OS HIPERBÓREOS

Os Hiperbóreos.

Alheio ao que acontecia em Amaltea, o tenente Nakamura desceu a trinta mil metros na atmosfera rarefeita da lua Europa, radiando o sinal-código.

Captara na parte noturna uma concentração de calor e o sistema acusava atividade no subsolo, inclusive nuclear.

O radar mostrou quatro pontos elevando-se; aviões de caça de grandes asas delta, com dois tubos na traseira superior, emitindo energia igual às dos motores VAL-7, inventados pelo Doutor Valerión.

Nakamura pensou ter achado os terrestres, mas não o pareciam, seu desenho era audacioso, como feito por gente habituada trabalhar com material leve e construir naves em forma de disco.

O samurai ligou o controle táctico e no visor do seu capacete formou-se a tela de tiro.

Para onde fixasse a vista, iriam os mísseis, as rajadas de metralhadora, os disparos dos canhões laser ou marcianos.

Os interceptores estavam cada vez mais próximos e Nakamura achou que teria que combater, mas eles não pareciam querer atacar e realizaram evoluções para ficar acima do terrestre.

Assim que se aproximaram; um deles disparou à frente uma rajada de balas traçadoras que brilharam na atmosfera rarefeita.

Nakamura ouviu nos fones:

–Sie dringen unseren Luft Raum ein!... Identifizieren Sie, oder es wird hinunter geklopft werden!

Nakamura, poliglota, como quase todos os pilotos japoneses antárticos, respondeu na mesma língua, com forte sotaque japonês:

–Zuerst Leutnant Hiro Nakamura, von Japan Liberates Kaiserlich, vom Schiff-Raum Vingador, von Antártida, Erde. Ich bin in Frieden-Mission. Ich beabsichtige nicht, seinen Luft Raum einzudringen.

–Antártida, Terra? – perguntou um dos pilotos – E qual é sua missão de paz?

–Procuro uma nave perdida.

–Não está nesta lua. Não teria como chegar sem ser percebida.

–Então irei embora, se não se opõe, piloto.

–Siga em frente. Será escoltado até nossa base.

–Para quê?

–Para conversar, piloto. Não se assuste.

–Quem são vocês? Piratas?

–Somos hiperbóreos – informou o interceptor, quando dois colocavam-se lado a lado e os dois restantes colocavam-se a maior distância, na frente e atrás do CH-2.

–Repito; estou em missão de paz, não conheço vocês, não tenho intenção hostil com seu povo – insistiu Nakamura, já bem preocupado.

–Então não terá nenhum problema em vir conosco, primeiro tenente Hiro

Nakamura, do Japão Livre Imperial, da Terra, da nave Vingador de Antártica.

O samurai achou melhor obedecer. Um dos caças acendeu a luz da cabine e Nakamura pôde ver que o piloto saudava-lhe agitando a mão direita. Definitivamente, tinha que seguí-los.

Logo o piloto hiperbóreo indicou-lhe o chão. Nakamura acendeu a luz da cabine e fez sinal de ter entendido.

Os pilotos hiperbóreos abaixaram as rodas. O japonês fez a mesma coisa e logo o avião da frente pousou primeiro. Os que estavam ao lado continuavam à par do terrestre para descer ao mesmo tempo.

Foi aí que Hiro Nakamura viu as cruzes negras nas asas dos aviões.

*******.

Horas antes – Ganímedes, 27 de março de 2014.

Perto dos limites da Base Ganímedes, em uma formação rochosa, prelúdio das montanhas baixas que separavam o acampamento terrestre da aldeia nativa; um par de olhos negros e profundos olhava tudo através do visor, logo após as naves decolarem para procurar os camaradas perdidos da Hércules.

O ser preparava-se para contatar os recém chegados, quando um movimento às suas costas lhe fez virar-se.

Eram os centauróides, que atravessaram as montanhas para aproximar-se dos terrestres.

Apesar do aspecto ameaçador eram pacíficos e simples; um grupo de machos jovens que galoparam a noite inteira para encontrar-se com os visitantes e agora encontrava outro ser, diferente, porém não desconhecido.

O líder; o maior e mais forte, foi o primeiro a falar na melodiosa língua milkara:

–Pru...! Quê bom que você voltou! Não vimos sua vimana!

