VOS DECLARO MARIDO E MULHER...

...Até que a morte os separe.

A tripulação da Hércules estava em uniforme de gala, assistindo o casamento civil no restaurante panorâmico da Odín, nave almirante; presidido pelo vicealmirante Pires, o militar terrestre mais graduado:

–Desde a época dos antigos veleiros de madeira; nós, comandantes, temos o agradável privilegio de celebrar casamentos. Hoje a tradição se perpetua no espaço interplanetário. Estamos reunidos a bordo para uma ocasião muito grata: oficializar a união de duas pessoas muito importantes para todos nós; que manifestaram o desejo de contrair matrimônio pelas leis eugênicas de Antártica: o capitão Aldo Jorge Santos Drummond e a comandante engenheira Ingeborg Lílian Stefansson Wilkins. Eles vieram a mim para celebrar sua união e assinar o diário de bordo com as testemunhas; capitã Mara, capitão Leif, comandante Boris e comandante Regina. Capitão Aldo; aceita por esposa à comandante engenheira Ingeborg?

–Aceito.

–Comandante engenheira Ingeborg, aceita por esposo ao capitão Aldo?

–Aceito.

–Pela autoridade que me foi conferida em Antártica como comandante da Primeira Frota, vos declaro marido e mulher, até que a morte os separe.

Os recém casados beijaram-se e foram rodeados de amigos. O Mudo Gatti lutava a cotoveladas para ser o primeiro a beijar a noiva. Ivan Kowalsky e Tom Cikutovitch a abraçaram seu capitão.

O Líder Hiperbóreo aproximou-se:

–Vamos nos embarcar para Hiperbórea e realizar o casamento religioso.

Houve um choque geral.

–Religioso? – disse Aldo.

–Mas nós não somos... – começou dizendo Inge.

–Sei – disse o líder – mas vocês não sabem que religião há em Hiperbórea!

–Não sabemos.

–Logo saberão. Sei mais de vocês do que vocês pensam que sei. Não percam tempo e embarquem na Haunebu 4. Quando soube que iam casar, tomei algumas providências. A cerimônia e a festa estão prontas, só faltam os noivos.

Quando se recuperou da surpresa, Aldo disse à sua esposa:

–Quem somos nós, Inge; para recusar o convite do Primeiro Cidadão?

*******.

A Haunebu 4, seguida pela Hércules, pousou numa esplanada cinzenta, na frente de uma construção. Uma porta abriu-se e a nave entrou no hangar. Passageiros e tripulantes desceram.

Veículos flutuantes esperavam.

Os antárticos foram conduzidos ao centro da cidade, onde uma alta cúpula neoclássica, destacava-se sobre os baixos edifícios. A maior parte dos andares era subterrânea, daí a aparência baixa da capital.

Os noivos foram conduzidos ao palácio de governo; onde esperava um exército de alfaiates e costureiras. Roupas, jóias e enfeites foram experimentados. Os noivos separaram-se em aposentos diferentes, passados de moda. Aposentos dos anos 40; finamente decorados de portas altas, janelas grandes, que não se abriam para lugar nenhum, nos subterrâneos da lua Europa, uma lua rica, com água, gelo e minério.

Os antárticos estavam deslumbrados pelo que viam.

O estilo antigo, combinado com a alta tecnologia, quase invisível, resultava num local aconchegante, equilibrado, pouca gravitação, atmosfera perfumada, embora mais rarefeita que a da Terra...

*******.

(***)

Germânia III, lua Europa de Júpiter, 10 de abril de 2014.

A imponente basílica odínica da cidade subterrânea de Germânia III, capital de Hiperbórea brilhava de luzes.

Aldo raspara a barba adquirida em Io, mas deixara um fino bigode, apenas por pirraça. Agora em uniforme de gala da FAECS, esperava com seus padrinhos Boris e Regina; a chegada da noiva; demorada por detalhes de última hora devidos talvez ao seu vestido ou penteado.

Por fim se fez ouvir a Marcha Nupcial de um antigo compositor terrestre.

A música de órgão amplificada por meios eletrônicos, deu marco à entrada da noiva resplandecente na alvura de um incrível vestido de noiva de conto de fadas.

Amparada no braço de seu irmão Leif, desbordando de orgulho no seu uniforme, com Mara e Lídia como damas de honra, Ingeborg, como uma deusa, encaminhou-se lentamente ao altar de Odín, mais bonita do que nunca; parecia irreal.

