A GRANDE CAÇADA

Rhea, 30 de novembro de 2015.

A construção da estação orbital estava bem adiantada. Terrestres, marcianos, taonianos, hiperbóreos e troianos afanavam-se montando também a doca onde seria montada a nave xawarek e logo a primeira nave estelar terrestre.

A indústria taoniana nunca trabalhara tanto produzindo material para Rhea, segundo especificações dos xawareks; além de naves copiadas das troianas. Os taonianos, apesar de transportarem eles mesmos o material para treinar vôo espacial, não sabiam que ajudavam a construir uma nave estelar.

O que interessava a eles era que havia atividade como nunca antes; a economia estava aquecida. O imperador estava feliz, a tecnologia redundaria em benefícios, tendo em vista que Tao pretendia restaurar o império.

Os xawareks na cidadela terminada e entregue; afanavam-se na produção dos elementos secundários; sensores, defletores a serem testados nas naves terrestres e num hiper direcionador, híbrido de computador terrestre e peças taonianas para deixar quando se forem.

O hiper direcionador xawarek que servia de modelo, fora cuidadosamente preservado e funcionava perfeitamente.

Faltava só ser testado no espaço e transferir sua base de dados para o novo, com as complicações obvias da conversão de idioma e sistema de números, para que o sistema de coordenadas alienígenas coincidisse com o sistema terrestre. Isso seria trabalho para muitos meses, que Inge, apesar da sua gravidez avançada, resolvera assumir, como coordenadora da equipe de informática.

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Aldo e Valerión, no gabinete do primeiro, na Cidadela, conversavam a respeito da visita que o segundo fizera a Taônia um mês atrás.

–Fiquei sabendo que os rebeldes Yord não desapareceram, Aldo.

–Sabia disso. Suer Dut anda solto por aí, reunindo partidários.

–Sabias? E não falaste nada!

–Para quê? Informei o imperador há meses. Que tomem providências. E acho que as tomaram; fui informado de inúmeras prisões e execuções por todo o território.

–Sabes que estás com a cabeça a prêmio entre os rebeldes de Taônia?

Aldo soltou uma risada:

–Estou?

–Ele quer te matar a tudo custo, porque seu movimento está se esvaziando, ainda mais que o império nunca teve uma onda de prosperidade como agora, com todas as indústrias produzindo para nós.

–E produzirão mais, ainda. Há muito que fazer aqui encima. Não creio que o motor de dobra esteja concluído antes de dois ou três anos.

–Não foi o que eu soube. A nave poderá estar pronta em um ano.

–Valerión, a nave é bem fácil de construir. O motor é que é uma engenhoca complexa, instável e perigosa. Se tivesse assistido à palestra de...

–Assisti à gravação que Regina fez.

–Então? Não acha que é muita coisa para nós, reles terrestres?

–Pode ser – concordou Valerión.

Aldo puxou uma gaveta e tirou os diagramas de construção.

–Veja. É bem mais complicada do que aquela navezinha para quatorze pessoas que encontramos nas catacumbas da pirâmide de Pomona.

–Parece uma arraia.

–Sim. Nas extremidades das asas estão as nacelas de dobra.

–Quanto mede?

–Cento e dez metros. Precisa 400 tripulantes e pode levar 1000 passageiros.

–Não cabem todos, mas poderão fazer várias viagens. Qual a velocidade?

–Segundo Zyphran Kohuáscar, poderão alcançar um pouco mais de dobra dois, ou seja, mais de dez vezes a velocidade da luz; com os recursos que temos aqui.

–Dez meses e meio para ir a Sírio e outro tanto para voltar – disse Valerión.

–Deve ser. Vejo que viu mesmo o vídeo.

–Essa velocidade nos leva a Alfa Centauro em mais ou menos cinco meses.

–Está pensando alto, Valerión.

–Estou. Devo ponderar os passos a seguir quando consigamos o poder estelar.

–Mas isso vai demorar. Dei prioridade ao projeto deles antes do nosso.

–Por quê? – Valerión tinha um pouco de ciúmes do cientista xawarek. Era a primeira vez que não estava envolvido num projeto em andamento.

–Porque dei minha palavra a eles.

–E se voltarem com seus amigos e nos subjugarem depois?

