A FLOR DA SINCERIDADE

Por amor foi que Deus fez a luz, cobriu a terra com o céu, formou os rios e os oceanos, produziu todo tipo de vegetais, ornamentou o manto claro com nuvens e o manto escuro com estrelas, criou o homem e a mulher, não para que se agredissem, mas para que se amassem e, desse amor, instituíssem a família. Não que os casais homoafetivos não possam constituir uma união estável, serem felizes e contribuírem para mitigar o sofrimento das crianças abandonadas pelos pais biológicos. Aliás, a união estável entre pessoas do mesmo sexo constitui uma excelente alternativa legal para que os filhos adotivos consigam um lar, cresçam e desenvolvam os seus dotes intelectuais, tornando-se, na idade adulta, bons profissionais no mercado de trabalho. Foi por amor que Marcos e Linda enfrentaram um inferno astral até alcançarem, livres do medo e da culpa paralisantes, o sétimo céu que lhes reservara o destino. O amor é sofredor, mas é justamente na região inóspita da angústia dilacerante que o amor se fortalece, se levanta e segue em frente pelo caminho da evolução espiritual. Os obstáculos existem para que o discípulo aprenda a dominar as suas habilidades e direcionar as suas emoções para objetivos que sejam capazes de agregar valores ao seu caráter.

As sementes do amor não são profícuas em si mesmas, precisam ser espalhadas aos quatro ventos para produzirem frutos. A respeito do amor compartilhado, escreveu a religiosa católica de etnia albanesa Madre Teresa de Calcutá:

"Ensinarás a voar,

Mas não voarão o teu voo.

Ensinarás a sonhar,

Mas não sonharão o teu sonho.

Ensinarás a viver,

Mas não viverão a tua vida.

Ensinarás a cantar,

Mas não cantarão a tua canção.

Ensinarás a pensar,

Mas não pensarão como tu.

Porém, saberás que cada vez que voem, sonhem, vivam, cantem e pensem estará a semente do caminho ensinado e aprendido."

Não existe sabedoria maior do que saber amar sem possessividade, respeitando a liberdade de escolha alheia. Os relacionamentos afetivos podem acabar em separações conjugais dentro da lei, como podem também redundar em vítimas fatais, violando o direito à vida. O desenlace depende da intensidade com que se manifesta o sentimento de posse diante do rompimento indesejado do romance. Portanto, seja o protagonista da sua história, aprenda com os erros, ensine o que aprendeu em suas relações com o mundo e assuma uma postura tolerante em face das adversidades e das diversidades. A vida é bela; aprecia-a. A vida é complexa, analisa-a. A vida é curta, vive-a intensamente e, se possível, com humildade, porque no sol da existência somos apenas raios de luz.

O céu belo-horizontino se apresentara limpo naquela manhã. O azul transmitia um ar de tranquilidade. Deixara a janela descortinada na noite anterior. Uma claridade forte fez Marcos acordar de manhã cedo. O dia amanhecera ensolarado. A luz solar que atravessava a janela do quarto cobria a cama como se fosse um lençol luminoso. Por alguns instantes, Marcos ficou olhando o vaso suspenso de flores brancas que ficava ao lado da janela. Eram gardênias, flores que simbolizam a sinceridade. A cor branca conferia ao ambiente um ar de tranquilidade. Sentia das gardênias não apenas o aroma, mas também a expressão serena. Quando estava acarrancado, bebia dessa fleuma para aplacar o mau humor. A gardênia é uma planta ornamental que produz flores brancas, cerosas e aromáticas. Depois da contemplação inspiradora, levantou-se para mais um dia de trabalho com uma agradável sensação de paz. Natural do estado do Rio de Janeiro, Marcos nasceu no município de Niterói. No ano de seu nascimento, a família mudou-se para o município de Belo Horizonte. Cercado pela Serra do Curral, que lhe serve de moldura talhada pelas mãos criativas da Natureza, foi o berço de personalidades ilustres, como o consagrado escritor Fernando Sabino e o renomado jurista Afonso Arinos. Marcos era professor universitário. Licenciado em Física, lecionava a disciplina de Eletromagnetismo no turno diurno. Do lado esquerdo da cama, ficava dependurado na parede o diploma universitário emoldurado. Trazia-lhe à memória lembranças de uma época gratificante. Lembrou-se de que fazia algum tempo que não regava as companheiras de quarto. Quando já estava de saída, deu-se conta do desleixo. Umedeceu a terra do vaso com um borrifador e saiu a toda a brida para a universidade.

Depois das aulas, costumava se encontrar com alguns estudantes em uma praça que ficava a poucos metros da universidade. Chegou do trabalho à tarde, trazendo consigo um maço de provas para corrigir. Fechando a porta, foi logo tomar banho. Enquanto se vestia, a campainha tocou. Acabou de se vestir e foi abrir a porta. Era Rita, a mãe de Linda. Pediu que entrasse e ficasse à vontade. Em seguida, ofereceu um lanche. Ela agradeceu, mas recusou a cortesia. Estava ansiosa para lhe falar de Linda. Ao final da conversa, a senhora tirou da bolsa uma fotografia da filha e entregou a ele, acompanhada de um pedido emocionado para que a guardasse de lembrança. Marcos estendeu a mão, pegou a fotografia e colocou-a sobre a mesa da sala.