A fina flor governante de Hiperbórea estava presente para ver casar a Reverenda Sacerdotisa Odínica da Terra, admirando-a em silêncio respeitoso; assim como também pessoas comuns, já que em Hiperbórea; todas as classes sociais são iguais e participam das raras comemorações ou cerimônias.

Por fim a noiva chegou ao altar e a música parou.

O Exilarca e Guardião do Cordão Dourado; ataviado desta vez como um imperador, em vermelho, branco e preto; junto da Sacerdotisa Odínica local vestida de branco; a belíssima Ilustre Dama Virgem Ildegard; deu início à cerimônia.

Na primeira fila, o major Karl Albert Henschel, Barão von Ritcher-Braun, junto de sua noiva, a bela astrônoma Astrid Hedler; sua mãe, a baronesa Frida, e seu avô, o Conde Otto von Ritcher-Braun conversavam baixinho:

–A última vez que vi um casamento destes foi quando sua tia avó Gretchen casou com sua Excelência o Primeiro Cidadão – disse o velho conde.

–Quando minha prima Ingrid casou com o neto dele, também foi bonito – disse o jovem barão.

–Esta cerimônia supera às outras – disse a baronesa – os noivos são belos e a ocasião não se repetirá.

–Dois seres da velha Terra vêm se casar aqui – murmurou o conde – se tivessem me contado isto ontem, teria esbofeteado o atrevido.

No interior do templo, não cabia mais ninguém.

Todos os amigos estavam lá, antárticos e marcianos da frota terrestre, milkaros e ranianos das colônias, e os hiperbóreos das colônias das pequenas luas.

A família do Primeiro Cidadão e a oficialidade em pleno da frota antártica; ocupavam os primeiros lugares.

Havia gente de pé, acompanhando um evento que raramente seria repetido, e que era televisionado para todo o pequeno mundo e para as outras luas de Júpiter.

No encerramento da cerimônia secular, após os votos do casal, o Primeiro Cidadão disse:

–Como Líder de Hiperbórea, e Exilarca de Alemanha, vos declaro marido e mulher. A partir de hoje são cidadãos honorários em Hiperbórea.

Logo foi a vez da cerimônia religiosa.

Após os rituais de praxe, o casal repetiu seus votos com suas mãos unidas sobre a faca cerimonial, perante a Sacerdotisa, que lhes entregou a taça de prata com o vinho ritual, que beberam juntos.

Finalmente...

–Eu; Ildegard, como guia espiritual dos hiperbóreos, vos declaro casados perante os Deuses de Asgard, Odín-Whotan e seu Filho Thor. Você, Ilustre Dama Ingeborg, agora terá o direito de ser chamada de Reverenda Senhora. Manterá seus poderes de sacerdotisa depois de casada – disse a Reverenda Sacerdotisa Virgem, entregando-lhe a faca cerimonial para encerrar a cerimônia odínica.

Aldo e Inge, já com os incríveis anéis de ouro e platina presenteados pelo Líder Hiperbóreo, beijaram-se perante a multidão que os aplaudiu de pé.

Em uma hora, mais ou menos a imagem televisionada pela equipe de imprensa da frota terrestre, transmitida a Pomona e depois a Marte; chegaria à Terra e à RTVV da Antártica; para ser exibida em horário nobre, desde a Lua para todo o planeta.

Assim, os terrestres oprimidos veriam aquele casamento das Mil e Uma Noites e tomariam conhecimento da existência dos hiperbóreos, para alegria e esperança de muitos e para o pavor dos inimigos, impotentes perante o que não podiam atingir nem combater.

Tomados pela mão, os recém casados começaram a caminhar lentamente pela ampla passarela em direção à saída do enorme templo odínico; seguidos de um impressionante séquito.

Na porta os esperava a guarda de honra, composta pelos heróis da Hércules, paramentados com seus uniformes de gala, enfileirados com seus espadins espaciais desembainhados em alto, a modo de corredor, para escoltá-los a uma nova vida.

*******.

(***)

Germânia III - Hiperbórea, 11 de abril de 2014.

Pelas cortinas entreabertas entrava uma claridade amarelada, definindo os objetos que ocupavam o quarto passado de moda.

A opaca luz deslizava nos candelabros de cristal e no espelho da penteadeira; a qual por sua vez refletia-se no rosto de Aldo.

Este abriu os olhos e sentou-se devagar na cama com dossel. Não compreendia ainda onde estava. Parecia-lhe um sonho o quarto com decoração da primeira metade do século XX; aquelas cortinas, os candelabros, poltronas e tapetes.