–Seria traição. Mas não acho que vão nos trair.

–De onde vem tanta certeza?

–Valerión, você me disse como lidar com eles. Esqueceu? É uma raça guerreira; são cruéis, grossos, fedorentos, briguentos e carnívoros, sem medo de matar nem de morrer, mas são honrados. Eu já demonstrei a eles que sou briguento, cruel e perigoso. Preciso demonstrar que sou honrado também.

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30 de dezembro de 2015.

A nave arraia tomava forma na doca, a milhares de kms da base orbital ainda não terminada, que serviria de modelo para a base taoniana a ser construída em órbita de Titã pelos taonianos, quando estiverem capacitados.

Embaixo, a Cidadela fervia de atividade. Nos níveis inferiores foram montadas e organizadas como em Marte, granjas de alimentos hidropônicos, usinas de fermento base para os diversos tipos de alimentos sintéticos; fazendas de vegetais e animais.

Rhea mostrava-se um lar aconchegante no qual se poderia viver muito tempo.

As naves estavam permanentemente dando apoio às obras. A Hércules com tripulação mínima, comandada por Henschel, servia como transporte. Henschel estudava os motores de impulso que os xawareks construíram e que pretendia instalar e testar na nave, embora sabia que isso ainda deveria demorar.

Boris e Regina estavam na Cidadela, assim como Valerión e Nebenka, que pretendiam se casar.

–Valerión, essa moça tem a minha idade! – disse Aldo escandalizado.

–Melhor assim. Terá filhos saudáveis.

Aldo desistiu. Valerión merecia isso. Tinha sido um solteiro contumaz por

mais de trinta anos e estava na hora de formar família. Além do mais o ambiente da Cidadela era ótimo e poderiam criar filhos em segurança. A segunda gravidez de Inge era uma prova de que todos sentiam que o futuro seria promissor.

–Quando será o casamento?

–Quanto antes. Já esperei demais.

–Então que seja; Valerión. Parabéns.

–Obrigado; Aldo. Para quando será pai de novo?

–Para fins de janeiro.

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Cidadela, Rhea, 30 de Janeiro de 2016.

Arno Rodolfo Santos Stefansson nasceu ao meio-dia na clínica dirigida pela doutora Lídia. Não tinha cabelo cor de avelã como Alvin, porém preto e olhos de azul intenso. Foi um acontecimento histórico, era o primeiro ser nascido em Rhea.

Inge e Aldo estavam felizes, embora Inge desejasse uma menina.

–Podemos tentar uma menina da próxima vez – disse Aldo.

Alvin, pequeno demais para ter ciúmes, acolheu o irmão com naturalidade. Os vurians regozijaram-se com o novo príncipe.

–O príncipe do céu! – disse a bruxa na clínica, numa pausa da preparação do casamento de Gamal com sua sobrinha Nagol.

–Não é jovem demais? – tinha perguntado Inge quando soube.

–Não, minha rainha. Está na idade certa para casar. Seus seios estão grandes e firmes e suas cadeiras largas. Gamal é bonito e forte, tem sangue nobre e é um valente guerreiro com história para contar em volta das fogueiras das Terras Frias. Também possui uma boa cabana e dois fortes asgoths, é claro.

–Quando será o casamento?

–Quando voltarmos para casa. Se o teu marido quiser nos levar de volta, a primeira coisa que farei será o casamento deles conforme nossos costumes.

–Vou falar com ele. Assim que o bebê e eu estivermos em condições de viajar, vamos voltar para visitar nossa aldeia.

Ruddah ficou satisfeita, Inge tinha dito "nossa aldeia".

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15 de fevereiro de 2016.

Após o casamento de Valerión; Aldo, Inge e as crianças embarcaram numa patrulheira junto com os vurians e pousaram nas Terras Frias. Houve uma grande festa de casamento.

Antes de Aldo e Inge partirem, Gamal disse:

–Não será mais a mesma coisa aqui embaixo.

–Talvez – disse Aldo, adivinhando o desejo oculto do caçador.

–Gostaria de voltar para cima e lhe acompanhar no espaço, quando tiver outra aventura. Nagol tem a mesma idéia.

–Imaginei isso. Mas... Sua vida na aldeia, como é que fica?

