NAS AREIAS DO PLANETA VERMELHO

(Depois de O PONTO DE APOIO.)

12 de maio, de manhã.

O Engesa começou a atolar-se na lama.

–Estamos quase no centro da floresta, o terreno é baixo e não demora em aparecer água – disse Boris.

Perto do meio-dia, atingiram à margem imprecisa de uma massa de água que devia ser o rio. Acima podiam ver o sol, que até aí estivera oculto pela vegetação.

–O Engesa não atravessa isso – disse Lúcio.

–Vamos sondar o rio – disse Aldo – Lúcio, monte o barco.

O barco de vitroplast era grande e forte, equipado com motor elétrico fora de borda e remos de emergência. Boris cortou galhos compridos para sondar o fundo e foi com Lúcio até a outra margem; distante mais de três mil metros.

–O Engesa não atravessa aqui – disse Lúcio – já temia isso.

–Podemos adaptá-lo para flutuar! – replicou Aldo.

–Do outro lado não sobe. Há um barranco de vinte metros, muito empinado.

–Só faltava isso! Voltem!

–Espera, vamos subir o rio para ver se encontramos uma passagem.

–Vou verificar rio abaixo – Aldo colocou o impulsor nas costas.

–Marcos, fique no Engesa.

Voando por sobre as águas em direção contrária à do barco, para verificar a margem, Aldo percorreu mais de dez kms sem enncontrar um passo que o Engesa pudesse atravessar. Chegou a pousar na outra margem e examinar o terreno.

–Me escutam?

–Sim – disse Marcos.

–Deste lado é uma parede de rocha. Não há como passar. Insistir é perda de tempo e sair da rota preestabelecida. Vou voltar, Marcos.

Aldo retornou. Marcos esperava, sentado em cima da torre do Engesa.

–Onde estão Lúcio e Boris? – perguntou.

–Ainda no rio.

–Estamos ouvindo! – disse a voz de Boris nos seus capacetes – avançamos quatro quilômetros rio acima. A margem esquerda é um barranco de mais de vinte metros. Não há como passar com o Engesa.

–Voltem, vamos acampar aqui mesmo para ver o que fazemos.

Pouco depois, ouviu-se a voz desesperada de Lúcio:

–Aldo! Marcos! Venham com armas! Estamos sendo atacados!

–A caminho! – Aldo pegou um fuzil e levantou vôo.

Marcos pegou seu impulsor e foi atrás. Um minuto depois avistaram o barco rodeado de monstros humanoides que tentavam subir. Era uma luta corpo a corpo; Boris abria cabeças e decepava membros com seu inseparável facão; Lúcio atirava com a pistola e estourava corpos com balas explosivas; mas apareciam mais monstros. Aldo e Marcos desceram atirando, abrindo uma brecha na massa humanoide.

–Chegaram na hora! – disse Lúcio sem deixar de disparar.

Ao ver os seres voadores, os monstros mergulharam nas profundezas, deixando apenas cadáveres flutuando. Por via das dúvidas Aldo descarregou sua arma no local do rio onde os monstros desapareceram. Mas eles não voltaram.

–Foi por pouco! – disse Boris, puxando um cadáver para perto – São feios!

–Parecem lagartos – observou Lúcio – três olhos, pele reptiliana... Anfíbios!

–Estavam armados?

–Com machados de pedra, Aldo.

–Devem ser os aborígines da região – disse Boris.

–Sem dúvida. Não estão feridos?

–Não, Aldo – respondeu Lúcio – A roupa e os capacetes resistiram, mas estamos doloridos. Nada que um descanso não resolva.

–Ainda bem. Vamos embora daqui. Liga o motor, Boris.

*******.

13 de maio, Noite.

–O dia foi agitado. Encontramos o rio da floresta.

–Quero saber se a água é potável – disse Nico.

–Os animais a bebem. A análise mostrou matéria em suspensão, mas não há nada que pareça nocivo. Envio o arquivo para que o veja e tire suas conclusões. Há peixes e humanoides anfíbios. Seres de três olhos; reptilianos. Parecem ser inteligentes, embora na Idade da Pedra. Não gostaram da nossa visita.

–Explique melhor isso – disse Inge.

–Resolveram quebrar nossas cabeças com seus machados de pedra.

–E o que aconteceu? – perguntou Bárbara.