— Obrigado! — agradeceu com um sorriso cordial.

— Vocês ainda serão muito felizes! — exclamou a senhora com um ar de esperança no olhar.

Sem dizer mais nada, levantou-se do sofá e despediu-se dele com um beijo no rosto. Marcos acompanhou-a até o elevador. A porta abriu-se. Antes de entrar, a senhora repetiu o voto de felicidade. Dessa vez com a fisionomia circunspecta, Marcos agradeceu novamente a amabilidade. De volta ao apartamento, sentou-se no sofá e permaneceu pensativo. Apanhou a fotografia da ex-namorada e ficou olhando para ela por alguns instantes. Contemplava a fotografia como quem aprecia uma obra de arte. O pensamento decolou daquele momento e pousou no passado. Dentro de segundos, aflorou na consciência o filme que protagonizaram com tanto carinho. Os olhos de Marcos marejaram. Deslizava a destra sobre o rosto de Linda. Os lábios ensaiaram um sorriso com certo travo de amargura. O último beijo era o que mais fulgurava na memória. Depois disso, abriu a janela da sala. A sensação agradável inspirada pelo azul do céu contrastava com a nuvem cinza que a encobria nessa hora. Linda era uma moça bonita e meiga. Mantiveram um relacionamento afetivo por um ano. Viveram bons momentos juntos. Planejaram o futuro com entusiasmo. Quando decidiram se casar, Linda abriu o jogo com Marcos. Expôs os fatos marcantes de sua vida desde a infância e as vicissitudes que a arrastaram para a prostituição na adolescência. Era filha única de mãe solteira. Quando nasceu, o pai sumiu no mundo. Nunca mais foi visto, nem dele se teve notícia. Linda foi criada pela mãe com muita dificuldade, chegando a passar fome quando a mãe ficava desempregada. Naquela época, as empregadas domésticas não eram amparadas pela legislação trabalhista. Uma displicência do legislador. Nessas ocasiões, alguns vizinhos batiam à porta, trazendo alguns mantimentos. A comida era pouca, mas dava para matar a fome. Ao sentar-se à mesa, antes de iniciar a refeição, agradecia a Deus pelo prato de comida. Fora da presença da filha, a mãe rompia em lágrimas. Depois que Linda terminou de falar, Marcos franziu o cenho em sinal de desaprovação. Tomando conhecimento da vida sexual promíscua que levara na adolescência, não hesitou em terminar o namoro de imediato. As luzes do preconceito acenderam-se, turvando a visão do amor. Não suportaria manter uma relação conjugal com uma ex-prostituta. Por outro lado, era apaixonado por ela. Convivia diariamente com esse conflito interior desde o rompimento. A separação foi para ambos como um mar de delícias que secara, restando de sua volúpia apenas o sal das lágrimas. Um dia, decidiu procurar um psicoterapeuta. Em uma das sessões, ouviu dele que cada um deve buscar a sua alma gêmea, aquela pessoa por quem vale a pena cruzar todos os mares, transpor todas as montanhas e vencer todos os preconceitos, ainda que essa busca leve a vida inteira. No final, a satisfação compensa infinitamente o sacrifício. Não existe, na demanda pela felicidade, desperdício de tempo. O desfavor que os preconceitos prestam à sociedade consiste em dividir as pessoas. Uma vez divididas, torna-se-lhes necessário o exercício da tolerância. Esta, por sua vez, apresenta vários níveis de intensidade. A falta de respeito ao direito de ser diferente é prejudicial à saúde social. Quando exagerada, a intolerância pode assumir uma configuração criminosa. Os crimes cometidos contra a honra, a integridade física e a vida dos homossexuais corroboram essa tese. A discriminação, em todas as suas formas, é um conjunto de sinais de um excesso de individualismo chamado egotismo, isto é, tem uma motivação egótica. Pelo mundo afora, a desinformação reforça a discriminação. Muitas vezes, os homossexuais são detratados com críticas candentes por quem deveria propugnar pelos direitos humanos, quer no meio religioso, quer no meio político. O preconceito é o antagonista do amor ao próximo.

— Não aja como o fogo, que tudo destrói. Escolha agir como a água, que tudo contorna! — recomendou-lhe o psicoterapeuta na última sessão.

Em vez de esbarrar na estigmatização social, visto que a sociedade é mais forte do que o indivíduo, é melhor contorná-la, optando pelo uso da inteligência no lugar da força. Marcos teria de tomar a decisão de voltar ou não para Linda. Uma decisão difícil. Muito difícil. Extremamente difícil. Uma decisão que dependeria da luta velada entre o amor pela pessoa e o ódio pelo passado dela. Marcos não poderia criar outra Linda, com outro passado, mas Linda, sim, poderia se transformar na peça fundamental que faltava na engrenagem da vida de Marcos, tornando-se, por ele e para ele, uma companheira dedicada. Ele contava com trinta e cinco anos de idade. Ela, com vinte e cinco. Ele era moreno de olhos pretos. Ela, loira de olhos azuis.

