OS TIGRES

Depois da partida das Terras Frias...

Com um macacão branco que destacava seu corpo bem formado e seu longo cabelo loiro acinzentado dividido em duas tranças; Ruddah Pakria parecia mais jovem que seus prováveis 42 anos. Era uma mulher interessante e bonita, de rosto inteligente, sem qualquer maquiagem. Possuía traços firmes e nobres. Seus olhos azuis expressivos e profundos tudo observavam com compreensível curiosidade.

Nagol Pakria; sua criada e sobrinha; estava linda de macacão azul claro, que destacava a frescura do seu corpo adolescente de prováveis 15 anos. Seus olhos grandes e azuis pareciam voar em pôs de tudo o que via nesse lugar maravilhoso, essa morada de deuses agitados que iam e vinham pelos corredores.

De macacão castanho, o atlético Gamal parecia mais um tripulante, não fosse o cabelo amarrado com uma tira de couro. Fazia menos de 24 horas que estavam a bordo; e agora limpos, alimentados e vestidos com roupas funcionais neste lugar quente e acolhedor, estavam como em transe. As luzes machucavam seus olhos e Valerión providenciou-lhes óculos polarizados com os engenheiros.

A pressão e o calor os sufocavam e a gravitação artificial de 1G era forte demais, já que o ambiente terrestre da Hércules tinha sido melhorado em Hiperbórea. Percebendo isso, o Dr. Valerión mandou diminuir a pressão a dois terços e a gravitação a 0,7G. A temperatura padrão de vinte graus foi diminuída para dezesseis.

Com este meio termo, satisfatório para vurians e antárticos, melhorou um pouco a vida dos convidados, que se encantavam com as telas coloridas e as luzes dos sistemas.

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Aldo ainda estava anestesiado na enfermaria quando Regina chamou Ives.

–Sinto muito, madame. A situação aqui é ainda complicada. Trabalhamos com os cientistas locais. Estou envolvido em várias tarefas. Não me atrevo a partir e deixar Regert. Além disso, não há piloto para o CH-3. Foi Petersen que o trouxe.

–Terá que vir aqui de qualquer modo. Foram ordens do capitão.

–Tentarei, madame.

–Não tente. Venha. E me deixe falar com Regert. Precisamos do CH-3.

–Está bem.

O rosto de Regert apareceu na tela.

–Capitão, essas naves devem vir para cima imediatamente.

–Posso mandar a patrulheira e o caça, doutora. A Wodan deverá ficar. Os taonianos estão copiando os M-2020.

–O quê? – Regina ficou pálida – Espere até Aldo saber disso!

–Ouça, doutora, eles estão só um pouco atrás da ciência Hiperbórea. Não haverá problema em ajudá-los. Não há como copiar todos nossos equipamentos. São avançados demais, eles mal dominam a ciência atômica, quanto mais a antimatéria.

–Entendo, mas não decido nada. Mande os aviões, o capitão os quer agora.

–Mandarei Petersen no CH-3.

–Esperamos. Estamos em... – Regina leu as coordenadas da órbita.

–Anotado. Reorganizo a tripulação e envio uns homens com o tenente Ives.

–Não vai encher a Hércules de gente, Regert!

–Não. Alguns tripulantes querem voltar para as Terras Frias. São os que

arranjaram esposas nativas. Eles querem voltar de qualquer maneira.

–Entendo. Ficamos esperando. Hércules desliga.

*******.

Horas depois, após passar nas Terras Frias e deixar nove tripulantes, as naves atracavam nos seus lugares na Hércules. Ives e Petersen passaram a bordo, direto à ducha, e o mecânico de caça, Martinez, ocupou-se de revisar, abastecer e apetrechar as unidades.

Valerión avaliara a nova situação, e passara os dados ao sistema positrônico, no qual confiava para elaborar um plano com o qual conseguir localizar e derrotar os xawareks com um máximo de vantagem. Queria adiantar trabalho para quando Aldo se recuperasse e estivesse novamente disposto.

*******.

Órbita de Titã, 10 de abril de 2015.

–Não posso ficar parado – Valerión estava irritado – estou como leão na jaula!

–Comparto seus sentimentos. Depois que Lídia retirou meus curativos, estou mais animado, minha aparência está aceitável e posso passar à ação.

–Pretendo mapear o sistema saturnícola como fiz em Júpiter.

