OS CENTAUROIDES.

10 de março – Órbita de Ganímedes.

O mesmo dia em que Angztlán descobria seu inimigo mortal vivo em Ceres; a nave Hércules ancorava na órbita de Ganímedes; lua descoberta em 1610 por Galileu; distante de Júpiter uns 1.000.000 de kms.

–Aldo para Lídia! O quê diz o sensor sobre a atmosfera?

–Mais densa que em Marte. Há 15 por cento de oxigênio.

–E a temperatura? Não parece muito gelado lá embaixo.

–Cinco graus positivos.

–Sinais de vida?

–Ainda não. Mas há cursos de água, cumes nevados, nuvens de chuva, água líquida e gelo, capitão. Pelo menos já sabemos o principal. Há água. Vamos descer?

–Com a nave não seria prudente, os aviões são mais ágeis para estudar o terreno. Jacques; prepare meu avião para dois lugares e prepare o seu também. Você vai com Grubber e eu com a doutora Lídia.

Ingeborg Stefansson, que monitorava, disse, amargurada, desde sua saleta:

–De novo indo audaciosamente de phaser na mão nos mundos desconhecidos onde nenhum homem jamais esteve, capitão Kirk?... Pena que o senhor Spock e o doutor Mc Coy ficaram em Pomona, tentando acordar o Belo Adormecido.

–Indica-me alguém para ir em meu lugar – disse ele, ríspido, não pela ironia da sua companheira, senão porque ela estava coberta de razão; o capitão não devia abandonar a nave para explorar como em Pomona, com desastroso resultado.

–Desculpa – murmurou ela, arrependida. Sabia que ninguém melhor do que ele para tomar decisões – (Oh! Droga! Por quê nunca consigo ter a mesma sagacidade e o humor cáustico que Regina sabe usar como ninguém, sempre no momento certo, sem ofender nem magoar...?).

Aldo pareceu adivinhar os pensamentos dela e disse:

–Desculpa-me tu, querida. Entendo teus motivos. Tens toda a razão.

–Oh! Aldo desculpa! – Inge estava mortificada, a ponto de chorar.

–Não há o que desculpar; amor. Não me ofendi. Sei que te preocupas comigo com toda razão e te amo por isso – disse ele entrando na sala e beijando-a. Abraçou-a com força e depois de um momento disse:

–Boris ficará no comando, Konstantin será o segundo. Tu e Regina deveis monitorar e os homens devem ficar em seus postos, incluídos os pilotos – a voz dele baixou um tom – agora somos apenas 19 dos 34 que um dia...

Mas se recompôs e acrescentou:

–Lídia é a nossa cientista, já que von Kruger não está. Eu devo ver o que há lá embaixo com meus próprios olhos, não com câmeras. Aldo para Boris!

–Prossiga.

–Assim que decolarmos coloque a nave numa órbita bem alta.

*******.

A pintura dos aviões queimou com o atrito, mas o fogo apagou-se entre nuvens esverdeadas.

Sobrevoaram uma cordilheira nevada e acharam um terreno plano com vegetação vermelho-violácea à luz verde amarelada de Júpiter, que enchia meio céu. O sensor detectou concentrações de vida.

Aldo achou um local plano à frente de uma linha de vegetação rasteira na beira de um riacho. Pousou verticalmente, levantando poeira e Jacques um segundo depois.

–Estou nervosa, capitão – disse Lídia.

Aldo sentiu uma sensação de déja vú:

–Sinto-me como a primeira vez em Marte. Verifique o capacete, doutora, vou despressurizar a carlinga e levantar a capota.

–A pressão ainda é fraca; capitão. Precisamos nos aclimatar em oxigênio puro pelo menos por cinco horas – disse ela quando a carlinga se abriu.

–Não hoje – disse Aldo, pulando sobre a asa e estendendo a mão à doutora.

Tomados da mão pularam ao solo lentamente.

–Vamos examinar essa vegetação, capitão? – disse Grubber.

–Sim. Aldo para Hércules!... Como chega a imagem?

–Nítida – respondeu Regina – estou gravando para análise.

–Está com o seu pentacorder ligado, doutora?

–Sim, capitão – disse Lídia indicando o cinto de utilidades onde o aparelho que mais se destacava era o analisador marciano de múltiplas funções, modificado por Inge e o professor von Kruger para valores terrestres.