O sentimento de culpa torturava-o impiedosamente. Marcos sentia-se responsável pelo sofrimento de Linda mais do que pelo seu próprio. Tinha sido o algoz dela e de si mesmo. Não tinha certeza de ter tomado a melhor atitude ao romper o relacionamento, mas conseguia ver com clareza que ela o amava como nenhuma outra mulher o amara antes. Incapaz de suportar a ideia de casar-se com uma ex-prostituta, também não suportava a distância que o separava dela. O passado é um abismo profundo que cheira a mofo. Não se pode viver nele sem correr o risco de perder as oportunidades que estão guardadas no futuro. A cada dia que passava distante de Linda, ficava mais convencido de que não seria capaz de alcançar sozinho o futuro do jeito que sempre sonhara. Teria de percorrer de mãos dadas com ela o caminho do tempo até o ocaso da vida.

Desde a adolescência, Marcos ocupava-se com o estudo do lado oculto da vida. O conhecimento das leis do mundo físico não satisfazia o interesse que tinha pela pesquisa. Finalmente, obteve a evidência que lhe faltava para formar a sua convicção. No final da mensagem estava escrito o nome do falecido pai: Hugo. Em face dessa evidência, Marcos concluiu que a vida após a morte não é uma possibilidade, mas uma realidade. Convenceu-se da autoria do texto porque apresentava características próprias da caligrafia do pai. A prazerosa revelação manifestou-se por meio de um leve sorriso, ao mesmo tempo que uma súbita expressão de saudade irrompeu em seus olhos. Quando vivo, não raro o pai conversava com o filho a respeito da espiritualidade. Hugo tornou-se um profundo conhecedor das questões atinentes ao espírito após ter passado por uma experiência de obsessão espiritual. Depois de seu passamento, o filho dedicou-se ao estudo da fenomenologia paranormal. Comprou livros, participou de reuniões espíritas e, há poucos dias, decidira testar a veracidade do que lera e tomara conhecimento sobre a comunicação entre espíritos encarnados e desencarnados. A vida é curta e os mistérios são muitos. Sempre fora uma pessoa curiosa. Costumava dizer aos alunos que os mistérios da vida perdem o aspecto assustador no instante em que se tornam conhecidos. Neste instante, dissipa-se a espessa neblina de medo que até então embaçara o pensamento. O assunto que mais lhe aguçava a curiosidade era a “escrita direta”. Nesta, o espírito escreve diretamente a mensagem que deseja transmitir. Foi na noite de uma quarta-feira que Marcos, ao chegar do trabalho, decidiu testar esse fenômeno espiritual. Pegou uma folha de papel e um lápis. Com a ajuda de uma escada portátil, alcançou a parte superior da estante da sala de estar. Deixou a folha de papel e o lápis lá em cima e desceu. Em seguida, sentou-se no sofá e fez uma prece. Pediu ao seu anjo da guarda que o assistisse nessa experiência. Marcos queria eliminar de sua mente a distância que havia entre a crença e a convicção. Não lhe satisfazia a fé, buscava a certeza. À medida que os dias passavam, a esperança que alimentava não esmorecia. Cada vez mais confiava no concurso de seu anjo da guarda para constatar a veracidade da comunicação direta com o mundo espiritual. Embora nunca tivesse duvidado dos ensinamentos do pai, queria banhar-se nas águas seguras da fé assentada em bases concretas. Afinal, olhava a vida com olhos científicos. Marcos era uma espécie de investigador das verdades ocultas.

Linda estava sozinha em casa. Queria telefonar para Marcos, mas não encontrava coragem. Fazia dois meses que não se falavam. A saudade fustigava-lhe o espírito qual chibata que lanha a carne. Fria e ferozmente. A lembrança melancólica mareou-lhe o espírito, impedindo que se manifestasse em seu rosto o ricto do sorriso. Enlutada pela morte do casamento, não atingira o estágio da aceitação. Não tinha o foco da atenção voltado para o futuro, tinha apenas uma alma doída a debulhar as espigas do passado. Restos de abraços e beijos, que o tempo não levara, ainda lhe traziam algum consolo para a tristeza insculpida nos tecidos da alma, cujas paredes estavam cobertas de fotografias de Marcos. Em qualquer direção que olhasse era ele quem via. Levantou-se da cama. Foi até a cozinha. Em um rompante de raiva, começou a atirar os pratos que encontrava sobre a pia contra as paredes. Momentos depois, a sua mãe entrou pela porta da sala. Ouvindo o barulho, correu para a cozinha desesperada. Abraçou a filha com firmeza. Linda cortara o pulso esquerdo com uma lasca de louça. O sangue escorria pelos dedos. A mãe levou-a ao hospital mais próximo, onde foi atendida no setor de emergência. O que poderia ter sido uma primavera de flores transformou-se em um outono de folhas esmaecidas pelo tempo. Tudo por causa da sinceridade que trazia no caráter. Não queria esconder de Marcos a sua adolescência perdida. Caso o fizesse, essa sombra representaria para ela um fardo muito pesado para ser carregado por tanto tempo. Pagou caro por isso.