Então sentiu a presença de Inge dormida ao seu lado.

Lembrou de tudo; o casamento na Basílica Odínica, a festa, as valsas que dançaram, as pessoas que os cumprimentaram, os presentes, e por fim a fuga da festa, num veículo flutuante e a noite de núpcias naquele quarto de hóspedes no palácio de governo, residência do Primeiro Cidadão; uma das poucas construções de superfície de Germânia III de dois andares; com uma janela de alumínio transparente pela que entrava a luz amarelada de Júpiter. Por fora, o palácio era uma fortaleza acaçapada e cinzenta, como todas as construções.

Por dentro, aconchegante e bela.

Aldo contemplou sua esposa ainda dormida; com seus longos cabelos dourados espalhados no travesseiro. Sentia-se satisfeito. Ontem tinha sido um dia de grandes realizações, a reunião de cúpula, os tratados e o casamento.

Mas principalmente sentiu-se feliz pela sua noite de amor, um amor puro; não como aquele amor doentio que compartilhou com a japonesinha Chiyoko. Decidiu que a jovem oriental era só uma doce lembrança e nada mais.

Acariciou os cabelos da sua esposa, que acordou confusa.

Custou-lhe perceber onde estava. Ao sentir que estava nua, tentou cobrir-se, mas abraçou-se dele, que a beijou com ternura e acariciou seus seios com delicadeza, até que ambos estiveram excitados novamente para unir-se por enésima vez, talvez, naquela noite ou madrugada; do que não tinham noção, após tanto tempo no espaço, e muito menos no lugar em que estavam; uma cidade subterrânea, de uma lua que recebia mais luz de Júpiter do que do Sol.

Mas também isso não interessava de momento.

*******.

Após os orgasmos ficaram quietos e unidos, olhando-se e logo se separaram devagar, sorridentes e exaustos. Começaram a rir baixinho, felizes.

Brincaram com seus sexos e perceberam como tinham sido sábios seus mentores antárticos quando os selecionaram desde crianças para serem parceiros. Sua recém descoberta afinidade sexual era como um brinquedo novo para esses jovens tão especiais.

Ao som do seu riso, ativou-se o criado robô que até aí permanecera mudo num canto do quarto.

–Wollen sie das Frühstück im Schlafzimmer? (Desejam o desjejum no quarto?)

–Wollen sie das Frühstück im Eßzimmer? (Desejam o desjejum na sala?)

Surpreenderam-se ao ver a máquina falante, objeto discordante na decoração do quarto. O robô repetiu as perguntas:

–Wollen sie das Frühstück im Schlafzimmer?

–Wollen sie das Frühstück im Eßzimmer?

Aldo, confuso, disse:

–A conversa é contigo, querida.

–Wir wollen das Frühstück im Eßzimmer – disse Inge.

Dentro do aparelho ouviram-se barulhos antes de formular nova pergunta:

–Das einheimische Frühstück ist der Brief, ich zähle 1.

–Das Frühstück von Calixto ist der Brief, ich zähle 2.

–Das Frühstück von der Erde ist der Brief, ich zähle 3.

–Ist dieser Brief, ich zähle 3? – perguntou Inge.

A máquina fez mais uma encenação antes de responder.

–Brief zählt 3, essen Sie gesorgt von der Erde. Neue Möglichkeit.

–Aldo, quer comida nativa, calistana ou terrestre? – perguntou Inge.

–Nativa.

–Wir wollen Frühstück von Brief Zahl 1. – Disse Inge.

Mais barulhos na máquina.

–Sehr gut. Frühstück im Eßzimmer. Brief zählt 1.

Dito isto, o criado robô retirou-se. Aldo, confuso ainda, perguntou:

–Estava interessante a conversa?

–Ah, desculpa querido. Compreendo e falo o alemão, mas para a tradução simultânea não tenho o talento e a paciência que Regina tem.

–Sei.

Ambos olharam-se com carinho e riram de novo, alegres e encantados.

–Vamos ao banho? – disse ele.

–Vamos.

*******.

Saíram da ducha, embrulhados em bonitos e antiquados roupões. O criado robô entrou na sala de estar com uma mesa a reboque.

–Frühstück im Eßzimmer. Brief Zahl 1. Bistecs von wok-Fleisch, mit Salat

von Xil und Eiern von Hod-do. Sie begleiten Kuchen von Mehl-Brot von Mim-Dar und Tee von Blättern von Akok mit wok-Milch Cream. Total sehr heiß und es begleitet eine Flasche von Mineral-Wasser von Calixto. Brief Zahl 1, beendet.

