A REVERENDA SACERDOTISA

4 de dezembro de 2013.

Desde Ceres chega a notícia de que a expedição foi um êxito. Havia minério do qual extrair oxigênio e hidrogênio; urânio e tório bem ativo e aproveitável; e também vitronita, o raro mineral lunar que tanto procuravam os alfa cinzentos; o qual serve para fazer vitrotitânio.

Fuchida montou rudimentares fábricas numa base do mesmo tamanho do Ponto de Apoio e naturalmente faltam braços. Precisa com urgência equipamento robótico e gente. Ainda há tempo de enviar o que precisa, antes que sua órbita o leve longe, ao outro lado do Sol.

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Em cinco de dezembro...

...Partiram a Ares I e a Orion. Na primeira, ia Daniel Marín, sua esposa e seu filho de 13 anos, nove astronautas com suas esposas; duas meninas de 11 e 12 anos, filhas do mecânico de bordo; e cem toneladas de equipamento.

Na segunda, Alfredo Solís com nove camaradas, esposas, além da sua, e seus filhos, um menino de 15 anos e uma menina 13. O grupo de apoio a Fuchida compõe-se de 45 pessoas e com isto o número dos ausentes do Ponto de Apoio elevou-se a duzentos e quarenta e três.

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7 de dezembro de 2013.

Com peças dos foguetes robôs e contêineres; finalmente terminou-se de montar a estação orbital a doze mil kms sobre a base terrestre, em órbita Clarke alta o suficiente para também servir de transmissora para os comunicadores celulares da região de Ares Vallis.

A estação serviria de depósito, laboratório, siderúrgica em zero g para fabricação de vitrotitânio e estação de vigilância, com os agora oito satélites espiões em órbita Clarke e a estação retransmissora de Dheimos.

Tem um corpo central esférico de cem metros de diâmetro, e oito cilindros de 200 metros por 30 de diâmetro, que servem de depósitos.

Ao redor do conjunto, unindo-o em forma de roda, há um corredor cilíndrico de trinta metros de diâmetro, onde estão os alojamentos.

É uma construção vazia, porque seriam necessárias mais de duas mil pessoas para dar-lhe vida. Mas é uma obra pensando no futuro. Uma cidade espacial por enquanto usada como depósito do excesso de produção do Ponto de Apoio.

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8 de dezembro de 2013.

A capela do padre seria pequena demais para os 518 terrestres se estivessem todos. Seria o caos absoluto.

Mas como estes nunca estiveram juntos ao mesmo tempo na base, sobrou lugar para assistir os casamentos de alguns colonos; já que os astronautas antárticos recusaram casar-se pelo ritual católico e por isso; após os casamentos do pessoal de apoio, se encaminharam ao Centro Recreativo, onde havia espaço para cerimônias.

Aldo não era iniciado na religião pagã a ponto de conhecer toda a ritualística para efetuar os casamentos, mas era suprema autoridade terrestre em Marte e realizou os casamentos legais dos camaradas, formalidade que servia para abastecer o banco de dados do sistema.

Após efetuar os casamentos legais, assentou-os no livro de estado civil do Ponto de Apoio. Seria um livro histórico onde seriam registrados casamentos, nascimentos e óbitos.

Ingeborg Stefansson, a Reverenda Sacerdotisa Odínica da Noruega; completou a cerimônia com a ritualística requerida.

Após os desposados unirem suas mãos sobre a faca cerimonial depositada sobre o altar coberto com um pano bordado com as cores mágicas; rubedo, albedo e nigredo; e beberem um gole do vinho sagrado no mesmo cálice de prata, ela disse as palavras rituais finais:

–Boris Alexeievitch; aceitas por companheira a Regina Lúcia, até o dia em que um dos dois partir para Asgard?

–Aceito, Reverenda Senhora.

–Regina Lúcia; aceitas por companheiro a Boris Alexeievitch, até o dia em que um dos dois partir para Asgard?

–Aceito, Reverenda Senhora.

–Vos declaro marido e mulher pela graça de Odín-Wothan e seu filho Thor que são os Deuses que reverenciamos e que nos acompanham nesta jornada nas estrelas, assim como o espírito dos antigos Avatares e do Grande Mártir, o Último Avatar.