Media a composição, temperatura, pressão e radiação. Como se fosse pouco, lia minério, vegetais e vida. Se a capacidade do analisador fosse excedida, transmitia dados ao sistema da Hércules, incrementado pela tecnologia raniana, que analisava e devolvia a resposta ao momento.

Aqueles úteis aparelhos requisitados em Marte, do tamanho de um celular; há tempo faziam parte do equipamento básico. Não tinham nome pronunciável em língua terrestre e, portanto Inge resolveu batizá-los com o nome de pentacorder.

Aldo nunca entendeu o porquê desse nome.

*******.

Após uma caminhada cautelosa para adaptar-se à gravitação; o grupo chegou à beira da vegetação e Lídia colheu dados para o sistema da Hércules; que os processou em microssegundos e os devolveu através do pentacorder.

–Vegetais de silício, capitão.

–Se tiver vida animal, também seria de silício?

–Não faço idéia, mas é bem possível. Lembre-se do monstro de Pomona.

–Prefiro não lembrar.

–Grubber; poderia usar o fuzil lança-chamas num arbusto destes para ver se arde? – disse a doutora.

–Claro – disse Grubber levantando a terrível arma.

Nesse instante, moveram-se os matos, à direita, surgindo um ser bizarro.

–Vejam, Mes amis! – exclamou Jacques, e perguntou:

–Esse que vem vindo aí também é de silício, madame?

*******.

Pomona – 10 de março de 2014.

–Devemos impedir que Zvar seja despertado ainda – disse o Príncipe Angztlán, preocupado, caminhando de um lado a outro do alojamento subterrâneo.

–Alertarei o pessoal de Ceres nesse sentido – disse Báez, dedilhando no terminal – espero que o recebam em tempo, estamos muito longe e nos afastando.

–Quero ver o maldito quando desperte – disse Angztlán – deve ser castigado por seus crimes e eu sou o único representante de Ran vivo. Serei juiz e carrasco.

–Eu também represento Ran – disse Nahuátl, timidamente.

Angztlán ficou pensativo por uns instantes.

–Vocês, inferiores, foram trazidos de Shanuk Prime, planeta da classe Etar na estrela 029, setor 0.12 marco 1.029, a 3,36 parsecs daqui; na época da Décima Quinta Dinastia, quando existia o comércio de escravos.

–Escravos? – escandalizou-se o Professor Doutor Ludwig von Kruger.

–Sim. Durante a antepenúltima Dinastia; sob a regência do Interventor Imperial Athenkos XXIII; aboliu-se a escravidão e vocês adquiriram direitos de cidadania. Há cinco mil ciclos. Com os dois que vocês dizem que dormi, sete.

–Trinta e seis mil anos – disse von Kruger – um bocado de tempo.

–Não sabia disso – disse Nahuátl.

–Isso não é... Quer dizer... Era; um ponto conhecido do nosso passado.

–Por qual motivo isso foi ocultado?

–Os conselheiros. Seu planeta era famoso por capturar e vender escravos neste setor, quinze mil ciclos atrás. Eles introduziram a escravidão em nosso meio, para acabar conosco, misturando o sangue com intuito de abastardar nossa herança genética e provocar vícios, crime e doenças. No seu caso; felizmente não deu certo porque vocês não são geneticamente compatíveis conosco. Mas eles destruíram civilizações inteiras com esse método sorrateiro; abastardavam para enfraquecer e conquistar, como esses malditos parasitas fizeram há milhares de ciclos com Nirvana Prime, o planeta dos Ariones, dos quais os ranianos superiores somos descendentes.

–Os conselheiros não são... Ou eram ranianos?

–Eram da raça dominion, seu mundo, Haduk Prime de Alschain, estrela 124, setor 0.17 marco 1.124 a 12,98 parsecs daqui, era nossa província há vinte mil ciclos.

–Mais de cem mil anos! – exclamou o professor – E o que aconteceu?

–Eles nos levaram à destruição. Antes esgotaram seu planeta com mesquinharia e materialismo, depois se enquistaram no Império e o dominaram, chegando a ocupar altos cargos com mentiras, subornos e traição. Éramos guerreiros e conquistadores honrados antes que os parasitas dominions chegassem e nos transformassem em materialistas mesquinhos sem um mínimo de honra. Fizeram-nos inimizar com meio quadrante; oprimimos povos pacíficos, que ao final se revoltaram e aliaram com o Império Alakrano do Quadrante Delta para nos destruir... E conseguiram.