–Vai visitar os ranianos? – disse outro, parando em duas patas e açoitando o chão poeirento com a cauda e arrancando arbustos.

–Ranianos? – perguntou o ser chamado Pru – são esses?

–Os vimos. Viemos para encontrar o líder Aldo. Ele nos visitou há um tempo.

–Onde está o velho Osen?

–Não pode mais galopar pelas montanhas, você sabe disso.

–Irei com vocês.

–E não visitará os ranianos?

–Não – respondeu Pru – Deixarei minha visita a estes seres para mais tarde.

–Você não faria uma desfeita dessas conosco, milkaro! – disse uma voz no seu capacete, falando sua língua.

Pru virou-se rapidamente, levando a mão à pistola.

–Não faça isso, milkaro! – disse o outro, friamente, saindo de trás de umas rochas e apontando-lhe com uma pistola.

Pru reconheceu a pavorosa pistola solar de ação dupla, a terrível arma dos Cavaleiros do Cosmos, que eram trinta e estavam às ordens do Imperador Ramsés XVIII de Ran.

Os centauróides retrocederam assustados, perante o ser vestido de armadura. Não eram lutadores, porém pacíficos e simples. Pru soltou a pistola, que foi descendo lentamente ao chão na pouca gravidade, e levantou os braços.

–Quem é você...? – Pru, tentava desesperadamente lembrar onde vira antes essa armadura passada de moda.

–Meu nome não lhe diria nada, milkaro. Já ninguém lembra de mim.

–Conheço sua armadura...! – disse Pru – Está nos registros de minha família!

–Não diga.

–Você é o Príncipe Angztlán Pachacuti de Ran.

Angztlán ficou tão surpreso que quase abaixou a pistola.

–Você foi hibernado – disse Pru, abaixando as mãos – Mas vejo que já está vivo novamente, nobre príncipe.

Angztlán levantou a pistola.

–Quando despertou? – perguntou Pru, levantando de novo as mãos.

–Como sabe você tudo isso? – perguntou Angztlán, desconfiado.

–Sou Pru Atol-7752, dono destas luas. Se você for mesmo Angztlán, abaixará essa arma, porque sabe que um membro do Clã Atol não representa perigo para você, nobre príncipe, que salvou a vida do meu antepassado quando Ran explodiu.

–Salvei?

O milkaro então disse:

–“Pru; o Conselho vai lançar um sol de antimatéria contra a frota inimiga. Mas para isso vão usar toda a energia de Ran. O planeta vai explodir quase em seguida. Vá embora, meu amigo, e conte ao seu povo o que aconteceu aqui...”

Angztlán ficou perplexo. Ele enviara essa mensagem e o milkaro a recitara em língua raniana.

Quase não conseguiu pronunciar a pergunta:

–Como sabe disso?

–Minha família guardou a mensagem salvadora por gerações; é uma oração, um ritual, nobre príncipe. Meu ancestral Pru-43 contou ao meu povo o que aconteceu, tal como você pediu. Milkar entrou na guerra logo em seguida... Lembra de ter enviado essa mensagem antes de ter sido hibernado? Você salvou a vida de Pru-43.

–Pru-43 foi meu amigo. Para mim parece que foi ontem – Angztlán continuava perplexo. Por incrível coincidência encontrara o único milkaro que poderia chamar de amigo. Mas, muita coisa poderia ter acontecido nesses milhares de ciclos. Precisava de mais uma prova:

–Diga, então, milkaro: Pru-43 encontrou o que procurava?

–Não encontrou, nobre príncipe. Deixe-me mostrar o disco de identificação.

Pru abaixou sua mão fina de cinco dedos e pegou um disco brilhante num dos bolsos do seu traje espacial. Ao ver no holograma a cabeça de Pru Atol Número Um; projetado pelo pequeno objeto, Angztlán abaixou a pistola e enfiou-a no coldre.

–Ainda estão à procura dos ossos do seu antepassado? – perguntou Angztlán, emocionado ao ver o disco que vira em mãos de Pru-43 dois mil ciclos antes.

–Sim, nobre príncipe. Minha estirpe ainda o procura. Sabemos que está num dos planetas deste sistema.

Angztlán recolheu do chão a arma do milkaro.

–Isto é seu, Pru-7752.

Depois fez uma saudação militar raniana que o milkaro retribuiu com mal

contida emoção. Depois disse:

–Seja bem vindo, Pru Atol-7752. Seja bem vindo à minha nova vida.

