Entardecer, o final.
Aos poucos a noite vinha chegando e ocupando seu lugar.
Eles estavam sentados tão perto um do outro que seus joelhos se tocavam. Um toque sutil, que a tanto tempo conheciam.
- Vontade de tomar chá de verdade!
Ele pousou a xícara com as mãos trêmulas na mesinha de centro, havia uma vela dançando com o vento e derretendo, lágrimas de cera.
- Quer dizer que esse chá não é de verdade?
Ela trosava dele, era o jeito dela e ele gostava, sorriu largo. Só ela ainda era capaz de o fazer sorrir.
-Você sabe o que quero dizer...
Fez cara de zanga.
- Sim eu sei, mas nada mais é como antes.
Os dois puseram - se a olhar pela janela as árvores que balançavam como loucas lá fora, era a fúria da natureza descabelando o que sobrara dela mesma. Os dois suspiraram no mesmo compasso com saudades de outrora. Saudades de um mundo agora distante.
-Sabe as vezes sonho com sua torta de maçã, acordo com o gosto dela na boca.
Ela alcançou a mão dele e a apertou carinhosamente. Os olhos brilhando com as lágrimas que se formaram num repente.
- Meu querido, as vezes precisamos das lembranças, elas tornam mais fácil a realidade e menos doloroso o que há pela frente.
Ele acenou com a cabeça.
- Não estou reclamando! Mastigou como se tivesse algo na boca.
Os dois ficaram algum tempo em silêncio apenas fitando o vazio.
- As vezes também sinto o perfume dos jasmim. É tão real que mesmo sabendo que eles não estarão lá eu preciso confirmar, e o que vejo é só a terra seca, devastada. Desolação.
-Não sei se queria estar aqui, preferia ter morrido a ter sobrevivido a isso!
- Não fale assim, preciso de você.
Uma rajada de vento assobiou ao passar pela fresta da janela. Ela pensou em levantar e fecha-la, mas de que adiantaria se a sala já parecia uma geladeira? Estavam tão gelados que mal sentiam os dedos dos pés.
- Somos inúteis, mas resistentes.
- Quem diria que os outros iriam e nós velhos, ficariamos para assistir a tudo isso!
Novamente ele apenas balançou afirmativamente a cabeça. A vela na mesa agora era apenas um pequeno toco incerto de luz. As sombras bruxeleavam na parede formando figuras estranhas. Logo a escuridão completa tomaria conta de tudo. Apenas o frio e a escuridão. Ambos fecharam os olhos e apertaram as mãos.
Não veriam a morte se aproximar estariam cegos para ela.
E como num último sopro a vela se apagou...