Os olhos do príncipe anuviaram-se e ele disse, quase chorando:

–Nós já fomos um bom povo, sabia?

–Não duvido, Alteza.

–Zvar é o último da sua maldita espécie parasita e devo matá-lo!

–Estou de acordo com Vossa Alteza – disse Nahuátl – terá meu apoio.

–Não use formalidade comigo; capitão. O Império já não existe. Além do mais, eu devo muito a você e seus amigos.

–Na verdade – interveio von Kruger, adorando treinar o idioma – se não fosse porque encontramos o capitão Nahuátl, nunca teríamos descido nesta rocha...

–Não concordo – disse Nahuátl – E o sinal de socorro da nave acidentada...?

–Seu robô o identificou – retrucou von Kruger – se você não estivesse a bordo, não teríamos dado importância e continuado em frente.

–E eu ainda estaria congelado nesta pedra e vocês nunca saberiam que Zvar era tão perigoso... – disse o Príncipe Angztlán Pachacuti.

–O quê ele pode fazer? – inquiriu o professor.

–Pode dominar a mente de seres em volta e até os governantes de um planeta.

Nesse momento entrou no sistema uma mensagem que já estava a caminho antes de Báez enviar a sua. O radiooperador leu-a na tela e disse:

–Príncipe; há más notícias.

Angztlán cravou os olhos em Báez, que buscava desesperadamente as palavras em raniano, mas não conseguiu articulá-las.

Báez por fim, olhando com esperança para Nahuátl, deu as más notícias em espanhol:

–Capitão, diga ao príncipe que seu amigo saiu da câmara hibernadora que se abriu automaticamente lá em Ceres.

–Amigo? Acho que não entendi.

–O tal de Zvar, capitão!

–Eles são inimigos...

–Estou sendo irônico, capitão! Nós, os terrestres; somos irônicos!

Após rápida troca de palavras entre os alienígenas, Báez traduziu a mensagem:

"–... achamos que deveriam sabê-lo. Ele despertou e andou como louco por todos lados. Não entendemos seu idioma. Até chegar nosso camarada Patrick Cabot, não poderemos fazer nada. O encerramos numa cela acolchoada que preparamos às pressas no hospital, para evitar que continuasse se machucando”.

–Diga-lhes que o vigiem à distância. Não conseguirão mantê-lo preso muito tempo, a não ser isolando a cela com tela mental.

–Tela mental? – perguntou o professor.

–Eles não sabem o que é isso – interveio Nahuátl – mas pode ser construída.

–Quero alguma coisa para escrever. Farei um esboço – disse o príncipe.

Von Kruger abriu o caixote onde guardava sua inseparável papelada e pegou um bloco de notas e canetas.

Angztlán esboçou uma singular malha de arame para colocar ao redor da cela e o tipo de energia que deveria circular. Nahuátl traduziu nomes de metais e acessórios. Báez o passou no scanner e enviou-o para Ceres.

–Agora devemos torcer para que o recebam – disse o radiooperador.

–Seria melhor matá-lo – murmurou Angztlán, pensativo, mas acrescentou:

–Eu devo ir lá de imediato! Tenho que vê-lo!

–Não temos naves – disse Nahuátl.

–E essa navezinha que está aí fora?

–É um caça de ataque de curto alcance. Nunca chegaria nele aos planetas.

–Além disso – disse o professor – Ceres já está a 90º. Não há condições.

–Minha nave está na sala de troféus, ou deveria estar, acho, se eles...

–Está – disse Nahuátl – mas ainda que conseguíssemos tirá-la de lá, através da rocha, o combustível primário está decomposto, após dois mil ciclos.

–O convertidor...

–Se pensou nisso, ele não tem energia para tanto.

–Então, capitão – disse Angztlán; e seu nobre rosto entristeceu – continuo tão prisioneiro como antes que vocês me encontrassem...

*******.

Eles aproximaram-se com cautela na inusitada iluminação da lua joviana.

Eram centauróides mais altos do que os terrestres, de pele amarelada sem pêlo ou cabelo nas cabeças ligeiramente achatadas na parte anterior, sem orelhas, mas orifícios.