–Obrigado nobre senhor, por existir e dar o que contar aos meus descendentes.

–Venha comigo ao acampamento dos terrestres.

*******.

A batalha.

A órbita de Io é a mais próxima de Amaltea.

Quando o tenente Shigueo Ueki ouviu que uma batalha estava em andamento produziu-se um conflito de idéias na sua mente. Mas viu no radar os pontos que se aproximavam. O computador indicou-lhe que se tratava da Hércules e seus caças auxiliares. Então abriu um canal de saudação:

–Aqui Shigueo Ueki da Vingador...

–Aqui Ingeborg Stefansson da Hércules!

*******

O espaço encheu-se de naves piratas. A Vingador atirou com todas suas armas. N'Bongo e os samurais do espaço não davam descanso aos canhões. Logo se ouviu a voz de Aldo por entre a estática do escudo e os disparos:

–Aguentem firmes, camaradas!

–Chegou a cavalaria – disse Lúcio.

–Banzai...! – foi o grito de guerra do tenente Ueki, mergulhando entre as naves inimigas com os lasers paralelos abertos ao máximo provocando debandada.

Lúcio disse, alegremente:

–Quem é vivo... Seja bem-vindo, chefe.

–Como se metem nessas encrencas?

–Falaram em alemão. Um deles rendeu-se, mas outros o destruíram.

–Já se recuperaram do ataque de Shigueo. Estão reorganizando-se.

–Nos superam numa proporção de seis a um, N’Bongo – disse Ivan Kowalsky.

–Sessenta – disse Ewan Mac Donnell o navegador da Vingador – a proporção exata é de 5,45454545 ao infinito.

–Vamos mandá-los essas vezes ao infinito! – disse Tom Cikutovitch caçoando do exato navegador da Vingador.

–Impulso máximo! – ordenou Lúcio – Fogo com todas as armas!

Como um aríete; a nave se lançou no meio da formação inimiga, antes que esta começasse a atirar.

Abrindo fogo com todos seus canhões, cavou um rombo na formação inimiga, provocando debandada no inimigo habituado a não achar resistência nem ser atacado.

Os piratas se dividiram em grupos distantes para concentrar seu fogo na nave antártica. Um deles foi dissolvido pelos torpedos da Hércules, que, falta de agilidade, mantinha-se a prudente distancia, atirando ao alvo.

Como vespas, os nove aviões CH-2 perseguiam os debandados inimigos que no podiam atingir velocidade suficiente para fugir dos torpedos. Foi uma matança, estavam sendo destruídos um a um pelos caças antárticos, até que se ouviu na rádio em alemão:

–Wir übergaben, halten Sie das Feuer, hyperboreisch, an! –(Nos entregamos! Parem o fogo, hiperbóreos!)

Uma das naves inimigas disparou uma salva sem alvo, em sinal de rendição.

–Aceitamos a rendição! – Respondeu Lúcio, imediatamente, sem entender a razão de ser chamado de hiperbóreo novamente.

Logo se ouviu uma voz em língua estranha, e a voz que tinha falado em

alemão respondeu. Seguiu-se uma discussão que durou breves segundos. Então duas naves inimigas atacaram uma terceira e a destruíram. Agora se escutou outra voz em alemão:

–Hier übergibt niemand hyperboreisch! Sie werden von seinem Wagemut

bestraft werden! Wir werden seine Welt zerstören! –(Aqui ninguém se rende hiperbóreos! Serão castigados por sua ousadia! Destruiremos seu mundo!)

Após o anuncio os piratas se reorganizaram e atacaram simultaneamente com uma chuva de cargas caloríficas que surpreendeu os terrestres.

A Vingador elevou-se velozmente a outro nível esquivando as cargas dos últimos discos. Antes que o inimigo reagisse picou em cima, seguida pelos caças, disparando seus canhões.

–Esta tem que ser decisiva! – gritou Aldo – Usem todas as armas!

–Banzai!... – gritaram quatro japoneses mergulhando em forma quase suicida, soltando mísseis, e no ultimo segundo, desviando-se para acima.

Em segundos, sobraram apenas duas naves que empreenderam a fuga. Fujimoto concentrou o laser na antena de uma delas e lançou um míssil. Ueki destruiu a antena da outra, ao tempo que a primeira explodia no silencio sideral; mas ensurdecendo de estática os fones dos terrestres. O keniano lançou seu último míssil ao inimigo.