–Inge?

–Desjejum na sala. Carta número 1. Bifes de carne de wok, com salada de Xil e ovos de Hod-do. Acompanham tortas de pão de farinha de Mim-Dar e chá de folhas de Akok com creme de leite de wok. Tudo bem quente e acompanha uma garrafa de água mineral de Calisto. Carta número 1, terminada, Aldo.

–Ah!

–Sehr gut – disse Inge, sorrindo para a máquina, que respondeu:

–Ich werde zu Stimmung sein. Schaltungen teilweise getrennt. Clik!! (Estarei a disposição. Desligando parcialmente os circuitos. Clik!).

A máquina ficou imóvel.

–Ótimo – disse Aldo – Vamos ver como é a comida destas luas.

–Estou faminta.

–Que te pareceu a máquina? – perguntou Aldo, encarando um grosso bife.

–As nossas são mais perfeitas, mas esta tem seu encanto.

–Nós nunca inventamos um criado robô. – disse ele, bebendo água mineral.

–Temos robôs industriais em Antártica, mas nunca criados.

–Nunca pensamos nisso, somos espartanos. Este ovo está uma delícia, Inge.

–Esta comida parece ter muitas calorias.

–Para viver neste clima frio e seco, com uma pressão tão baixa...

–Achei que eles viviam o tempo todo na superfície.

–Pelo que vimos; Germânia III é subterrânea e tem muitos postos de superfície, astroportos, cultivos e algumas fábricas que não podem estar no subsolo. Mas na grande maioria é subterrânea. A atmosfera é tênue como a de Marte...

–Quantos habitantes há?

–Nem faço idéia, Inge. Se eles cresceram em progressão matemática desde que chegaram aqui há sessenta e oito anos; deveria haver em torno de vinte mil habitantes.

–Não há?

–Parece-me que são mais. Aproximadamente meio milhão.

–Como pode ser isso?

–Regina notou que os casais têm uma media de cinco filhos, há numerosos casais que têm oito. Além do mais me parece que praticam a poligamia.

–Fascinante.

–Regina descobriu outros secretos. Hibernam famílias, com tecnologia milkara, para acordarem no futuro, como se esperassem uma guerra. Como não falo a língua terei algumas dificuldades para entender a coisa toda.

–Outros não são alemães... Há noruegueses, dinamarqueses, suecos, italianos, gregos, espanhóis e portugueses nos asteroides troianos.

–Não deve ser ruim viver aqui, Inge.

–Isso me lembra a Antártida.

–Ia dizer isso. Este chá de folhas de Akok está muito bom, é estimulante e gostoso. Lembra-me do eremita de Io.

Após o desjejum decidiram sair para passear.

Vestiram-se com as ricas roupas que receberam de presente de bodas. Havia roupas, peles, jóias, sapatos e acessórios.

Inge estava muito chique com seu vestido de seda milkara e seu abrigo de pele de wok, com um chapéu da mesma pele.

Os sapatos de couro Shak-yk de silício, e as meias de legítima seda de Milkar, completavam sua vestimenta junto com as delicadas luvas de pele de Hod-do.

Inge, como uma manequim; desfilou na sala enquanto o marido aplaudia.

–Uma beleza! – disse Aldo soltando uma baforada do seu cachimbo italiano, presente do Dr. Valerión – Pareces uma dama da primeira metade do século XX.

–Obrigada.

–Não me deste teu parecer sobre minha roupa.

–Estás muito elegante. Pareces... Um senhor europeu de 1945.

–Se pensares melhor verás que pareço um europeu de 2014.

–Tens razão. Estamos em Europa!

Rindo alegremente, saíram da suíte nupcial e desceram até o grande salão do palácio, onde o Primeiro Cidadão, em robe de chambre brincava sentado no tapete com seus bisnetos, dois meninos e uma menina, loiros como o trigo.

*******.

Continua em : A FESTA EM GANÍMEDES

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O conto "VOS DECLARO MARIDO E MULHER..." forma parte integrante da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase I - Volume II, capítulo 18, página 142 e páginas 147-148 e Fase I, Volume III, capítulo 19, páginas 6, 7 e 8; e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados, sarracena.blogspot.com.

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

clubedeautores.com.br/book/127206--Mundos_Paralelos_volume_1.

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 13/11/2016
Código do texto: T5822425
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