NA JORNADA PARA JÚPITER

Esta história começa em 2014...

...Quando em 1º de janeiro de 2014, os antárticos a bordo da nave Hércules, construída em Marte, partiram para Júpiter, em busca da herança perdida de Ran.

O Líder antártico, Aldo, almejava encontrar restos da civilização raniana que pudessem servir de base a novas tecnologias com as quais aumentar o poder antártico. Precisava outras opções para aumentar as chances de vitória contra a ditadura e abranger mais território no Sistema Solar.

Agora Aldo estava ciente de que o doutor Valerión nunca pretendeu que ele voltasse à Terra para combater a ditadura; havia gente demais envolvida nisso, gente com mais recursos na Terra.

Aldo foi treinado desde criança para estender o domínio antártico no espaço sideral e buscar conhecimento.

Essa era sua missão primordial.

Por isso seu irmão mais velho, Marcos, voltou à Terra com sua esposa,

Bárbara Blanes, para assumir o governo Antártico e iniciar a luta.

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(***)

17 de Janeiro de 2014, na Jornada para Júpiter.

(Do diário pessoal de vôo do navegador Konstantin Diakonov)

Diário de navegação, data Antártica 140117.1.

Captei uma explosão de antimatéria, 0.25 graus marco 15 da proa de estibordo; a 5,47 horas luz de nossa posição; no setor 0.51 marco 1.360; na frente da estrela Zeta IV; Barnard Reticulan.

Explosão capaz de destruir um planeta. O destelho durou dez minutos.

Nota pessoal:

Especulação: Poderia ser uma nave estelar explodindo no espaço profundo?

O capitão lamentou que nosso sensor não seja mais acurado.

Diário pessoal, data Antártica 140117.2.

Dos 34 tripulantes da Hércules; ninguém é tão culto como o cientista chefe e primeiro oficial médico; o Prof. Dr. Ludwig Gerhard von Kruger, alma da jornada.

Nascido em Stuttgart em 17 de julho de 1963; afamado professor de medicina, humanidades e ciências, naturalista, escritor, egiptólogo, arqueólogo e botânico.

Também é astrônomo amador e matemático muito conceituado em vários institutos do seu país, onde lecionava antes de vir para Marte. Ele é uma enciclopédia ambulante, carismático, mistura idiomas quando emocionado.

Fez amizade com todos. Ao capitão, chama-o Herr Kapitan, capitão de mar e guerra; e ao imediato Boris Jaskavitch, chama-o Herr Komandant. Irritado, xinga em alemão. Seu saber é impressionante. Se falarmos sobre eletrônica e surgem questões de botânica, cozinha ou jardinagem sempre tem uma resposta.

Conhece a nave de proa à popa. Adora sair ao exterior. Nas atividades extraveiculares, acompanha os astronautas de serviço. Está sempre a tempo na porta da eclusa na hora de sair; com seu pentacorder marciano e computador de mão.

Enquanto a equipe limpa tubos ou solda chapas, ele percorre a fuselagem, observa, fala sozinho, fotografa e faz cálculos.

Ao final do serviço é o último a retornar.

A bordo, se não está no camarote, digitando seu livro ou cuidando sua Bonsai, está na sala de Regina, psicóloga e conselheira do capitão; envolvido em debates éticos; ou no aposento deste, pesquisando a biblioteca. Discute com o capitão temas filosóficos, teoria da relatividade, mecânica quântica, enigmas do Universo, ou eles não estão de acordo sobre se determinado cálculo matemático marciano deve fazer-se desta ou daquela forma. Discutem por costume, defendem a mesma teoria de pontos de vista opostos.

Nós, oficiais e chefes de departamento escutamos o debate e às vezes intervimos, mergulhando naquele mar de conceitos e aportando os nossos. Não há tédio no ambiente de bordo e esquecemos de onde estamos. Fazemos nossas tarefas; e nas folgas aproveitamos a amável camaradagem.