Marcos chegou do trabalho pouco depois das quatorze horas. Chovera pela manhã. A roupa estava ensopada pela chuva. Os sapatos, enlameados. Colocou a maleta sobre a mesa e ligou o aparelho de som. Audiófilo inveterado, Marcos gostava de tomar banho ouvindo música. Depois do banho, vestiu-se e fez um lanche. Não almoçara nesse dia. Em seguida, foi até à estante, desligou o aparelho de som e pegou um livro. Queria ler um pouco para passar o tempo antes de preparar a aula que daria no dia seguinte. De repente, percebeu uma vibração no ambiente, como se estivesse dentro de um campo magnético. Coçou a cabeça enquanto tentava encontrar uma explicação. Não demorou muito para se lembrar do que estudara sobre imantação. Com certeza, o ambiente estava imantado. Neste caso, havia um espírito ali, produzindo a estranha vibração no ar. Ficou surpreso, mas não apavorado. Tinha a intuição de que se tratava de um espírito amigo. Já ouvira falar, mas nunca experimentara algo assim. Durante os quinze minutos seguintes, Marcos permaneceu sentado no sofá sob a ação do campo magnético. Dotado de uma intuição infalível, sabia que estava no limiar da realização do sonho de elucidar o mistério que mais o intrigava: a imortalidade da alma. Quem carrega o fardo da incerteza não pode transmitir confiança. Expressar uma crença tem menos consistência do que expressar uma convicção. Deu-se conta de que estava perto da descoberta que o livraria desse fardo para sempre. Momentos depois, Marcos foi surpreendido pela visão do rosto do falecido pai no vidro da estante. A imagem logo desapareceu. O pai estava ali. Ao que tudo indica, o halo vibratório despertou no filho a percepção extrassensorial. Uma vez formado o halo vibratório, tornou-se-lhe possível a visão espiritual do pai. Continuou com os olhos voltados para o vidro da estante até acreditar na visão que tivera. Marcos ficou parado no sofá, prestando atenção na energia que vibrava na sala de estar. Depois de alguns minutos, teve a intuição de olhar para o teto. Ergueu os olhos e tomou um susto. Algo inesperado aconteceu. Viu cair de cima da estante a folha de papel que havia deixado lá alguns dias atrás. Era só o que faltava. Levantou-se para pegá-la no chão. Um ar de deslumbramento espalhou-se por seu rosto. Foi uma das cenas mais espantosas que já presenciara na vida. Sentado outra vez no sofá, percebeu que continha um texto escrito a mão. Surpreso, leu a mensagem atentamente. Os olhos estavam fixos, quase não piscavam. Quando terminou a leitura, a vibração parou. O que começara como uma mera crença agora se tornara uma certeza absoluta. Não tinha mais nenhuma dúvida de que a vida espiritual prossegue normalmente após a morte do corpo físico. A mensagem dizia isto: “Tudo vibra no Universo em uma determinada frequência. Os sentimentos têm magnetismo. A qualidade do sentimento determina a sua frequência. Bons sentimentos indicam que o espírito vibra em alta frequência. Maus sentimentos revelam que vibra em baixa frequência. Os sentimentos atraem pessoas e situações que estiverem vibrando em uma frequência similar. Lembra-se do que lhe falei sobre a afinidade espiritual na viagem que fizemos a Fortaleza? Você pode mudar a sua frequência a qualquer momento, bastando para isso inovar o pensamento em relação a si próprio e ao mundo. Assim, tudo ao seu redor mudará gradativamente até ajustar-se ao seu padrão vibratório. O pensamento é a força que move o Universo. Faça-o mover-se a seu favor. A dinâmica das mudanças é uma necessidade da evolução espiritual. Não despreze o perdão. Quem perdoa está ajudando tanto a quem o ofendeu quanto a si mesmo a carregar a cruz dos dias. Considere que a construção de uma sociedade fraternal começa com a tolerância. Um meio eficaz para absolver a consciência culpada consiste em perdoar a conduta imoderada da pessoa arrependida, porque não lhe é possível voltar no tempo para mitigar os excessos cometidos. Por isso, estreme-se em tratar a todos com indulgência, uma vez que de perdão necessitamos todos. Para finalizar, entenda que o sonho é a oficina da autorrealização. Não permita que o preconceito faça de seu pomar verdejante um campo devastado. A jornada é longa, o caminho é acidentado, mas a alegria da chegada compensará toda a dificuldade. Um beijo no coração”. Do ponto de vista científico, tudo pode ser refutado, exceto uma evidência. Essa descoberta poderia revolucionar o mundo. Entretanto, Marcos a levaria para o túmulo. “Provavelmente ninguém acreditará em mim se eu revelar essa descoberta!”, pensou depois que terminou a leitura.

