Terrorista – Capítulo I

Revisão de um texto antigo que só fiz os primeiros capítulos. Talvez consiga avançar nesta história, mas sem promessas :)

Capítulo I

Eu entrei na cena do último atentado menos de um minuto depois dele terminar. Era o terceiro em menos de seis meses, o que era péssimo para as organizações Wu. Para piorar, o pânico já estava se espalhando entre os operários. Felizmente, hoje meu trabalho não era minimizar danos nem garantir a segurança de ninguém. Eu só tinha uma missão aqui, encontrar o culpado.

- Diretor Helio, quem estava responsável pela segurança?

O avatar na minha frente era alto e atlético. Sua imagem real, mostrando um homem gordo, baixo e fora de forma, era projetada em minha mente, em uma área separada de processamento visual. Apesar de imponente, o pânico era visível no avatar.

- Precisamos sair daqui, estamos sob ataque - ele praticamente gritou quando apareci na sua frente. Nem me dei ao trabalho de dizer que havia bloqueado todo transporte para fora da fábrica. De todo modo, neste instante Samantha me enviou a informação que eu precisava, por transmissão direta.

- Esqueça, já sei o que preciso - eu disse, e o diretor desapareceu da minha frente, para ser substituído por outro avatar, mais simples. Um dos vigias da fábrica.

- Sou da segurança interna. Você viu alguma coisa antes do ataque?

Ele hesitou alguns segundos. Talvez pela confusão ao redor. As pessoas estavam se dando conta que não conseguiam sair do local ou voltar para seus corpos, e ainda não tinham percebido que o ataque já tinha terminado. O pânico só iria aumentar até entenderem que estavam seguras.

- Começou com uma distorção na rede, como se fosse um ataque de sobrecarga, do tipo que estudamos na ambientação, mas ninguém ouve falar deles há anos. E então perdemos todo acesso externo.

- Quanto tempo? Quanto segundos antes da queda a distorção começou.

Ele não falou nada por alguns segundos, certamente consultando seus registros internos, o que era bom. Sua própria memoria não ia me servir de nada, eu precisava de informações precisas. Humanos naturais eram péssimos em armazenar informações de tempo.

- A distorção começou 36 segundos antes da pane, 7 minutos atrás - Enquanto ele falava Tanho apareceu ao nosso lado. Ele era meio meu colega, meio meu chefe na Corporação. Normalmente eu passaria um relatório para ele, mas desta vez não tinha tempo.

- Mary, você está aqui - sempre me incomodava a capacidade de naturais em repetir o óbvio - me ajude a controlar a situação, temos que ver a abrangência dos danos.

- Hoje não, Tanho. Meu trabalho aqui é outro - Valéria estava neste momento me passando os dados do rastreamento da origem da distorção - eu vou ter que partir.

- Você não vai conseguir sair. Estamos com bloqueio total na fábrica - Como se eu não soubesse. Quem levantou o bloqueio fui eu. E como se isso fosse me deter. Eu apenas sorri em resposta a Tanho, e desapareci.

Apareci em um espaço vazio, apenas um terreno quadriculado sem nenhum objeto até o horizonte. Por um momento, não entendi onde estava, parecia um ambiente desconectado, mas Valéria já estava trabalhando nisto para mim - Ainda estamos na rede, Mary, mas em um espaço de endereçamento antigo. Isto parece ser da época que ela foi criada.

Não parecia fazer sentido, a rede nunca estava vazia, nem mesmo em novos endereços abertos. Como poderia estar em branco em uma zona antiga? Valéria leu meus pensamentos e respondeu - Isto é do século XXI, a rede funcionava diferente na época.

De qualquer modo, não era importante. Aparentemente não havia nada para ser visto, como se eu estivesse em uma subrede vazia, como uma porta de entrada privada, mas se eu ainda estava na rede, isto não era verdade. Por mais antiga que fosse, ela tinha que responder a pelo menos alguns comandos.

Levou uns 10 segundos para eu localizar o rastro da distorção, todos os fluxos de dados passando direto pelo meu cérebro. Isto era complexo demais para eu deixar nas mãos de Samantha, Valéria ou qualquer dos outros. Por mais que eu tivesse melhorado elas, eram ainda apenas subrotinas de inteligência artificial sem verdadeira autoconsciência. Havia coisas que iam além da capacidade delas.

- Valéria, ainda tem um rastro da distorção aqui - eu mostrei as coordenadas para ela, para ensiná-la a localizar o rastro na próxima vez, e então fiz um novo salto.

Eu imaginava que o ponto de retransmissão era apenas para despistar, e que eu voltaria a uma região normal da rede, mas estava enganada. A região que eu surgi era ainda mais estranha, com tudo fora do lugar e distorcido. Imagens, sons, cheiros, gravidade, temperatura. Só que desta vez eu não estava sozinha, havia pelo menos uma pessoa aqui, possivelmente um dos sabotadores.

- Samantha - eu transmiti por pensamento, enquanto tentava controlar a náusea e fazer algum sentido das informações que chegavam pela rede - quero uma identificação.

