OS DEUSES LHE SEJAM PROPÍCIOS

Quando a Hércules atravessou as paredes internas do hangar fazendo estragos dentro do autoplaneta; os caças e patrulheiras já estavam no hangar da Amarna.

Jacques Cartier resgatou o núcleo do sistema da Hércules, uma cápsula blindada com base de dados, telemetria e diários de bordo; a memória da nave com sua historia desde que partira de Marte na primeira missão seis anos atrás.

A Vranara puxou a Millennium e a Vingador para dentro dos hangares e centenas de tripulantes milkaros acudiram a socorrer e conhecer os valentes terrestres e marcianos de perto.

A Amarna e a Vranara levantaram os escudos e aceleraram em pós das naves discos de mais de quinze kms de diâmetro, que se dirigiam à Terra para incinerar suas cidades.

Segundos depois um clarão branco formou-se às suas costas; mas eles não o viram nem sentiram a onda de destruição que fez o mundo nômade desaparecer porque estavam em impulso máximo, alcançando as naves kholems.

–Diminuíram a velocidade, estão em inércia – disse o piloto Pacha – o impulso deles está inoperante e os escudos caíram.

–Dreisen conseguiu destruir os malditos – disse Alan – Vamos terminar o

serviço. Amarna para Vranara!

–Prossiga.

–Suas diretrizes voltaram?

–O quê pretende fazer?

–Vou destruí-los um por um com torpedos nucleares. São antiquados, mas eficientes; tenho bastantes e quero economizar os fotônicos.

–Estão indefesos. – replicou o milkaro.

–A Terra está indefesa, capitão Pru! – gritou Alan – E os mundos que esses insetos assassinos depredaram antes, também estavam!

–Devo concordar, mas exterminar os últimos que sobraram de uma espécie... Já não foi suficiente com a destruição do autoplaneta?

–Por quê não vá a Bellatrix a ver o extermínio? São 74 parsecs, podemos ir e voltar em 180 dias padrão em dobra oito!... Será que sobrou alguém com vida?

–Não gaste seus torpedos – disse o milkaro após um momento – disparar luz concentrada no suporte de vida será suficiente. O ar escapará e eles morrerão. Seu povo poderá aproveitar o material e a tecnologia. Vocês têm esse direito.

A Amarna e a Vranara furaram com laser as naves que, de ter chegado à Terra a teriam transformado num cemitério... A Terra já era quase isso depois da guerra mundial e nunca tinha estado tão indefesa como agora... Será que eles sabiam?

A poderosa Vranara puxou as naves mortas para rebocá-las até a órbita de Marte, onde cientistas marcianos e terrestres estudariam por anos essa tecnologia milenar e os falecidos tripulantes.

A Milenium e a Vingador seriam reparadas e suas tripulações esgotadas gozariam de um merecido descanso no Ponto de Apoio.

–Aqui nos despedimos – disse Alan – vou levar a tripulação da Hércules para Rhea. Venha nos visitar. Você pode, ainda faltam cinco anos padrão para que a anomalia de Almach se abra e você possa voltar à sua galáxia...

–Vou visitar-lhe, sim, coronel. Mas antes quero visitar a Terra para conhecer o planeta que gerou uma raça como a sua. Você sabe que procuro uma coisa que está no seu mundo... Espero que ainda esteja. Seu cientista Valerión, disse que está.

–Eu sei o que é. Espero que o encontre. O que fizemos aqui hoje talvez tenha evitado aquele objeto de desaparecer.

–O que fizemos aqui hoje... Foi exterminar totalmente uma brilhante civilização, coronel; mais de trinta milhões de vidas, de acordo com meus sensores.

–Brilhante...? Sim, concordo. Assassina, mas brilhante. Trinta milhões? Uma faísca insignificante que não vai fazer nenhuma falta num universo cheio delas. Você e eu nunca saberemos quantas faíscas similares eles apagaram, capitão; apesar de toda sua... Brilhante tecnologia milkara.

–Mas nem você nem eu podemos recriar essa... Insignificante faísca.

–Não lamente. Algum dia esses insetos acabariam por encontrar a anomalia de Almach e passariam ávidos ao seu quintal para apagar a faísca milkara... Lembre-se dos alakranos. Você devia de saber melhor do que eu; que no universo quase nunca há duas oportunidades.

–Sim. Concordo com o capitão Aldo em que os kholems são uma praga, mas não confie em seu desaparecimento, há outras espécies de kholems neste quadrante.

–Estaremos vigilantes. Os kholems alfas cinzentos se infiltraram há muito na Terra e controlaram traidores da raça; provocaram guerras, doenças, e a última guerra que tivemos. Talvez você desconheça essas coisas; consta-me que seu avançado império é pacifista... Hoje você violou suas diretrizes. Você me surpreendeu.

–Milkar está muito longe.

–Sim, eu sei que está. Desculpe meu sarcasmo, Pru.

–O quê é sarcasmo?

–Ah...! Esqueça essa palavra, Pru. Sem você, não conseguiríamos. Agradeço muito pela ajuda.

–Não precisa me agradecer, coronel. Em verdade foi o engenheiro da nave Hércules que exterminou os kholems.

–Dreisen sacrificou-se... Como Basil Muslimov ao salvar a Hércules de cair em Júpiter. Seu túmulo está em Io, a duzentos estádios do Acampamento Muslimov, visite-o se puder, está longe dos vulcões; é um bom lugar para pensar.