Amargando o dilema entre render-se ao amor de Linda ou entregar-se ao preconceito, Marcos caminhava entre um calabouço e um mirante. Aquele o manteria preso na noite fria da desilusão, enquanto este poderia lhe proporcionar a visão de um largo horizonte. Quanto mais caminhava desacompanhado de Linda, mais o caminho se alongava. Buscava refúgio dentro de si, mas ao abrir a porta da alma só encontrava fantasmas. A consciência estava pesada. A flechada que dera no coração de Linda ferira o seu também. Com efeito, chegara a hora de rever os seus valores, visto que estava chocado diante da própria perplexidade. A mãe nunca tomara conhecimento de que a filha era garota de programa. Quando chegava da rua tarde da noite, alegava que estava com o namorado. A prostituição grassa pelo mundo afora. Em países como a Tailândia, a exploração do turismo sexual não tem freio, ou seja, é livre. O fomento à prostituição é lícito em alguns países. Em outros, ilícito. Na Alemanha, a indústria do sexo é regulamentada. Contudo, a estigmatização social ainda é realidade. No Brasil, a miséria e a prostituição mantêm entre si uma relação de causa e efeito, principalmente nas regiões menos favorecidas pelo desenvolvimento econômico, como o Nordeste, não obstante a ilegalidade do aliciamento de mulheres. A natureza é rica e generosa. A miséria e a exploração foram inventadas pelo homem. Necessária se faz a investigação do efeito para se lhe apurar a causa. A prostituição remonta à Antiguidade, como se depreende da história de Raabe, a prostituta que se tornou ancestral do Messias, narrada no livro de Josué, o sucessor do profeta Moisés. Linda era uma versão atualizada de Raabe com um propósito distinto, porém não menos edificante. Enquanto Raabe decidira render-se à fé, Linda escolhera entregar-se ao amor. O senso comum entende que a corrupção política encerra uma relação de prostituição. Nesta, em vez do corpo, o agente político vende o seu poder de influência em detrimento do interesse social. Os partidos políticos fisiologistas apoiam qualquer governo, desde que sejam favorecidos em negociações escusas. Robin Hood, o herói mítico inglês, roubava dos nobres para dar aos pobres. No submundo da corrupção, ocorre o inverso, ou seja, os políticos roubam dos pobres para dar aos seus nobres bolsos. O voto em candidatos sem consciência moral e com baixo grau de empatia contribui para a preservação da espécie corrupta do gênero político. É notório que o político corrupto tem consciência do caráter ilícito de sua conduta, mas não demonstra hesitação ou arrependimento quando desvia recursos dos cofres públicos. A apropriação de empresas estatais para atender interesses partidários tem a mesma natureza dissimulada e perversa do tráfico de mulheres para exploração sexual. Dante Alighieri, quando escreveu A Divina Comédia, não conhecia o fisiologismo partidário. Por isso, não elencou o décimo círculo do Inferno, que seria a corrupção. O Inferno de Dante é composto por nove círculos concêntricos que se afunilam à medida que se tornam mais profundos. O nível mais profundo corresponde ao centro do planeta, de onde Satã comanda o mundo com o apoio de seu parlamento. Qualquer apedeuta sabe que a justiça, ainda que tardia, é preferível à corrupção. Resta ainda esta indagação. O voto é um direito ou um dever? No Brasil, é um dever. Por quê? Porque o eleitor é penalizado quando deixa de comparecer à zona eleitoral e não justifica a ausência. Por conseguinte, como o voto é obrigatório, pode-se argumentar, com mais razão, que é obrigatória também a lisura no trato com a “coisa pública”, o que torna o fisiologismo partidário ainda mais repugnante. Ainda que obrigatório, o voto é imprescindível à consolidação da democracia. As garotas de programa costumam ser bonitas e sensuais, exibindo em público roupas e posturas insinuantes. Esse era o perfil profissional de Linda no período em que ganhava a vida com a prostituição. Assim que conheceu Marcos, e percebendo o muito que o admirava, e o respeitava, e o amava, abandonou a prostituição para trabalhar em uma clínica especializada em reabilitação de dependentes de drogas. Graduara-se em Psicologia no ano anterior.

Certa vez, ao vestir-se em frente ao espelho do armário, Linda percebeu o tanto que emagrecera ao longo dos dois meses de separação. Já não era mais aquela beldade que atraía os olhares masculinos quando andava pela cidade. Desfalecera durante esse tempo, corroída pela saudade. No entanto, era tão bonita que, mesmo com a saúde combalida, ainda conservava um ar de beleza no semblante. Não se viu feia, mas reparou que perdera a graciosidade que lhe era peculiar. O clima de tristeza vinha sendo a tônica de seus dias. Olhou ao redor e teve a sensação de que as paredes lacrimejavam. Abrindo a janela do quarto, percebeu que o véu da noite já descera. Estava escuro como breu. Podia ver algumas estrelas dispersas, cintilando como lamparinas suspensas no céu. O estrilar dos grilos era o único som audível. Apesar da insistência da mãe, não quis jantar. Vestiu o pijama, fechou a porta do quarto e, como sempre fazia antes de dormir, dirigiu uma prece ao seu anjo da guarda. Nessa noite, ajoelhada ao lado da cama e com as mãos unidas diante do peito, Linda pediu ao seu anjo da guarda que intercedesse por ela, porque acreditava que só a reconciliação com Marcos seria capaz de promover a lise da tristeza crônica que lhe aprisionara a alma. Adormeceu com a certeza íntima de que a sua fé seria recompensada. A perda mais desoladora é a morte da esperança. Esta permaneceu incólume. As tarefas rotineiras tornaram-se progressivamente mais difíceis. Uma metade dela pertencia à luz. A outra se embrenhara nas trevas. Mesmo assim, dividida, conseguia manter acesa a chama da fé. Como haveria de ser para quem nunca perdera a esperança nos momentos críticos da vida. Apesar do mau tempo existencial, nem tudo estava perdido. Tinha um céu aberto pela frente, de vez que às tempestades sempre se sucedem as bonanças. Cedo ou tarde.