De olhos negros, inteligentes, bocas como de tartaruga.

Corpos com grandes pulmões, quatro patas grossas de três dedos e uma cauda pontuda coberta de escamas, que parecia muito forte, braços terminados em mãos de quatro dedos.

Não usavam vestimenta e seus órgãos reprodutores, como dos mamíferos terrestres, ficavam à mostra. Algumas eram obviamente fêmeas, já que também possuíam glândulas mamarias no enorme torso e feições delicadas.

A distância foi encurtando entre terrestres e ganimedianos. Aldo e Jacques sacaram as pistolas e Grubber apontou o lança-chamas.

Os nativos perceberam as armas e detiveram-se.

Um deles adiantou-se, levantou a mão e ensaiou um sorriso. Aldo repetiu o gesto. O microfone exterior do capacete captou palavras não de todo desconhecidas numa linguagem que denotava inteligência.

–Soa como grego clássico – disse Lídia.

–Estás monitorando, Regina?

–Estou, querido – disse a voz de contralto da psicóloga nos fones – Lídia tem razão. Parece grego clássico até pelo som. Mas não é.

–Como faço para me entender com eles, Regina?

–Deixa-os falar mais, estou abastecendo o sistema.

Os nativos ouviram os visitantes falar e alegraram-se. Riram, movimentaram-se, sacudiram as caudas e rodopiaram como se a visita fosse esperada.

Logo ficaram em silêncio e dirigiram seu olhar à floresta, onde surgiu um centauróide diferente.

Parecia velho, andava devagar, a pele enrugada e as escamas da cauda tinham se desprendido, mas seus olhos brilhavam de inteligência. Então disse:

–Sat um ert spoka, an-algopakin. Uts das a spoka?

Reposto da surpresa Aldo respondeu:

–Das. A ur spoka. Sat um ert spoka.

E em seguida Aldo disse em espanhol para a Hércules:

–Solucionado o problema, Regina. Também falam em marciano.

*******.

A aldeia dos centauróides consistia de mais de trinta palhoças altas de material vegetal dispostas em leque à beira de um arroio semi-congelado.

No meio do leque, um círculo de pedras demarcava a fogueira que, embora fraca, dava calor aos trinta e poucos centauróides que deveriam sofrer com os rigores do clima e estavam abaixados como cavalos ao seu redor junto aos visitantes. O líder, que disse chamar-se Osen; conversava em marciano com Aldo e seus camaradas.

–E como aprendeu essa língua, Osen?

–Com os ranianos da colônia, quando eu era pequeno.

–Onde está a colônia?

–Atrás das montanhas, mas foi destruída numa batalha de kholems e milkaros.

–Quem são os milkaros?

–Nossos amos. Fundaram Prukar, capital de Milkar-3 atrás da montanha e trouxeram nossos ancestrais para servir de alimento e montaria.

–Milkar-3?

–Este nosso mundo.

–Onde estão eles?

–Depois da guerra, alguns retornaram a Milkar e nos abandonaram aqui.

–Há algum raniano ou milkaro por aqui?

–Ranianos não há mais. Só restaram ruínas da colônia. Há alguns milkaros, os bons de Prukar; e os maus que são amigos dos kholems. Junto com eles, atacam e roubam aos pacíficos milkaros de Milkar-2, aquele mundo que gira em torno a Vurón, essa esfera grande que se vê no céu.

–Sei – disse Aldo, identificando Calisto.

–Também atacam aos germânicos de Hiperbórea.

–Germânicos de Hiperbórea – repetiu Aldo, pensando na sua visita ao Magta Haunebu e no estremecimento que Regina devia estar sentindo ao monitorar – imagino que Hiperbórea seja uma dessas luas ao redor de Vurón.

–Sim – respondeu o líder dos ganimedianos.

–Regina?

–Tudo fecha com as informações que temos.

Osen estava com uma pergunta entalada na garganta ou seu equivalente:

–Me diga, vocês são os ranianos superiores?

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Continua em: PIRATAS!

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O conto OS CENTAUROIDES. - forma parte integrante da saga inédita

Mundos Paralelos ® – Fase I - Volume II, Capítulo 14; Páginas 71 a 76,

e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção

Científica e Relacionados: sarracena.blogspot.com

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

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Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 08/11/2016
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