Eu despertei a atenção do sabotador e tive a sensação que ele estava surpreso. Havia uma conexão direta entre nossos cérebros, como se os controles de segurança da rede não estivessem ativos aqui.

- Como você chegou até aqui? - O pensamento tomou conta de mim, e eu me vi repassando todo o caminho que fiz para seguir seu rastro.

- Mary, por que está passando estas informações para ele? - Emma me chamou a atenção, e então percebi que simplesmente não tinha conseguido desobedecê-lo. Felizmente, antes mesmo de eu dar a ordem, Emma começou a cortar todo o fluxo de contato com o sabotador.

- Mary, não estou conseguindo fazer sentido disto, acho que ele não é humano - a voz de Samantha revelando nervosismo. Não um nervosismo verdadeiro, mas uma simulação para deixar claro que ela estaria assustada se fosse humana.

Neste momento a náusea aumentou subitamente, e eu caí no chão. Pelo menos tive a sensação de cair, nada fazia muito sentido neste lugar. - O que está acontecendo? - perguntei em mensagem direta para todas as inteligências.

- Estamos sob ataque. Ele está sobrecarregando sua rede neural, Mary. Vou tirar você daqui - Emma, naturalmente. Ela era meu apoio interno.

Eu senti que estava vomitando. Isto não era projeção, era meu corpo verdadeiro. A imagem de me afogar em meu próprio vômito, em meu apartamento, enquanto minha mente estava aqui, me apavorou.

- Não vamos sair. Emma, você assume meu corpo. Agora! - Eu senti a frustração de Emma, e por um momento achei que ela não ia concordar. Era totalmente fora dos protocolos, mas eu precisava me concentrar no sabotador. No mesmo instante, todas as sensações de náusea desapareceram.

- Samantha, o que você quis dizer com ele não é humano? Samantha? - Levou apenas um segundo para eu perceber a localização do código principal de Samantha no substrato da rede. Só restavam fragmentos, Samantha não existia mais.

Eu me concentrei no sabotador. Ele ainda não havia partido. Iniciei uma varredura completa, repetindo o que Samantha deve ter tentado antes de mim, localizar a referência, o humano, por trás do avatar. E não encontrei nada.

- Você é só um IA - eu deixei escapar um grito. Por isto foi tão fácil ele destruir Samantha, era apenas um programa como ela.

No instante que eu ia desativá-lo, tentando ser rápida o bastante para que ele não escapasse, a náusea voltou, desta vez com força total, e comecei a sentir uma dor no peito absurdamente forte - Emma?

- Estou tirando você daqui - mas não era Emma, era Valéria falando por comunicação direta. Antes que eu pudesse protestar, estava na sede da Corporação Wu.

A volta a um ambiente normal da rede me deixou ainda mais desnorteada por um instante, e eu caí no chão, de quatro. Fiquei talvez uns dois minutos assim, tentando me recuperar, até que Tanho apareceu. Me levantei com dificuldade.

- Por que você não seguiu minhas ordens, onde diabos você estava? - e então seu tom de voz mudou de raiva para preocupação ao ver meu estado. Neste momento ele devia estar recebendo meus sinais vitais também, que não deviam estar a coisa mais maravilhosa do mundo - o que aconteceu com você?

- Uma coisa de cada vez, está bem - Eu pedi uma cadeira e me sentei nela quando se materializou - eu estou sob ordens diretas de Wu, do filho é óbvio, ele me mandou encontrar os sabotadores. Não tive tempo para contar, mas você pode conferir no registro.

Ele parou por um instante, certamente verificando antes de continuar. Com certeza não deve ter gostado de terem passado por cima dele, mas supus que neste momento estava mais preocupado comigo.

- E o que aconteceu com você? Encontrou os sabotadores?

- Não, mas já descobri como eles estão atuando. Eles criaram uma IA, Tanho, melhor que as minhas, melhor que qualquer uma que eu já vi. Assim que me recuperar, preencho um relatório completo. Agora que sei o que procurar, nós vamos pegar eles.

Tanho me deixou descansar um pouco. Ele queria mandar uma unidade médica a minha casa - como se eu fosse deixar um desconhecido chegar perto de mim no mundo físico - mas por fim se convenceu que eu estava bem, à medida que os meus sinais voltaram ao normal.

Eu já estava bem duas horas depois, e tinha respondido as perguntas de todo mundo. Até Wu me ligou e passei um resumo do relatório para ele. Depois despertei.

Como esperado, meu corpo estava todo vomitado, e fui tomar um banho. Depois reiniciei Samantha e Emma do último backup. Emma foi destruída logo depois de Samantha, por isto meu mal estar havia voltado. Uma pena que elas não iam lembrar de nada diretamente desde que entramos na fábrica, mas eu e Valéria deixamos elas acessarem todas as nossas memorias.

Eu fui me deitar, desta vez totalmente desconectada da rede, uma coisa que não fazia em anos. Depois do que aconteceu hoje, talvez fosse bom ficar algumas horas longe da rede.

Eu fechei os olhos e dormi.

www.aventuraeficcao.com.br

Ashur
Enviado por Ashur em 24/05/2015
Reeditado em 03/06/2015
Código do texto: T5253567
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.