Nem todos os dias amanhecem azulados. Há dias que nascem amarelados, alaranjados, avermelhados etc. São os tons dos dias, as nuances que refletem as variadas situações da vida. Na situação em que se achava, Marcos andava acompanhado de perto por uma nuvem acinzentada que precipitava, de quando em quando, pingos grossos de amargura. Convencido da imortalidade da alma, ainda lhe faltava um motivo para abraçar o futuro sem medo de ser feliz. Este motivo germinou enquanto ouvia música em uma tarde tranquila de céu azul, recostado no sofá da sala de estar. Pensou que estivesse acordado, mas adormecera ouvindo música. Estava em um estado de consciência situado entre a vigília e o sono. Desviou o olhar para o lado esquerdo e viu uma mulher trajando uma túnica branca atravessar a porta da sala de estar. Trazia nas mãos uma moldura com o retrato de uma menina que aparentava cinco anos de idade. Parou na frente de Marcos. Com um sorriso amoroso nos lábios, declarou:

— Esta é a filha que você deverá criar e educar! — e mais não disse.

Em seguida, Marcos despertou. Ficou parado no sofá, pensando no sonho. Uma filha era tudo de que necessitava para dar sentido à sua vida tão vazia. Era tarde de sexta-feira.

No final da tarde, ao chegar do trabalho, Linda foi direto para o seu quarto. Trancou a porta sem fazer barulho. A mãe dormia no quarto ao lado. Queria entrar em comunhão consigo mesma para organizar as ideias que fervilhavam no pensamento. Manteve o olhar fixo no vazio, enquanto experimentava a sensação de que o mundo estava prestes a desabar. Como quem se atira em um precipício, jogou-se na cama e fechou os olhos. Em seguida, começou a chorar com o rosto grudado no travesseiro. Não conseguia se livrar do jugo da tristeza. Algum tempo depois, já não tinha forças para chorar nem lágrimas para derramar. Ficou esticada na cama até a chegada do sono. No instante seguinte, adormeceu com os cabelos cobrindo o rosto pálido. De repente, ela se viu passeando pelo quintal da casa. Pensou que tivesse morrido, mas a intuição lhe sussurrava que não. Existia mesmo um mundo paralelo, que ela nunca imaginara. Enquanto caminhava a passos lentos, deu-se conta de que havia saído do corpo biológico. Por mais que tentasse, não conseguia entender como isso acontecera. Depois de ter dado mais alguns passos a esmo, deparou-se com uma mulher desconhecida, trajando uma túnica branca. Linda ficou parada diante dela, pensando em algo para lhe dizer. A mulher virou-se e olhou para ela com um ar compassivo no semblante.

— Posso falar com você por um instante?

Linda lançou nela um olhar que transparecia toda a sua ansiedade e perguntou:

— Você pode me dizer o que aconteceu comigo?

— Você projetou-se para fora do corpo físico. O que você está vivenciando agora é uma experiência fora do corpo, mas não se assuste. Nenhum mal lhe sucederá. A notícia que lhe trago é que a sua prece alcançou o plano superior. A força propulsora da fé fez com que o seu pedido chegasse aos ouvidos divinos. Em breve, você realizará o sonho de ser mãe.

Nesse instante, saiu de trás dela uma menina. Aparentava cinco anos de idade, tinha os cabelos loiros e os lábios pareciam um botão de rosa. Em seguida, a mulher de branco encerrou a conversa dizendo:

— Está vendo esta menina? Ela será o fruto de seu casamento com Marcos. Era isso o que eu tinha para lhe contar.

Linda quis se aproximar delas, mas não foi possível. Quando deu o primeiro passo a frente, retornou de súbito ao corpo que deixara estendido na cama e despertou logo em seguida. Mais que depressa, levantou-se e abriu a janela do quarto. Não havia ninguém lá fora. Um vento repentino espalhou algumas folhas secas pelo chão do quintal. Enquanto pensava na filha prometida, um aroma refrescante de gardênia preencheu o ambiente. Nessa tarde de sexta-feira, teve um reencontro com a esperança de ver a vida sorrir para ela novamente, e que esse sorriso durasse até o ocaso de sua existência terrena. Percorrera muitos caminhos na vida, mas sempre em companhia da solidão. Os sonhos que tivera foram muitos. No entanto, apesar de ter acreditado neles sem fazer economia de fé, não vivera nenhum que a tivesse remetido a um futuro melhor. O endereço de seu coração estava em Marcos. Tudo ao redor era silêncio. A única voz que escutava vinha da intuição, que lhe dizia para não desistir da felicidade.