–Boa idéia, Valerión. Não precisamos surpresas desagradáveis, como as de lá. Temos os xawareks localizados, mas podem estar em outras luas. Perdemos cinco meses nos preocupando com outras coisas e deixamos de lado o que interessa...

–Sim. Apesar de que chegamos em condições não convencionais, outros virão depois de nós e necessitarão toda a informação que possamos reunir. Quero uma patrulheira. Já selecionei os tripulantes; Adolphe, Alan Claude e Lobsang; um caça montado encima; um iglu e mantimentos para três meses. Manterei o contato com a Hércules. Mas não tenho data para voltar. Pretendo inspecionar todas as luas.

–Pegue o que precisar. Mas Japeto é minha.

–Até depois que a limpares...

–Vou interrogar os prisioneiros que a Wodan enviou. Viu como são?

–Vi, sim. Felinos humanoides, maus como o diabo e mais fortes do que nós; recomendo cautela; são guerreiros e caçadores; respeitam a força. Se demonstrares fraqueza ou compaixão, não conseguirás o respeito deles.

–Terei isso em mente.

–Outra coisa, Aldo; há muito material importante, base de dados, fotos, filmes, espécimes, livros e objetos taonianos e vurians. Tudo isso a bordo. Se acontecesse uma desgraça isto se perderia. As patrulheiras são rápidas e podem ir a Júpiter a um milhão de kms por hora. Têm um alcance de 11 bilhões de quilômetros, poderíamos mandá-las a Marte ou mesmo à Terra. Júpiter está se afastando e não há tempo a perder. Ainda assim, eles podem ir e voltar em dois meses. Enquanto estavas impossibilitado tomei a liberdade de planejar também essa viagem. Selecionei a tripulação; Jacques Cartier e Simon Gart; que pilota bem e será um ótimo co-piloto.

–Não discuto. Onde está o material?

–Empacotado no porão. Vou mandar carregar.

–Mande. E quero falar com eles antes de partirem.

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Jacques e Simon, enfiados nas armaduras, estavam com a mão no trinco da eclusa, uma hora depois da partida de Valerión para as luas.

–Vão a Ganímedes, entrevistem-se com o vice-almirante Pires, entreguem a informação e o material, descarreguem a base de dados, reabasteçam, peguem toda a informação possível sobre a situação na Terra, e voltem depressa.

–Sim, senhor – disse Simon Gart.

–Quero saber por quê a Terra não responde à comunicação, se Antártica ainda existe; e o quê está acontecendo em Marte, que também não responde.

–Saberemos de tudo, senhor – disse Jacques.

–E tragam satélites de comunicação. Os que puderem carregar.

–Sim senhor.

–E agora vão! Boa jornada!

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À tarde, Aldo sentiu-se preparado para interrogar os xawareks.

Com Regina monitorando, desceu ao porão com Wassermann Grubber e Báez, armados. Encontrou os monstros bem tranquilos; de olhos fechados pela luz amarela, amarrados com cabos de vitroaço soldados em grilhões de titânio.

Era chocante vê-los; tigres humanoides de olhar inteligente, cobertos de fino pelo curto amarelo avermelhado ou preto. Os olhos, de pupilas verticais como gatos; amarelados em alguns, verdes, castanhos, cinzentos ou azuis em outros, pareciam astutos. As orelhas pontudas em cima da cabeça moviam-se em direção ao som.

Corpulentos de quase dois metros; pareciam humanos ao caminhar com graça felina. As garras tinham cinco dedos e unhas fortes e pontudas. Os braços eram musculosos, as pernas fortes e articuladas como as humanas; embora os pés fossem mais compridos do que a média proporcional, o que denotava a singular evolução de animal digitígrado para humanoide plantígrado.

Sem as armaduras, vestiam de maneira simples; calças e túnicas de pano rústico verde escuro; com meias soquetes grossas da mesma cor; pelas que assomavam as unhas pontudas dos pés.

*******.

Aldo pensou na América pré-colombiana e nas enormes estátuas de pedra dos homens tigres dos olmecas, toltecas e outros; com cabeça de tigre e corpo humanoide. Eles sem dúvida assolaram a Terra em eras passadas. Poderiam esses antigos deuses estelares ser náufragos espaciais? Um estremecimento percorreu sua coluna antes de perguntar em raniano:

–Sat un ert spoka?

–Sim – respondeu um deles na mesma língua – vamos falar.

–Diga seu nome.

–Sou o capitão Kern Mokvo, Baharnum de Xel Amarna.