Gamal sorriu:

–Acha que eu poderia voltar à vida simples depois de tudo o que eu vi e fiz?

Aldo não respondeu. Pegou Gamal pelo braço e levou-o até a patrulheira

estacionada na praça da aldeia. Uma vez a bordo pegou um radiocomunicador de mão, entregou-o ao caçador e disse:

–Já colocamos satélites de comunicação em órbita do Gopak Uio. Quando quiser, me ligue e virei buscar você e sua esposa. Inge a aprecia muito.

–Obrigado Al-Do. Terei sempre a bagagem arrumada.

Voltaram à a festa. Aldo pegou Inge e as crianças e partiram no meio do

alvoroço geral, misturado com lágrimas dos amigos. Aldo não disse nada, mas estava emocionado. Sentia carinho por essa gente simples, porém inteligente e honrada.

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A Grande Caçada; 10.400 anos terrestres atrás.

No dia 10 de março houve a primeira festa no promenade.

Alan fez 36 anos e os terrestres, troianos e hiperbóreos levaram presentes. O piloto brasileiro agradeceu comovido pela singela homenagem dos amigos.

Alguns marcianos e xawareks foram curiosos a ver a festa dos humanos. Não levaram presentes por desconhecerem os costumes terrestres. Os náufragos de Japeto mantinham viva sua própria tradição para não perder o conhecimento dos antigos com a esperança de um dia voltarem para casa.

Kern Mokvo, obedecendo a esta tradição resolveu contar a epopeia do seu povo como presente ao aniversariante, coisa aprovada pelos participantes, por ser uma história desconhecida por quase todos. Regina apressou-se para registrar o relato ligando um controle no seu computador de pulso, assim que ele começou a falar:

–O Sol amarelo do Império Raniano possuía dez planetas. O primeiro; perto demais, pequeno e quente. O segundo, com órbita mais sadia, chamava-se Boral, quente, coberto de nuvens, com vegetação e fauna.

-O terceiro, azul, chamava-se Xarn, hoje Terra, com água, vegetação, fauna, pólos congelados e uma lua que provoca marés nas massas de água. O quarto, com duas pequenas luas, chamava-se Gopak, com solo avermelhado, pouca água, alguma vegetação e fauna, pólos congelados.

-O quinto chamava-se Ran, grande, um pouco seco, mas seu clima era frio. O solo era marrom avermelhado; possuía quatro luas e dois anéis. Nele estava a capital do império e moravam mais de um trilhão de habitantes. Era habitado por duas raças de seres de carbono; Superiores e Inferiores.

-Os Inferiores eram originários de outra estrela. Ran dominava o quarto planeta, habitado por Inferiores e dominava o terceiro, habitado por seres meio selvagens de pele e cabelo escuros. Era a Grande Caçada em conjunto com o distante império Alakros e chegamos ao sistema como tropa avançada de Xawarek para ocupar os planetas luminosos, que nossos aliados não podiam ocupar devido a que eles não suportavam essa luz.

–Eles invadiram a esfera raniana em vários pontos e ocuparam uma gigante vermelha, a 159,5 parsecs de distância daqui. Dessa cabeça de ponte, ocuparam rapidamente os indefesos mundos coloniais. Uma frota de trinta milhões de belonaves alakranas e de raças clientes: nós e outros; aproximava-se da Metrópole quase sem oposição, porque a frota raniana estava dividida lutando em inúmeras frentes. Assim, nós; a tropa avançada; chegamos ao sistema sem sermos detectados.

-Infelizmente para nós, a frota principal, esperando no ponto de reunião para o ataque perto de Tarazed; a 92 parsecs daqui; foi atingida por um sol de antimatéria, a arma total; que a destruiu junto com uma estrela e seus respectivos planetas. Nós ficamos isolados, sem linhas de suprimentos em Xarn, o planeta de onde vocês procedem.

-Nossa intenção era voltar para casa, que não estava longe, apenas 2,6 parsecs. Assim partimos de Xarn, onde os nativos nos reverenciavam como deuses. Estávamos a ponto de entrar em dobra, quando Ran explodiu, começando a dilatar-se e crescer até ficar de um tamanho muitas vezes maior do que o original.