–Não! – gritou Aldo – O quero vivo!

–Como queira capitão –respondeu Xavier, apertando o botão de retorno do torpedo, que em segundos, voltou ao seu suporte sob a asa do CH-3.

Aldo acelerou e empurrou a nave inimiga com seu escudo até a Vingador.

–À abordagem! – ordenou Lúcio.

A Vingador disparou cabos de fixação e o inimigo ficou preso a estibordo, junto à eclusa e o tubo sanfona de abordagem. Aldo, sem munição, magnetizou seu avião à Vingador e uniu-se ao pelotão de abordagem.

De pistola em mão, Aldo entrou pelo tubo sanfona que se unia à nave inimiga. Por ele já avançavam os sapadores com maçaricos de plasma para abrir um buraco. Conseguiram seu objetivo e fizeram-se a um lado para dar passo ao primeiro pelotão, comandado por Breno Mendes. Equipados com armaduras e fuzis marcianos; entraram na nave inimiga a sangue e fogo. Dentro encontraram-se frente a frente com os piratas milkaros de arma na mão.

Havia oito milkaros com armaduras negras. Portavam armas longas com as que disparavam laser intermitentes nos terrestres que surgiam pelo buraco da parede metálica.

Os lasers ricocheteavam nas armaduras dos tripulantes da Vingador, que abriam fogo à medida em que surgiam, fazendo retroceder os milkaros desconcertados pela violência das armas marcianas, embora reguladas para mínima potência.

–Atirem nas suas armas! – ordenou Breno.

O tiroteio desenvolvia-se a curta distancia, na sala de estar da nave milkara. As armas terrestres inutilizaram as armas longas dos piratas, que retrocederam cobertos pelos que disparavam desde os corredores. Os terrestres entraram todos e se lançaram à perseguição sempre atirando; com o que os piratas recorreram às armas curtas de poder reduzido.

Um milkaro caiu. Os terrestres passaram-lhe por cima. Aldo abria-se passo a tiro, dominando o cansaço de cinqüenta horas, atirando nos visores dos capacetes inimigos.

–Dividam-se! – ordenou Breno – Komarov, leve seu grupo ao nível inferior!

–À ordem, camarada – respondeu o cossaco espacial.

–Williams, você e o seu grupo ao nível superior!

–De imediato, senhor!

–Brum, vá pelo corredor da direita!

–Sim senhor – disse o contramestre da Vingador.

O combate se fez corpo a corpo em todas as dependências da nave. Eram quinze terrestres contra trinta milkaros. Logo entrou o grupo de reforço comandado pelo próprio Lúcio, com catorze comandos.

Os sobreviventes entrincheiraram-se na sala de controle, no nível superior. Lúcio disparou balas de urânio na porta, que se desfez, e entrou porta dentro; seguido de seus homens atirando sem parar. Trocaram-se dezenas de disparos, os inimigos abaixaram-se, os que não foram rápidos foram atingidos, perecendo no ato.

Depois de cair os milkaros da ponte, ouviu-se nos fones:

–Wir übergaben! Hängen Sie das Feuer auf...! (Nos rendemos! Suspendam o fogo...!)

–Lockern Sie die Waffen! (Soltem as armas!) – gritou Lúcio, e foi obedecido.

Em seguida parou a luta no local. Em outros cantos da nave, ainda se ouviam disparos e gritos, mas pouco a pouco foram parando.

–Mãos na cabeça! Vamos!

Os piratas foram entregando-se. Um total de nove sobreviventes, de trinta.

–Passem os prisioneiros à Vingador pelo tubo, rápido!

De mãos na cabeça, os piratas enfileiraram pelo tubo, sob a mira das armas.

–Brum, jogue os cadáveres ao espaço!

Minutos depois, a Vingador dirigiu-se a Ganímedes, levando de reboque a nave pirata seguido de perto pela Hércules e os aviões.

*******.

Acampamento Ganímedes, 28 de março de 2014.

O professor von Kruger presidia uma verdadeira conferência interplanetária.

Estava o sobrecargo Martos, o capitão Nahuátl, a doutora Isis, o príncipe Angztlán, e o milkaro Pru Atol-7752, que disse, numa língua marciana antiga bem fluída:

–Nem meus tripulantes nem eu temos relação com os piratas milkaros. São umas pragas, tanto para nós, como para vocês.