–Escute Kern; de quê espécie vocês são?

–Somos xawareks. E você? Não parece taoniano. Diga seu nome.

–Aldo. Capitão da Hércules. Sou do terceiro planeta.

–Um Atlante? Então não morreram... Pelo jeito já estão caçando de novo.

–Estamos. De onde vocês vêm?

–Não sabe? – o alienígena parecia surpreso.

–Não, não sei, mesmo. Nunca vi seres como vocês antes.

–Nossa origem distante é Amaru Xel. Quarto planeta de Xawarek.

–Onde fica isso?

–Uma gigante branca a 2,67 parsecs daqui.

–Quando chegaram?

–Milhares de ciclos atrás. Nossos ancestrais vieram na Grande Caçada junto com Alakros e ficaram isolados aqui quando a nave mãe deles caiu na lua onde hoje temos nossa toca. Eles a denominaram Xel Amarna. Tiveram muitas dificuldades, mas começaram tudo de novo. Nós nascemos aqui.

–E assim que subiram ao espaço, resolveram atacar os taonianos. Por quê?

–Eram nossos inimigos. Dominaram nosso sistema quando existia o império raniano, além do mais, queremos a toca deles. A nossa não tem ar.

–Isso já passou. Deviam ter contatado com eles; unir conhecimentos e começar uma nova jornada... Caçada, junto com eles. Não era mais fácil pedir para ficar?

–Pedimos, sim...! Há muito tempo, mas os nativos nos odeiam.

–Por quê? O quê fizeram a eles?

–Nada! Tentamos a paz há muito tempo! Mas eles tiveram medo de nós e mataram covardemente nossos emissários honrados...! Por isso os atacamos; para pegar material vital que necessitamos e para que lembrem do mal que ocasionaram.

–Tenho certeza de que, se conversarem, tudo será esquecido e haverá paz.

–Você não tem base para afirmar isso. Nossos emissários honrados estavam desarmados...! Não haverá paz, não temos nada em comum com eles!

–Percebo. Mas penso que podem chegar a um acordo. Vocês são assustadores para os taonianos. Por isso foram mal recebidos da primeira vez.

–Eles são tão feios para nós, como nós para eles, covardes; que mataram nossos emissários honrados. Não haverá acordo. Precisamos caçar as indústrias deles para reconstruir nossa nave estelar e voltar a Amaru Xel.

–Como? Eles estão mais atrasados do que vocês.

–Nós podemos voltar às estrelas se tivermos as indústrias deles. Sabemos que podemos. Guardamos o conhecimento por gerações. Queremos voltar para casa!

O terrestre não esperava conseguir tanta informação. Lembrou as palavras de Valerión:

-"Cautela. são guerreiros e caçadores; respeitam a força. Se demonstrares fraqueza ou compaixão, não conseguirás o respeito deles”.

Algo fez que os alienígenas o respeitassem.

Talvez por ser líder dos seres que os derrotaram e capturaram, talvez por ser capitão da nave... Ou talvez porque sua armadura estava marcada por inúmeros disparos.

–Ouça, Kern. Não quero que continue esta guerra entre vocês e os taonianos; eu quero fazer uma aliança com eles e vocês são um empecilho.

–Não haverá paz! – gritou Kern com voz gutural como o rosnar de uma fera.

–Posso ajudá-lo a voltar para casa e em troca você me empresta sua engenharia interestelar, que muito me interessa. Pense bem, discuta com seus colegas.

–Impossível!

–Então entregarei vocês aos taonianos e atacarei Xel Amarna sem piedade.

–Meus irmãos vão lutar bravamente!

–Não duvido. Espero que morram com honra. Esta conversa está terminada.

Aldo saiu fora com seus homens, deixando os xawareks como os encontrou.

A Hércules pousou num quartel da Legião, nas proximidades de Taônia, onde entregou os xawareks tremendo de frio ao comandante, previamente avisado.

–Prenda-os. Mas não os machuque e não os mate. Retornarei para pegá-los.

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Continua em: A BATALHA DE JÁPETO.

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O conto OS TIGRES - forma parte integrante da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase I - Volume III, Capítulo 23; páginas 79 a 82; e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados:

http://sarracena.blogspot.com.br/2009/09/mundos-paralelos-uma-epopeia.html

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

clubedeautores.com.br/book/127206--Mundos_Paralelos_volume_1

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 12/12/2016
Código do texto: T5851067
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