Depois de uma boa noite de sono, Marcos acordou na manhã seguinte disposto a dar um passeio no parque que ficava próximo de onde morava. O céu estava limpo naquele sábado. Eram oito horas no relógio de pulso. Sentado à mesa da cozinha, fazia o lanche de sempre. Pão com manteiga e café com leite. A cafeteira elétrica foi um presente que ganhara de Linda há poucos meses, quando ainda namoravam. Ela gostava de presenteá-lo de inopino. Marcos tinha uma imagem cativante gravada na memória visual, como se fosse uma tatuagem gravada na alma. Às vezes, trazia-lhe alegria. Às vezes, tristeza. O rosto de Linda. Durante alguns minutos, entregou-se à contemplação desse quadro que a saudade pintara na sua mente, ao mesmo tempo que ouvia as palavras doces que ficaram registradas na memória auditiva. A chave da felicidade estava em seu poder, mas ainda não encontrara a coragem necessária para usá-la em benefício próprio. Queria lanchar todo dia pela manhã com a felicidade, mas dera as costas para o sonho. Carregava no coração a semente da dúvida. Sempre muito zeloso, regou o vaso de flores depois do lanche. Nessa manhã, a cor branca das gardênias pareceu-lhe mais viva. Projetava nelas o seu estado de espírito. Não negava a si mesmo que estava feliz por saber que Linda aguardava uma oportunidade para a reconciliação. Na verdade, comungavam da mesma esperança. Desviou o olhar para a cafeteira elétrica, e imaginou-se nos braços dela, sentindo o frescor da pele macia. Enquanto borrifava o vaso, ponderava as implicações desse acontecimento. Afetivamente, sabia que seria uma experiência positiva para ambos. Entretanto, precisava de algum tempo para amadurecer a ideia. No fundo, não queria agir como um atoleimado sem autocrítica. Esse comportamento seria incongruente com o seu senso de autoestima. Não gostava de tomar atitudes precipitadas. O remédio é sempre pior do que a prevenção. Por isso, decidiu-se pelo passeio. O parque era muito arborizado. O ambiente natural poderia lhe aguçar a intuição naquele momento de incerteza. A vida é feita de escolhas e a felicidade, ou a infelicidade, é o resultado das escolhas certas, ou erradas, que são feitas nos momentos críticos. De um lado, sentia-se encorajado pelo amor. De outro, desencorajado pelo preconceito. A única certeza que tinha era esta. Para onde quer que fosse, seguiria o caminho escolhido sem olhar para trás. Ainda estava a bordo do passado, relembrando as viagens que fizera com Linda nos finais de semana. Amantes da leitura, os dois estiveram na Feira Nacional do Livro de Poços de Caldas, um evento cultural que aproxima as pessoas do admirável mundo dos livros com a intenção de estimular a leitura. Esta não apenas entretém o espírito, como também o instrui. Marcos lembrou-se do que lhe dissera um escritor e poeta naquela ocasião: “A atividade artística é uma conversa interior com a sensibilidade. A sociedade industrial, que surgiu com o advento da Revolução Industrial, exige das pessoas mais razão do que emoção. Atualmente, vivemos na era do capitalismo financeiro e da alta tecnologia. O mundo globalizado está assentado na oportunidade do lucro e na velocidade da informação. Por isso, as artes são, mais do que nunca, vitais ao equilíbrio emocional. As artes, em todas as suas modalidades, acrescentam um coração, este entendido como a sede dos sentimentos, a um mundo monetizado que prioriza o raciocínio lógico-matemático e que privilegia a linguagem dos números. As artes dialogam mais com o coração do que com a inteligência”. Na visita que fizeram a uma feira de produtos artesanais, Linda não desperdiçou a oportunidade de comprar um vaso em cristal de quartzo enfumaçado para decorar a sala de estar. Naquela época, estavam com o casamento marcado para o mês seguinte, e ainda faltavam alguns detalhes na decoração do apartamento.

