Pro Dia Nascer Feliz

A comandante Sonya Pajak foi a primeira a despertar do sono criogênico, assim que a "Dânae" cruzou a borda exterior do sistema Kepler-186. Como a velocidade da nave estava sendo reduzida para níveis interplanetários, levariam ainda cerca de três dias até chegar ao destino da missão, o quinto planeta, séculos antes batizado apenas como Kepler-186f. Na ponte de comando vazia, mergulhada em obscuridade interrompida apenas pelas luzes-piloto nos painéis, olhou para as estrelas na tela de observação frontal. Não compunham nenhuma constelação conhecida, e mesmo o astro central do sistema visto dali era pouco mais que uma estrela vermelha brilhante, não particularmente notável.

- Temos informações da Terra? - Perguntou ela em voz alta.

Através de um alto-falante oculto, uma voz feminina sintética respondeu:

- Não se preocupe, comandante. Não deixou a luz acesa ao sair de casa.

Pajak fez um muxoxo.

- Grata pela informação, Dânae. Imagino de quanto seria a conta, com juros e correção monetária, se houvesse esquecido...

Afundou em sua poltrona giratória e deixou seus pensamentos divagarem. Quase 1.000 anos haviam se passado desde que haviam partido da órbita terrestre, todas as pessoas que ela deixara para trás haviam morrido há séculos e era uma incógnita se aquela missão exploratória ainda seria de alguma utilidade para seus descendentes.

- Durante o tempo em que estive dormindo, inventaram alguma forma mais rápida de viagem interestelar?

- Sim e não - respondeu Dânae. - Pelas notícias mais recentes que tenho, os defletores de partículas até permitem que se viaje bem perto da velocidade da luz, mas aparentemente não são seguros o suficiente para voos tripulados.

- Então ainda estamos condenados a nos arrastar por séculos entre as estrelas... - ponderou Pajak.

- Assim é, comandante.

A tripulação da nave era composta apenas por voluntários. Todos a bordo sabiam que a probabilidade de voltarem à Terra era mínima. Havia a esperança de que, durante os séculos em que permaneceriam em suspensão criogênica, fosse inventado algum método de driblar a barreira da luz. Pelo visto, isto não ocorrera; ao menos, não até meio milênio atrás, que era o tempo que uma transmissão de rádio da Terra levaria para chegar até ali.

A segunda a despertar do sono criogênico foi a médica de bordo, Mirabelle Rankin. Ela entrou na ponte de comando cantarolando e sorriu ao ver a comandante em seu posto.

- Bom dia, Sonya! Quanto tempo faz que levantou?

- Bom dia, doutora. Há algumas horas apenas, aproveitei para dar uma volta pela nave...

- Tudo em ordem, espero?

- Sim, os robôs mantiveram tudo em perfeito estado, mesmo após 10 séculos transcorridos.

- Dez séculos! Agora é que não vou mais dizer minha idade a ninguém!

Pajak sorriu.

- Se isso lhe serve de consolo, doutora, mil anos, mas com um corpinho de 35.

- Obrigada, comandante! Para algum coisa serve esse sono de beleza que dormimos...

Nesse momento, a voz de Dânae fez-se ouvir novamente:

- Desculpem interromper, mas estou captando transmissões de rádio vindas do interior do sistema.

As duas mulheres entreolharam-se.

- Você quer dizer... de Kepler-186? - Indagou Pajak.

- Sim. De Kepler-186f, para ser mais precisa - retrucou a nave. - O nosso destino.

- Mas... então alguém chegou aqui antes de nós! - Exclamou a doutora Rankin.

- Que tipo de transmissões de rádio? - Inquiriu a comandante.

- Melhor que ouçam vocês mesmas - respondeu a nave. E abriu o áudio.

Na ponte de comando obscurecida, o refrão de "I Love Rock 'n' Roll" soou como um trovão.

- Creio que é uma mensagem de boas vindas - ponderou a comandante.

- Muito pouco convencional - disse a doutora Rankin. - Que espécie de gente colonizou Kepler-186f?

- Provavelmente fãs de Joan Jett - filosofou a comandante, batucando no console ao compasso da música.

[08-03-2015]