura de algum vestígio...

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Um dia e meio de descida. Nada encontrado..

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Finalmente. contatamos o primeiro terráqueo. Foi uma recepção simples a vários quilômetros abaixo da superfície. Eles nos contaram o motivo da barulheira que ouvimos três milhões de anos antes. disseram que não foram eles, mas outra raça maior e mais “evoluída” que se auto destruíram através de estranhas “armas nucleares” — novidade para nós. A comunicação é perfeita, e agora dou mérito a nossos ouvidos artificiais que conseguem captar as vozes de nossos anfitriões, coisa que não conseguiríamos se ainda fôssemos carne. Eu, particularmente, achei interessante o nome que deram para a sua raça. também achei interessante a morfologia desses gentis seres, com suas anteninhas e seus membros locomotores perfeitamente desenvolvidos. Dizem eles que são a única raça sobrevivente no planeta. Comentam que adorariam poder nos presentear com as vozes melodiosas que ouvíamos nas transmissões, mas seus órgãos de comunicação não são desenvolvidos como os seres da antiga raça que dominava o planeta — raça essa que os desprezava. Mas se sentem felizes por viverem harmoniosamente e livre de qualquer ameaça, e orgulham-se de serem os únicos capazes de sobreviver a destruição devastadora que arrasou as outras espécies de vida no planeta. Certamente, formaremos uma amigável aliança com esses pequenos que nos receberam calorosamente - e que se autodenominam baratas.

Andrios S Moreira
Enviado por Andrios S Moreira em 22/05/2007
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