O parque estava lotado. Depois de andar a passos lentos pelas trilhas do parque, Marcos decidiu descansar um pouco. Encontrou um banco desocupado à sombra de um ipê. A área infantil ficava em frente. Olhando distraidamente a movimentação, viu uma mulher sentada no banco que ficava à sua direita. Tinha os cabelos pretos e compridos até a linha dos ombros. Trajava uma túnica branca. Contemplava as crianças que brincavam nos balanços e nas gangorras do espaço infantil. A mulher virou-se para Marcos e acenou com a mão direita um adeus. Nesse instante, Marcos sentiu um arrepio. Em seguida, a mulher foi-se embora a passos ligeiros. Pouco depois, desapareceu. Sem nenhum compromisso para aquele dia, ficou ali, pensando na vida, enquanto o tempo passava. De repente, avistou algo que lhe chamou a atenção. Levantou-se e foi até o banco que a dama de branco ocupara até há pouco. Pegou uma gardênia em botão que lá estava e voltou. Olhou à sua volta, imaginando que pudesse pertencer àquela mulher. Se a tivesse visto por ali, ter-lhe-ia devolvido a flor. Que segredo estaria escondido debaixo das pétalas brancas? Depois de alguns minutos, olhou de relance para o portão de acesso ao parque e notou a aproximação de uma mulher. À primeira vista, ela não lhe pareceu estranha. Não demorou muito para reconhecer a fisionomia familiar. Era Linda. Ao vê-lo, ela abriu um sorriso e acelerou os passos. Satisfeito, embora um pouco relutante, Marcos levantou-se para recebê-la com um abraço. De alguma maneira, o Universo arquitetara aquele encontro no parque. Uma coincidência significativa para o futuro deles. A comunhão de afetividade pode ter sido a causa dessa sincronicidade. A força transformadora do amor articula todas as circunstâncias da vida para que o sonho vingue e dê bons frutos. Marcos foi o único homem que conseguira abrir a porta do coração de Linda. Os caminhos do mundo não o levaram à felicidade, então ele criou o seu próprio caminho, e seguiu um itinerário que não existia no mapa do mundo.

Linda olhou para Marcos, depois de um instante de silêncio, dizendo:

— Eu tinha certeza de que você voltaria para mim.

— Quem lhe disse?

— Sonhei que estava no quintal da minha casa. De repente, deparei com uma mulher vestida de branco, acompanhada de uma menina. Lançou um olhar penetrante sobre o meu rosto e me garantiu que atenderia a minha prece. Disse também que aquela menina estava predestinada para ser a minha filha.

— Que curioso! Também sonhei com uma mulher vestida de branco, e eu a vi agora há pouco. Esqueceu esta gardênia branca no banco onde estava sentada.

Linda sorria, olhando para Marcos, quando falou assim:

— Você é o melhor presente que já ganhei na vida.

— E você é a minha maior descoberta.

Com o coração em festa, Marcos tomou a iniciativa de reatar o namoro. Linda aceitou com um gesto da cabeça. A emoção entravou-lhe as palavras que queria dizer ao namorado, mas o brilho no olhar disse-lhe tudo o que sentia naquele momento. Os olhos são o espelho da alma. Cumprida a missão para a qual fora designada, a dama de branco nunca mais se manifestou.

A vida é um interminável devir, sempre inacabado e revelador, um processo contínuo de descarte do obsoleto, de descoberta do desconhecido e de abertura para o novo. O futuro testemunhou que, além da alvura das gardênias, Marcos teve também de Linda a ternura no curso dos dias. Casaram-se seis meses após o encontro casual no parque da cidade. Os dois sonhos tornaram-se uma só eternidade. O lar que construíram era um jardim que floria o ano inteiro. Sobrepondo o amor ao preconceito, Marcos descortinou um horizonte mais amplo de possibilidades, passando a aceitar o que não podia ser mudado e a ser a mudança que esperava do mundo. Fazendo-se ser as possibilidades que avistara no horizonte ampliado da consciência, descobriu dentro de si um mundo que girava na órbita do amor. Pesquisar o significado do que está além do corpo carnal é uma experiência que pode levar o homem à suprema descoberta: o conhecimento de si mesmo. Existe em cada pessoa um mundo desconhecido, uma realidade tão maravilhosa que parece um sonho inacreditável. Os budistas o chamam de Nirvana. Os cristãos, de Reino dos Céus. Um estado eterno de libertação do sofrimento. Um mundo onde o preconceito é vencível e o amor, invencível. Um mundo onde todo sonho é possível. Um misterioso mundo mágico. Estavam livres para atravessarem as noites e os dias felizes. Marcos livrara-se do preconceito. Linda, da culpa.

Um ano depois do casamento, o amor que os tinha levado ao altar era o mesmo que compartilhavam na intimidade do lar. A novidade? Linda dera à luz uma menina. O pai registrou-a com o nome de Gardênia. Os cabelos eram tais quais os da mãe. Loiros. Marcos fora promovido ao cargo de diretor do Departamento de Física. As vozes interiores que tentaram persuadi-lo a não se casar com Linda ficaram silenciadas no porão da alma. De fato, completavam-se como a tela e a pintura. Marcos era o suporte. Linda, a criação. Mantinham um relacionamento afetivo pautado pelo respeito mútuo. A consciência moral e o alto grau de empatia não ensejavam o arrefecimento da convivência harmoniosa. Estavam realizados no casamento, e assim permaneceram até o epílogo do romance em que foram coadjuvantes e coautores ao mesmo tempo, e o amor foi o protagonista. O sonho é a oficina da autorrealização. Sonhar, realizar e voltar a sonhar. Tal é o ciclo interminável da existência. No final da vida de quem compartilhou o amor incondicional, o que resta é o que levará para a sua morada na eternidade: o amor compartilhado.

Carlos Henrique Pereira Maia
Enviado por Carlos Henrique Pereira Maia em 11/03/2017
Reeditado em 23/07/2017
Código do texto: T5938115
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