Quase desejamos que a viagem não acabe, embora, é claro, cada vez que olhamos no visor da ponte, Júpiter aparece cada vez maior.

Nota inserida em 140531:

Nos fatos que aconteceram antes de chegar ao nosso destino, nas aventuras em que ainda teríamos participação; vimos coisas terríveis, só assimiláveis tendo uma mente imaginativa e preparada para tudo, caso contrário teríamos ficado loucos.

Diário pessoal, data Antártica 140117.3, complemento:

Somos os primeiros a chegar tão longe.

O contato com Marte é cada vez mais espaçado, pela distância crescente. Von Kruger afirma que tudo o que fizermos será censurado pelo regime, que nada deste conhecimento poderá chegar de maneira alguma às massas terrestres.

Há dois motivos, o horror das descobertas, e a inveja doentia do inimigo. Para nós, que estamos tão longe; por cima dessa mesquinharia; a Terra é um mundo coberto de formigas que a consideram de sua propriedade. Isso seria hilário se não fosse trágico; o Universo não é propriedade de ninguém, e aqui, o vemos em toda sua magnitude e ele não se importa conosco, pequenos e frágeis pedaços de carne dentro de um cilindro de metal lançado ao vácuo sideral.

Não temos cordão umbilical como Gagarin ou Armstrong. Somos livres, somos melhores. Não nos comunicamos com a Terra, e quando nos comunicamos com Marte, não é para receber ordens, senão para dá-las.

Somos independentes, aonde chegarmos; será nossa base.

Vamos instalar postos de avançada nos mundos para nossa expansão no sistema solar, assim o ordenou o capitão.

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Diário pessoal, data Antártica 140118.1.

O professor afirma que nas luas de Júpiter poderemos estabelecer bases permanentes, como a de Marte. Algumas delas são grandes e de boa gravitação. Dependendo do que encontrarmos, determinaremos nosso curso de ação.

Entretanto, o clima a bordo é emocionante porque estamos prestes a atravessar o Cinturão de Asteroides, onde outrora esteve o planeta Ran, que dominou o quadrante segundo os escritos de Angopak.

Von Kruger lamenta não poder ver Ceres, que está a milhões de kms à direita de nossa rota, em oposição crescente.

O capitão determinou que se detectarmos algo interessante nos asteroides próximos, sempre que sejam grandes; façamos uma parada para examiná-los. Isto encheu de felicidade ao professor, que sempre afirmou que naqueles cascalhos deve haver vestígios da civilização de Ran. Este é outro ponto de discrepância entre o professor e o capitão.

Von Kruger é partidário de procurar hipotéticas ruínas que poderiam vir a

existir na zona de asteroides; mas o capitão afirma que a resposta está nas luas dos gigantes gasosos. Nesse ponto sempre intervêm o comandante Boris, apoiando o capitão de acordo com os escritos de Angopak, já que foi ele quem fez o primeiro contato com essa velha civilização marciana.

O professor, cético, alega a ambiguidade de tais escritos, baseando-se nas suas conversas com os hariezanos Lon Vurián e Vurón Garlak, que os consideram lenda.

Isso irrita o capitão; antártico fanático e muito bem doutrinado; que joga na cara do professor o ceticismo. Faz-lhe ver que os céticos não deram ouvidos aos caluniados esclarecidos que tentavam alertar o povo

inocente há várias décadas; pelo que o mundo foi tomado facilmente pela sinistra Nova Ordem Mundial.

O comandante Boris cita como exemplo o alemão Schliemann; do século XIX, que com a Ilíada numa mão e um mapa na outra, achou a mítica cidade de Troia, na Turquia. Assim, pois o Herr Professor não tem mais argumentos e tem que se render.

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Diário pessoal, data Antártica 140118.2. complemento.

Passamos os dias em exercícios mentais que evitam o tédio, o mais perigoso inimigo dos astronautas. Von Kruger e o capitão falam de expansão e Império Terrestre. Ingeborg "Inge" Stefansson, conversa em sua língua sobre isso com o professor; fluente em norueguês.