–Onde está sua nave? – perguntou o professor.

–No último planeta. Tivemos uma pane no núcleo de antimatéria, e não podemos entrar em dobra. Meus tripulantes estão trabalhando nisso.

–Como chegou a esta lua? – perguntou o príncipe Angztlán Pachacuti.

–Numa nave exploradora de cabotagem, que está perto daqui. Aproveitei para fazer um reconhecimento das minhas fábricas nas luas.

–Está preso aqui então? – perguntou Nahuátl.

–Não, é apenas um contratempo.

*******.

Acampamento Ganímedes, 28 de março de 2014, à noite.

Na noite ganimediana, apenas Júpiter iluminava a Hércules na pista.

No seu interior, alguns tripulantes dormiam por primeira vez em setenta horas.

Ao seu lado, a Vingador e a nave inimiga capturada fervilhavam de atividade. Aldo e seus pilotos ainda não tinham descansado um minuto. Estavam todos na sala de reuniões da Vingador.

–Quero que os prisioneiros sejam interrogados agora mesmo, Lúcio – disse Aldo enquanto engolia dois comprimidos estimulantes.

–Presumo ser difícil criar um soro da verdade para estes seres – disse Lúcio.

–De momento, não saberia por onde começar – disse o professor von Kruger.

–Aceito sugestões, senhores – disse Aldo.

–Primeiro com educação – disse Kowalsky – e logo lhes damos uma surra.

–Pode funcionar – disse o professor – Filme policial; o tira bom e o tira ruim...

–Boa idéia – disse Lúcio – eles não são militares. São delinquentes, pela forma de lutar. São covardes, apesar de suas armas. Nunca enfrentaram militares de verdade.

–Só atacam camponeses, fazendas e naves de carga sem defesa – disse Aldo.

–Deixe-me interrogá-los, capitão e os farei dizer tudo – disse Kowalsky, que ainda não demonstrava sinais de cansaço.

–De acordo. Quero saber quantas bases eles têm em Amaltea, quantas naves, se há mais piratas nas outras luas e quantos são. E se eles têm um líder.

Nesse momento entrou o príncipe Angztlán. Aldo o encarou com surpresa.

–Este é o Adormecido de Pomona, Herr Kapitan.

–Alegro-me de conhecê-lo, príncipe – disse Aldo em marciano.

–Estou honrado de conhecer o líder dos que me salvaram da rocha. Tenho sido informado dos seus feitos e acho que a herança de Ran está em boas mãos.

–Esperemos. Imagino que as coisas sejam estranhas para você nesta época.

–Há piratas. Estranha-me que sejam milkaros. Eles eram nossos aliados...

–Milkaros, Kholems e de outras espécies, príncipe.

–Não me chame com esse título, capitão, agora o Império não existe. Pelo que vejo, reina a anarquia na esfera raniana...

–Parece que sim, mas estamos trabalhando para consertar as coisas, Angztlán.

–Vai conseguir, conte comigo para isso. Vocês são nossos descendentes, e com isso ressurgirá o Império de suas cinzas.

–Acha isso possível? – Aldo estava surpreso. Nunca tinha ouvido o estilo

floreado da antiga língua de Ran.

–Sim, pela violência com que agiram. Os vi combater. Não pode negar sua ascendência raniana. Vocês são guerreiros, conquistadores, como nós fomos...

–Deve ser. Minha intenção é dominar todo este sistema, com o tempo.

–E recolonizar os antigos planetas imperiais?

–Um passo de cada vez.

Nesse momento entrou Pru. A reação de Aldo foi imediata:

–Um milkaro! Agarrem-no, rapazes!

Ivan e Tom prenderam-no. Ficou imóvel com duas pistolas na cabeça.

–Esse é Pru, ele é meu amigo! – protestou Angztlán.

–Por enquanto manterei na cadeia os milkaros que apareçam. Podem levá-lo.

Pru foi despojado do cinto de utilidades, pistola e armadura ali mesmo. Em seguida chegaram dois tripulantes e o levaram ao calabouço.

–Herr Kapitan! Protesto! – disse irado o professor von Kruger.

–Protesto anotado, professor, mas estamos em guerra com essa raça e não confio em nenhum milkaro.