–Talvez o faça. Qual era a função de Basil Muslimov?

–Era engenheiro. Não é incrível? Não eram guerreiros... Eles, tão humildes no meio das máquinas que eram sua vida; na hora da verdade a deram sem vacilar, sem medo. Alexander Otto Dreisen deu a vida pela Terra. Já viu algo assim?

–Uma vez, em... Meu quintal, como você o chamou. Um milkaro da espécie humana, como vocês, sacrificou-se por todos nós, quando deteve a invasão alakrana na outra entrada da anomalia... Ele é honrado com orações até hoje.

–Não sabia que havia humanos em seu império.

–Milkar é muito grande.

–É bom saber que vocês lembram desse humano especial depois de... mais de dez mil dos meus anos... Uma enormidade de tempo... Até para vocês.

–Verdade. O que será que eles pensam nesse momento final?

–Talvez vejam a vida toda em um instante. Talvez não pensem no que fazem, pelo menos não duas vezes, senão desistiriam e não passariam para a História, como tantos outros. Eu mesmo já quase fiz isso.

Pru Atol fez uma longa pausa na frente da tela. Seus olhos enormes e negros brilharam e sua expressão permaneceu imutável, ou pelo menos assim pareceu para Alan, pouco habituado a lidar com os milkaros.

–Vocês são uma espécie interessante, coronel. Sacrificam-se pelos outros.

–Há algumas ocasiões, capitão Pru – respondeu Alan após uma pausa – em que as necessidades de muitos se sobrepõem às necessidades de poucos... Ou de um.

–Os deuses lhe sejam propícios, coronel Alan. Vranara desliga.

*******.

Após a batalha.

Alan e Huáscar saíram do elevador no hangar onde estavam os sobreviventes da Hércules. Restaram vinte e cinco de sessenta e quatro, entre xawareks de Japeto, taonianos, marcianos e terrestres; alguns deles feridos, atendidos pela doutora Gates Henna e seus auxiliares.

Todos já sabiam do sacrifício de Dreisen e estavam tristes. O que mais chorava era o Mudo Gatti. A Hércules era sua casa, seu mundo, e agora se fora.

Aldo estava sombrio, suas mãos tremiam. Esperara cinco anos por esse momento e na hora decisiva quase falhara e escapara por pouco da destruição.

–Como você está?

–Estou tremendo, coronel. Por primeira vez na vida senti medo. Desta vez encontramos um inimigo à altura e levamos a surra que merecíamos, tal como Valerión previu que um dia isso ia a...

–Calma, amigo. Acabamos com eles; e é isso o que interessa.

–Dreisen se foi. E os outros...

–Haverá monumentos em sua honra; escolas, cidades, universidades levarão o nome do homem que salvou a Humanidade. Não será esquecido, Aldo. Vamos fazer que a História nunca se esqueça do nome da Hércules.

–Pode me dizer o que faz numa nave xawarek, coronel?

–Isso é longo de contar e requer um jantar na minha cabine. Agora vou lhe apresentar o capitão Huáscar... Venha, é o protocolo.

–Os deuses lhe sejam propícios, honrado capitão Aldo.

–Comigo foram carrascos, honrado capitão Huáscar.

–Engana-se, foi glorioso! Sua honrada nave derrotou o inimigo!

–Com a sua ajuda, capitão.

–Contaremos a história da Hércules aos nossos filhotes e repetiremos muitas vezes o nome do guerreiro Dreisen, que morreu com honra para ganhar a batalha.

–Ele colocou sua honra acima da minha, capitão. Eu pretendia explodir a nave e ele me tirou de lá à força.

–Então o mérito dele ainda é maior. Dreisen preservou sua vida para que você pudesse lutar de novo...! Ouviram isso guerreiros?

Um ensurdecedor coro de rugidos ressoo no hangar. Os tripulantes da Amarna, xelianos, boralianos e xawareks uniram-se para homenagear a heterogênea tripulação da Hércules por longos minutos. Quando o barulho acalmou, Alan disse:

–Venha a conhecer a ponte, Aldo; é o protocolo. Depois vou mandar preparar um quarto para você descansar e uma refeição. Vejo que você não está bem.

–Não, não estou... Estou mal, Alan... E a minha tripulação?

–Estão bem atendidos; não se preocupe. São heróis, como você.

–Mas...

–Venha, Aldo. Você precisa deixá-los. Amanhã estarão calmos, veja o Mudo, está inconsolável e você não precisa ver isso. Esta é uma nave xawarek e para eles, morrer em batalha é a maior honra que se pode alcançar.

Alan pegou Aldo pelo braço e o levou ao elevador. Huáscar foi com eles até a ponte, onde apresentou os chefes de departamento. Depois Alan e Aldo desceram até o nível dos alojamentos. Lin, já avisada, havia preparado um quarto para o terrestre.

Aldo tirou o capacete e as luvas e atirou-se na cama. Mas não pôde dormir.

Dreisen ainda o chutava para dentro da patrulheira e fechava a eclusa.

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CONTINUA EM: NO ACONCHEGO DA CIDADELA

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O conto OS DEUSES LHE SEJAM PROPÍCIOS - forma parte integrante da

saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase II - Volume IV, Capítulo 34; Páginas 129 a 135 e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados:

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Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 22/11/2016
Código do texto: T5831180
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