(Nota: Em quê idioma ele não é fluente?).

Ele dá longas palestras sobre a expansão terrestre, indicando como encarar o fenômeno do qual formamos parte. Nós achamos isso natural; talvez pela nossa idade.

–Formamos parte e somos protagonistas da História. Ir para Júpiter; é uma aventura a mais para nós – afirma energicamente o professor – mas para os que ficaram é como descobrir América ou ir à Lua.

Enumera os passos dados até então; embora os soubéssemos bem demais:

–Vejam a Lua; auto-suficiente, sete cidades; governo independente; aceitando imigrantes. Graças ao governo do Max Guerreiro e ao meu velho amigo Valerión, tornou-se uma potência como Antártica. Em Marte vamos pelo mesmo caminho.

Ao referir-se à Terra, von Kruger afirma com tristeza:

–Aquele mundo já não nos serve. Atmosfera contaminada, mares e florestas morrendo... Não é culpa nossa, senão de gente que nasceu no princípio do século passado e não se importava com seus netos...

Von Kruger é bem pessimista quanto ao futuro imediato:

–A Terra está convulsionada e vai sucumbir.

–Sabemos disso bem demais – lamenta-se a radio-operadora.

O professor sorri à jovem norueguesa e prossegue seu discurso:

–As potências que apoiam o nefasto Grande Irmão estão colocando naves de guerra em órbita, enquanto que a nossa F.A.E.C.S., prudente, não quer iniciar o tiroteio. A Lua resiste. E apesar do bloqueio, Antártida resiste...

Com tristeza infinita nos seus olhos incrivelmente azuis, o professor parece muito mais velho quando divaga com apreensão:

–Vocês imaginam? Vocês pelo menos têm uma vaga idéia do que significam dezenas de astronaves de guerra, carregadas de bombas, mísseis e homens valentes, orbitando em torno de cem mil kms ao redor da Terra?

Ficamos olhando-nos uns aos outros em silêncio, aliviados por estarmos tão longe, mas preocupados, porque muitos dos nossos amigos e parentes ainda estão lá, ao alcance da mão ensanguentada do Grande Satã.

–O mais leve mal-entendido poderia ser fatal... – conclui von Kruger.

–Não começará assim – opina o capitão – o Grande Irmão ainda não está preparado apesar de ter naves no espaço. Traição e mentira são as armas que melhor sabe usar. Mais fácil será que nós os ataquemos. E vamos fazê-lo. Eles sabem disso.

Von Kruger tem medo do fanatismo doentio do capitão.

Convivo com ele pelo meu trabalho e tenho medo dele. Algo ruim devia ter acontecido na juventude desse moço de rosto sombrio, por causa do regime; para sentir tanta vontade de destruí-lo.

Mas o professor, que tem 50 anos, tem mentalidade mais ponderada e faz-nos ver nossa superioridade moral:

–Estamos bem longe dessa mesquinharia. Devemos pensar em criar mundos novos, onde o que aconteceu na Terra não mais se repita.

–Estou de acordo com o senhor; professor – responde o capitão – mas a raça humana é guerreira por excelência.

–Temo que sim, Herr Kapitan.

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Diário pessoal, data Antártica 140119.1.

Esquecidos da tristeza que há na Terra; divagamos sobre o futuro imediato:

–Tenho pensado – disse o capitão – que poderíamos construir em planetas ou luas; cidades autônomas como Ciudad Lunar, com capacidade para três milhões de pessoas. Valerión mostrou um projeto fantástico; uma urbe autônoma com capacidade para dez milhões de habitantes, que pretende construir em Marte.

–Colaborei no projeto – disse o professor – delimita-se a circunferência do terreno, instalam-se subsolos independentes com suporte de vida e cúpula de alumínio transparente. Módulos habitacionais acrescentam-se à medida que as pessoas chegam, como se faz em Ciudad Lunar.

