Não Sofia no mundo dos inversos

Sofia passava pela velha rua a caminho de casa. As aulas haviam acabado e agora as férias seriam a rotina ao invés de toda aquela matéria chata que era obrigada a decorar na escola.

O dia estava belo como poucos. O céu azul e limpo não ostentava nenhuma nuvem, somente o sol majestoso, como sempre, reinava soberano. Seus raios desciam quentes, deixando todos perceberem que a primavera findava, abrindo sala para a chegada do verão.

Nossa querida estudante já pensava nos piqueniques e nos dias de praia, além da esperada semana na casa dos avós, comendo aquele delicioso bolo de milho, que era especialidade de sua avó. Receita de família, que depois de muita espera, seria ensinada para Sofia, que sonhava em ser confeiteira.

Quando dobrou a esquina de sua casa, viu algo muito estranho no chão. Parecia uma bola, não muito maior que uma uva, mas com um brilho negro estranho e intenso. Na verdade não era um brilho, mas uma escuridão indescritível. Na verdade não era um brilho, pois o objeto era escuro e dele não saía luz alguma. Sofia só percebeu aquele objeto pela sombra que causava, quase como se fosse um buraco negro.

Sentindo o coração acelerar ela deu dois passos vacilantes em direção ao estranho objeto. Começou a sentir então um misto muito particular de emoções e sensações. Sentiu as mãos suando e o coração batendo forte. Sentiu muita curiosidade e medo, com uma vontade monumental de tocar o objeto, ao mesmo tempo que sabia que aquilo poderia mudar a sua vida para sempre, com toda a insegurança que isso representa.

De repente o único pensamento que passava pela sua cabeça é que ela precisava descobrir o que era aquilo. Todos os impulsos do seu corpo apontavam somente um único ponto em direção ao misteriosos objeto, como se cada célula do seu corpo estivesse a empurrando em uma direção, como se cada neurônio dela pensasse somente um pensamento: "preciso tocar isso".

Aproximando-se cada vez mais do objeto, Sofia sentiu o sangue gelar. Ela suava muito frio e a sua respiração estava tão forte que era possível ouvir o movimento do ar entrando nas narinas. Seu corpo estava tão tenso que cada músculo parecia agora uma rocha. Seu coração estava quase saindo pela boca e batia muito forte, dando a impressão que a qualquer momento iria sair de dentro do corpo.

Os dedos dela se aproximaram daquela esfera negra e então ela sentiu que ela não controlava mais o próprio corpo. Quando sua mão se aproximou um pouco mais, ela sentiu uma força monstruosa lhe puxando com uma violência extrema. Seu braço se esticou por inteiro de uma maneira que parecia impossível. Em seguida a força atuou sobre o seu peito, após abdômen, pescoço, cabeça e por fim as pernas também foram sugados. Sofia fechou os olhos com medo de ver o que acontecia, num conjunto de medo, vontade de acordar e curiosidade de saber o que estava acontecendo.

Quando percebeu que tudo estava mais ou menos normal, Sofia prestou atenção no que sentia. Tudo estava estranho, parecia igual, mas diferente, como inverso. A gravidade estava estranha. Ela percebeu que a Terra a repelia ao invés de atrair, porém ela continuava presa ao chão. Agora ela ficava presa ao que a repelia ao invés de o que a atraía. Começou então a prestar atenção ao calor que vinha do sol. Ele já não era mais calor, era frio, mas não era ruim. Era um frio bom, gostoso. Com aquele frio do sol ela não precisaria de blusas para a proteger do calor do inverno, que era muito intenso, principalmente depois que nevava. Sofia começou a prestar mais atenção ao que sentia e o que percebeu a deixou perplexa. Os sentidos estavam ao contrário. Tudo que ela sentia, na verdade ela não sentia. Ao invés de sentir somente o que tocava, ela sentia todas as coisas, menos a que tocava, então percebeu que o sentir agora era não sentir. Após começou a notar os cheiros e novamente a mesma coisa. Ela cheirava todos os cheiros, menos aqueles que ela sentia. Cheirar virou não cheirar. E só então ela tomou consciência que de olhos fechados ela via tudo, mas ela sabia que estava errado, porque agora ela só poderia ver as coisas que não estava vendo.

Passando algum tempo ela sentiu-se segura para abrir novamente os olhos e a escuridão do sol a cegou. Tornou a fechar os olhos para abrir devagar. Então veio a surpresa. O ver agora, realmente, era não ver. O sol apagava as coisas que a sua luz tocava, conforme a sua cor, assim como quando o sol ilumina algo, só que ao contrário. Sofia tentava se acostumar com aquilo, ou não acostumar, a esta altura ela já não sabia mais o que era real e o que não era real e o não real parecia agora ser o que de fato existia. A verdade era não verdade e acreditar em algo significava agora ter antes que desconfiar. Pensou então com o coração que, realmente, tudo ali estava ao contrário e que esta era a nova realidade.

Naquele momento deixou de perceber que aquilo não era a realidade e saiu de si, despercebendo que tinha que sair de casa para desver a sua não mãe. No caminho Não Sofia começou a desformular todas as hipóteses do que não teria acontecido e deixou de perceber que aquilo tudo não era senão simplesmente anti-matéria e que ela estava em uma não realidade paralela.

Entrando na única não casa que não era sua, na não verdade não era de seus pais, encontrou a sua não mãe. Se despediu dela, como era de se esperar de alguém deseducado e disse que estava meio bem. A sua não mãe sugeriu para ela que fosse se deitar para acordar um pouco, pois logo o jantar estaria não pronto. Ela concordou, não disse nada para espantar a sua não mãe, mas aquela não realidade esquisita parecia algo estranha, apesar de estar tudo normal.

Não Sofia esta muito descansada e começou a acordar. Logo sentiu um impulso suave levantá-la no ar com muita suavidade. Aquilo parecia uma carícia delicada e Sofia, sentindo-se bem como nunca, foi planando leve e vagarosamente em direção à luz que estava no teto.

Quando, finalmente ela entrou em um acordar profundo, abriu os e olhou para o calendário. A sequencia de xis acabava em uma bola que marcava a data de hoje. Era primeiro dia de férias.

Seria tudo aquilo um sonho? Ou agora estava em um sonho e antes estava acordada? Ou seria isto um não sonho? Como ela poderia saber o que era realidade? Só havia um fato, era Não Sofia no mundo dos inversos.

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