Boris e Regina foram os últimos a casar nesse dia. Antes foram Marcos e

Bárbara; Elvis e Linda; Nico Klinger e Tama Wilkins; Eric Wilkins e Lina Antúnez; Lúcio e Eva; Konstantin Diakonov e a doutora Lídia Maximova; Mara, irmã de Aldo, que casou com o seu eterno namorado Leif, irmão de Ingeborg.

Lon Vurián, Danai e muitos nativos, assistiram pelo lado de fora da parede de alumínio transparente, ouvindo pelos alto-falantes.

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Dos dez hangares da base, o H3 era o único vazio. Por isso tinha sido escolhido para ser o Centro Recreativo. Seu interior hermético estava iluminado e decorado.

A mesa da festa, improvisada com asas de aviões e barris de concentrado, estava servida com assado de carneiro para os não vegetarianos; frutas frescas da horta hidropônica; pão quente de trigo antártico; legumes hidropônicos; água marciana, sucos de frutas hidropônicas; vinho e cerveja importados da Terra.

Para sentar-se, havia caixas vazias ou cheias de material essencial ou munição. O sistema de som emitia música dos países dos astronautas, soldados e cientistas. Pela janela, os marcianos deslumbrados pelo espetáculo, observaram os visitantes divertir-se até o amanhecer.

Era a primeira festa no Ponto de Apoio; era a primeira vez que tinham algo a celebrar e ânimo para tanto.

Após a meia-noite, os casais prepararam a tradicional fuga, escapando da festa para a lua-de-mel. Num reservado no fundo do hangar; homens e mulheres trocaram a roupa cerimonial por trajes espaciais.

Os primeiros em sair foram Nico e Tamara, fugindo discretamente da festa que continuaria sem eles.

–Por onde eles saíram? – pergunta alguém.

–Pela eclusa dos fundos – responde outra voz.

–Onde passarão a lua-de-mel?

–Nos novos alojamentos do iglu hospital.

–Vejam! Linda e Elvis se escapam! Arroz neles!

–O que faz Eugênio Baden com eles?

–Dar-lhes-á uma carona para Phobos na sua nave.

–Aonde irão Eric e Lina? – perguntou alguém.

–A nenhuma parte – disseram eles – ficaremos aqui mesmo.

–Aqui na base, vai ser chato para recém casados – disse Boris, tomando um gole de suco de abacaxi.

–Nico e Tama ficam – replicou Lina.

–Vocês poderiam ir à base nova do pólo Sul – disse Maya Terasaki, sentado junto à sua esposa Hiroko – posso levá-los no meu avião. Agora há uma grande comunidade por lá, há trenós, esquis e outros tipos de diversões no gelo.

–E o alojamento? – perguntou Eric.

–Isso se soluciona com um iglu – respondeu Maya.

–Será divertido – disse Hiroko.

–Vamos, sim, Eric – suplicou Lina.

–Topamos – disse Eric.

Em seguida, os casais levantam-se e saem pelo túnel de ligação dos hangares.

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A festa estava no apogeu. Os russos organizaram um baile de danças de cossacos. Basil Muslimov, engenheiro da Prometeo, era conhecido como O Russo Alegre. Tocava a balalaica à perfeição e agora tocava uma bonita música que os russos bailavam enquanto os outros acompanhavam batendo palmas.

O recém casado Konstantin dançava de braços cruzados, apoiando-se numa perna só. A reduzida gravitação marciana facilitava suas acrobacias, celebradas pelos camaradas que aplaudiam e cantavam com grande animação.

No meio disso tudo, Marcos e Bárbara dispunham-se a fugir, sendo percebidos por Aldo, que os deteve:

–Não vão ainda, tenho que lhes dar meu presente de casamento.

–Claro; irmão – disse Marcos sorridente – o quê é?

–Esta chave.

–A chave da Antílope? – exclamou Bárbara.

–Sim, cunhada, que sejam felizes.

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As quatro da manhã, a Antílope decolou, levando como passageiros Boris e Regina.

Os dois casais passariam a lua-de-mel na estação orbital.

Leif e Mara partiram para Angopak e Lúcio e Eva foram para Dheimos, onde passariam uma temporada.

Lídia e Konstantin ficaram no acampamento. Às quatro e meia, Inge encontrou-se com Aldo no alojamento dele.