-O tempo e o espaço convulsionaram-se à nossa volta e fomos obrigados a entrar na órbita do planeta com anéis, que vocês chamam Saturno, para proteger-nos dos destroços, mas não tivemos sorte e caímos na lua que vocês chamam Japeto. Conseguimos salvar muita coisa da nave e nos estabelecemos com a intenção de reconstruí-la, o que não foi possível, porque era uma nave orbital. Precisaríamos reconstruí-la no espaço.

-Portanto planejamos construir pequenas naves de cabotagem, já que teríamos muito tempo para isso. Por muitos ciclos conservamos nosso conhecimento, transmitido por gerações. Quando finalmente conseguimos, descobrimos que alguns ranianos sobreviveram na lua maior, com o que resolvemos nos precaver contra eles, que são nossos inimigos.

-Sei que a guerra acabou, mas para nós, isolados aqui neste lugar, com as crônicas e o conhecimento transmitido de geração para geração por tanto tempo, parecia possível passar para aquela lua, apesar deles...

Kern Mokvo encerrou seu relato dizendo:

–Finalmente chegaram vocês.

Um silêncio respeitoso seguiu às palavras do siriano. Em seguida murmúrios de aprovação circularam pelo promenade. Valerión disse:

–Nós também somos descendentes dos ranianos, Kern. A paz tem durado uma eternidade de 10.400 anos, o que não é pouco. E pretendemos que dure mais ainda.

–Tudo o que queremos é voltar para casa – disse simplesmente o siriano.

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(***)

Cidadela, Rhea, 18 de dezembro de 2016.

Alexei Vladimir Valerión, filho de Nebenka Marusitch e Alexei Gregorovitch Valerión, nasceu loiro e gordo. Regina Cardelino, em avançado estado de gravidez foi a primeira em visitar mãe e filho na clínica da Cidadela.

–Parabéns, querida. Eu sou a próxima.

–E eu logo depois – disse a doutora Lídia, cujo ventre já era ostensivo.

–Estou na fila – disse Inge entrando nesse momento, com seu ventre crescido.

Os homens entraram na sala. Valerión trouxe rosas, para espanto das mulheres.

–Não acredito! – exclamou Inge.

–Não só comida cultiva-se nos jardins hidropônicos – disse Aldo.

–As primeiras rosas nascidas na Cidadela. As sementes estavam no porão da Hércules – disse Boris – Classificando a base de dados de sementes encontrei este tesouro, para minha surpresa. E há outras. No momento certo serão cultivadas.

–Valerión foi sábio incluindo vários tipos de flores na carga original – disse Lídia – papoula, por exemplo. Podemos precisar de morfina mais adiante. Gastamos parte do estoque da Hércules com o pobre Chekov lá em Pomona.

–Temos muitas sementes de plantas medicinais – disse Boris – os homens estão preparando um dos níveis inferiores para cultivo.

–Acho que finalmente encontramos um lar – disse Valerión, ainda comovido pelo nascimento do primeiro filho.

–Por enquanto – disse Aldo.

–Como por enquanto? – perguntou Lídia – a Cidadela é perfeita, a gravitação artificial é igual que a da Terra, estamos fortificados, armados, e seguros aqui.

–Concordo com você – retrucou Aldo – mas isto aqui é apenas um interlúdio, um descanso até estarmos fortes o bastante para empreender uma nova jornada.

–Estes homens! – disse Lídia, acariciando seu ventre.

–Não sabem ficar quietos – disse Regina.

–Senhoras, por favor! – disse Konstantin, conciliador – vamos nos acalmar, vamos aproveitar o momento. Não teremos muitos como este.

–Sim – acrescentou rapidamente Aldo – vamos aproveitar este descanso temporário para lamber nossas crias... Que um dia partirão para as estrelas!

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Continua em: SUA SUPREMA INTELIGENCIA - (já publicado)

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O conto A GRANDE CAÇADA - forma parte integrante da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase I - Volume III, Capítulo 24; páginas 101 a 105 e página 110; e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados:

http://sarracena.blogspot.com.br/2009/09/mundos-paralelos-uma-epopeia.html

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

clubedeautores.com.br/book/127206--Mundos_Paralelos_volume_1

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 19/12/2016
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