Aí fui eu, que meti minha colher na conversa sem poder me conter:

–Temos tecnologia de gravitação, podemos construir uma no espaço, na Lua ou em Marte; e lançá-la para conquistar o universo, amigos!...

–Himmel...! – exclamou o cientista – um autoplaneta, Herr Diakonov!

–Ele tem razão – concordou o capitão – seria possível viajar centenas de anos, geração trás geração, até achar um mundo habitável.

–Não é impossível. Mas ainda falta muito para isso – disse Inge.

–É verdade, Fraulein – disse o professor – são projetos para o futuro...

–Não muito distante – acrescenta o capitão – Marte supre material. Os nativos amigos modificaram algumas fábricas para receber nossas matrizes.

–Em um ano, a maior parte de nosso equipamento pesado será de fabricação marciana – disse Inge – os marcianos serão nossos parceiros no espaço.

–Prometi isso a eles – observou o capitão.

–Somos uma potência – interveio Boris – isso me leva a pensar que se o

regime evita a guerra antes de terminar de armar-se, pode lançar-se no nosso encalço.

–Só se contarem com a ajuda dos Alfas – disse o capitão.

–Talvez por isso eles constroem naves e não atacam. Você estava certo, Aldo, devemos atacá-los primeiro. Não darão o primeiro tiro – disse Boris.

–Você sugere que estão esperando um momento melhor?

–Esperam que ataquemos, como vilões aos olhos do mundo. Sabem que estamos enfraquecendo e que deveremos atacá-los enquanto podemos.

–Sim, é um dilema, por isso mencionei o fato o outro dia...

–Acho que primeiro nos derrotarão em Antártida, Aldo. E a derrota virá, pode crer, porque eles estão ficando cada vez mais fortes.

–Boris...! – choramingou a radio-operadora.

–Sim, querida. Sinto muito, mas é isso mesmo. Antártida está mais frágil a cada ano. Derrotada Antártida atacarão a Lua que ficará sem produtos vitais. Quando se apoderarem de nossas naves; nos atacarão com elas. Parece-me que o estou vendo.

Nosso espanto foi total. Trocamos olhares e confesso que não pensei nisso, apesar de tê-lo anotado acima, quando relatei à discussão entre o professor e o capitão.

Von Kruger puxou o cachimbo e encheu-o devagar.

No pesado silêncio que se fez na ponte, após as palavras de Boris, o professor perguntou, com voz muito calma:

–Temos condições de defender Marte, Herr Kapitan?

–Não, não temos. A não ser...

–...Que a indústria marciana produza para nós – completou von Kruger acendendo o cachimbo com um pequeno isqueiro elétrico.

–Exatamente, professor. Isso já começou a acontecer...

–Sob a direção do seu irmão Elvis, em um ano Marte será nosso totalmente, e ao fortalecer-nos nas luas de Júpiter, ninguém nos deterá no sistema solar.

–Professor, o senhor voa muito alto – disse o capitão.

–Sim, e vocês todos comigo nesta nave. Ou estou sonhando e logo acordarei?

Todos rimos, enquanto o professor perfumava a ponte com nuvens de fumo aromático; prontamente absorvidas pelos exaustores do teto.

Assim passam os dias a bordo, agradavelmente, em grande camaradagem entre antárticos de diversas origens.

Na Terra não existe essa união, essa camaradagem e amizade que temos aqui, nesta infinitesimal casca de ovo no vácuo do universo.

É uma idéia deprimente.

–Computador! Gravar diário e arquivar na minha pasta.

(1) arquivo(s) copiado(s) IGMARSOFT TRES TERMINADO.

(Fim da transcrição do diário pessoal de vôo do navegador Konstantin Diakonov)

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Continua em: A PRIMEIRA BATALHA DA HÉRCULES

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O conto NA JORNADA PARA JÚPITER - forma parte integrante da saga

inédita Mundos Paralelos ® – Fase I - Volume II, Capítulo 10; Página 6 e páginas 8 a 11; e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados:

sarracena.blogspot.com

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

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Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 16/11/2016
Código do texto: T5825071
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