–Sobramos.

–Sim – respondeu ele.

–Solteiros. Como corresponde a todo herói e toda heroína. – disse ela.

–Tu e eu nunca falamos em casamento. Todos fomos selecionados em casais em Antártica. Teoricamente, neste momento deveríamos estar casados. Sempre fomos muito unidos, como irmãos e nunca pensamos em que tínhamos que nos casar algum dia, Inge. Será que o computador de Antártica cometeu uma equivocação? Mas eu te amo muito, Inge. Sabes disso.

–Eu também te amo, Aldo.

–Querias casar desta vez, em lugar de celebrar os casamentos dos outros?

–Não, não quero casar agora; não estou preparada.

–Também não me sinto preparado. Acho que algumas coisas devem acontecer antes de nossa união definitiva. Sinto que devo fazer coisas antes de casar, sinto que não é o momento. Não tenho estado mental para isso.

–Entendi. Sinto-me igual. Regina disse que ainda falta algum tempo para meu desejo se manifestar, porque eu não tive infância. Proponho uma coisa, Aldo; quando chegarmos a Júpiter; se os deuses permitirem, nos casaremos.

–Combinado.

–Agora vou dormir para me recuperar da festa.

–Eu também estou acabado. Preciso dormir para poder trabalhar no projeto.

Ambos beijaram-se longamente, com carinho, e a jovem foi embora para seu alojamento, onde agora deveria viver sozinha, após o casamento e partida do seu irmão; deixando Aldo em companhia dos seus pensamentos.

Pela janela, Aldo viu-a afastar-se. Até esse exato momento; o universo funcionava a contento sem mudanças imprevistas.

Ainda os mundos paralelos não tinham entrado em colisão.

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Com o barulho do chuveiro Aldo não ouviu a eclusa. Quando saiu do banheiro e foi para o quarto enrolado na toalha, deparou-se com uma surpresa vestida de kimono vermelho estampado de flores brancas e amarelas:

–Chiyoko! O quê faz aqui?

–Fui obrigada a vir, meu senhor.

–Obrigada? Por quê motivo?

–Não resisto o fogo que me queima. Que os deuses me perdoem!

–Garota...! Quê loucura! – Aldo sentiu sua cabeça girar, quando ela disse:

–Quero ser sua, antes de ser de ninguém mais.

Ele sentiu; mais que viu; o desejo nos olhos dela.

Aspirou o perfume oriental há muito esquecido, entendeu seus motivos e disse as palavras; sem pensar que era um instante critico do universo, uma variável imprevista, onde entrava vertiginosamente num universo provável, num Mundo Paralelo, apenas com dizer:

–Se assim o queres...

O kimono de seda deslizou ao chão.

–Quero, sim, meu senhor.

Ele perdeu o controle.

Um fogo líquido correu-lhe nas veias, inundando seu membro viril.

A ereção quase fez a toalha cair. A jovem oriental era muito bonita e ele desejava-a desde que a conheceu; embora sem admiti-lo.

Agora ela estava nua no seu quarto, entregando-se com o corpo em fogo, louca de desejo.

O homem despencou em plena queda num redemoinho, num vórtice, num turbilhão dos Mundos Paralelos, e disse, simplesmente, para se perder de vez:

–Quero teu corpo, garota.

–Sim, meu senhor, embora seja apenas por esta noite.

Ele sabia que estava se perdendo e não respondeu.

A toalha caiu e a beijou nos lábios.

Abraçou o corpo adolescente, suave como cereja madura, abandonou o universo e entrou em outras variáveis, novas probabilidades, situações, eventos que não deviam existir, mas viriam a existir a partir desse instante; engendrados por esta união imprevista...

Onde estavam os deuses, nesse fatídico instante em que a História foi

totalmente mudada?

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Continua em: A TRIPULAÇÃO PARA JÚPITER

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O conto A REVERENDA SACERDOTISA - forma parte integrante da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase I - Volume I, Capítulo 9; páginas 149 a 152; e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados:

http://sarracena.blogspot.com.br/2009/09/mundos-paralelos-uma-epopeia.html

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

clubedeautores.com.br/book/127206--Mundos_Paralelos_volume_1

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 08/12/2016
Código do texto: T5847308
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