–Pru não é inimigo – disse Angztlán, depois de que os homens desapareceram com o prisioneiro pelo corredor.

–Que seja. Depois ele explicará o que faz aqui.

–Eu sei o que ele faz, está em missão de busca, além do mais eu conheci seu antepassado antes de hibernar. Ele é o dono destas luas, que administra, como seus antepassados faziam antes de Ran ser destruído.

–Isso, foi antes, como você mesmo disse.

–Mas ele é um nobre, um aristocrata. Você não devia tê-lo tratado como um vulgar pirata. Você equivocou-se...

–Príncipe Angztlán Pachacuti, você parece ter esquecido quem é que dá as ordens por aqui! – cortou Aldo secamente.

O raniano baixou a mão à pistola. Antes de tocá-la, viu a negra e tisnada boca da pistola de Aldo, apontando-lhe no meio dos olhos. Percebeu sua gafe irreparável, suspirou, levantou as mãos e sacudiu a cabeça raspada.

–Ives, Jacques! Desarmem-no!

Os franceses despojaram o príncipe da armadura, pistola e cinto de utilidades. Angztlán com expressão resignada não resistiu, sabendo que estava sem razão.

–Peço desculpas. Estou fora do meu tempo e da minha realidade. Você deve saber o que faz, capitão. Quem sou eu para questionar os meus salvadores?

–Até nova ordem, Lúcio, a exceção dos marcianos, nenhum alienígena poderá andar armado em nenhuma base, colônia ou nave antártica – anunciou Aldo, ainda apontando a temível pistola marciana à cabeça do raniano.

–Ordem anotada, Aldo.

–Vão me aprisionar? – perguntou Angztlán.

–Por enquanto não – respondeu Aldo – poderá circular livremente nos locais autorizados, mas será vigiado. Se tentar fazer algo contra nós, será devidamente castigado ou executado segundo convenha.

–Minha esposa e eu não temos armas; capitão – interveio Nahuátl Ang.

–Confio em vocês por enquanto. Mas neste ser já não.

–Espero uma segunda chance, capitão – disse Angztlán, sem mágoa – Não estive congelado todo esse tempo para vir a ser morto tolamente...

–Pessoalmente acho errado lhe matar – disse Aldo – Já matei demasiada gente hoje; mas você tentou puxar sua arma contra mim, e isso eu não posso perdoar.

–Cometi um grave erro...

–Cometeu, sim. – disse Aldo abaixando a pistola.

–Meus reflexos me traíram. Para mim o tempo não passou, parece-me que foi ontem que meu mundo existia. Não estou costumado a receber ordens senão a dá-las.

–Devia ter pensado nisso antes de tentar me ameaçar.

–Peço desculpas de novo, capitão. Não devia ter feito isso. Eu sei que errei...

–Errou sim – disse Aldo, engolindo mais dois comprimidos estimulantes.

–Garanto-lhe que foi um gesto mecânico.

–Digamos que eu acredite nisso.

–Não tinha intenção de puxar a arma.

–E se tivesse puxado?

–Não o faria, capitão, foi só um reflexo.

–Nunca saberemos. Verdade, Angztlán?

–Eu sei que não puxaria a arma, capitão.

–Pode até ser. Como eu disse; você ficará desarmado até segunda ordem.

–Não me interessa recuperar minha arma. Fique com ela como presente. O que eu quero é recuperar sua confiança, capitão Aldo.

–Não se recupera o que nunca se teve, Angztlán; eu não lhe conheço, você me foi apresentado há uns minutos. Diga-me, como posso confiar em alguém de quem só tomei conhecimento através de inscrições apologéticas nas paredes de uma sepultura dentro de uma pirâmide semidestruída na superfície de um asteróide que por acaso tem nome; e que por acaso encontrei no meu caminho?

Angztlán ficou em silêncio, por alguns segundos. Por fim disse:

–Terei uma oportunidade de me redimir?

–A está tendo agora, não indo para a prisão, junto com o milkaro.

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Continua em: O BARÃO

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O conto OS HIPERBÓREOS forma parte integrante da saga inédita

Mundos Paralelos ® – Fase I - Volume II, Capitulo 16, Páginas 117 a 124; e seu inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados:

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O volume 1 da saga pode ser comprado em:

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Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 09/11/2016
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