–Ganhamos, ora!

–Simples assim?

–Sim, ganhamos nossa primeira batalha neste mundo, Inge.

–Não sei se isso é bom ou mau – disse a jovem.

–Seguem os vídeos. Descarregamos as câmeras para que recebam tudo porque vamos abandonar o veículo. Embora o possamos fazer flutuar no rio, que é bem fundo, não sobe do outro lado; há uma parede de vinte metros.

–No barco e depois a pé? É perigoso, Aldo, voltem e usem a nave!

–Não quero alertar os nativos. Até agora aparentemente não nos viram. Por terra temos liberdade de movimentos e não somos notados. Há notícias de Elvis?

–A Antares, a Antarte e a Polaris chegam lá pelo 20 de maio, trarão cientistas para fazer pesquisas que não temos condições de fazer. São trinta pessoas ao todo.

–Bom. Isto ficará mais animado, não acham?

*******.

14 de maio, ao amanhecer.

Após o café, os antárticos rodaram o Engesa até uma rocha plana elevada a cinco metros da água, como uma atalaia sobre o rio. Calçaram as rodas com pedras; e colocaram a bagagem no barco. Fecharam o Engesa, ligaram o escudo e o transmissor de dados.

O sistema ficou ligado ao acampamento e ao computador dos exploradores, que era o contato com os camaradas, por intermédio do Engesa e seria de importância vital, já que estava ligado ao navegador por satélite.

Com o motor ao máximo, o barco atravessou o rio em quinze minutos. Do outro lado, Lúcio e Aldo subiram o barranco com os impulsores e puxaram o equipamento com cordas.

O barco, esvaziado e dobrado, ficou do tamanho de uma mala de viagem. Com madeira local Boris fez um trenó, uma estrutura grande e ridícula, porém funcional, que a gravitação reduzida tornava leve.

Colocaram tudo nele; barco, mochilas, munição, provisões, água e oxigênio de emergência.

–Muito bem – disse Aldo – vamos andar!

Deram a última olhada ao Engesa e Boris olhou o pé do barranco para ver se esqueceram algo, quando de repente viu...

–Um corpo. Deve ser algum ser que matamos rio acima.

–Este parece diferente, vamos pegá-lo.

–Eu pego – disse Lúcio, fazendo um laço com uma das cordas. Após várias tentativas, Boris tomou o laço das mãos de Lúcio, olhando-o com desdém através do visor e conseguiu laçar o corpo flutuante.

–Viu? Faz-se assim.

–Nota-se que você foi criado no meio das vacas...

Levantaram-no até a borda do barranco e o colocaram no chão de rocha.

–Eis o primeiro marciano; senhores! – exclamou Boris.

*******.

Ele teria mais de dois metros em pé. Na Terra pesaria em torno de cento e vinte quilos. Seu corpo era delgado e bem proporcionado, embora com peito amplo, o que denotava grandes pulmões. Suas mãos finas e grandes tinham cinco dedos compridos e finos. Seus braços e pernas longos e finos estavam de acordo com a gravitação.

Sua pele grossa, apesar da palidez da morte, era parda como os índios. Sua cabeça de forma levemente oval na parte de cima, denotava um crânio de linhas fortes com as maçãs do rosto sem barba, bem destacadas e uma mandíbula fina com uma covinha no meio. Seu cabelo preto em escovinha; raspado artisticamente, formava arabescos.

Seus olhos mortos, protegidos por grandes supercílios ósseos e proeminentes eram grandes e pretos; e na testa, como um terceiro olho; ostentava uma joia vermelha encravada na pele.

Seu era nariz curto e achatado com grandes narinas e sua boca tinha lábios finos e dentes pequenos e brancos. Suas orelhas grandes tinham os lóbulos perfurados como se costumasse usar brincos.

Estava preparado para a intempérie, com roupa de abrigo: calças e camisa com bolsos, de tecido resistente e grosso; jaqueta de couro trabalhado, um par de meias soquetes grossas de lã rústica; botas trabalhadas de couro; altas até meia perna; equipadas com bolsos.

Sua roupa interior era de um tecido grosso semelhante ao algodão. Possuía um cinto de couro trabalhado, com compartimentos e um coldre com uma pistola. Nos bolsos tinha documentos em papel grosso, escritos com caracteres que pareciam sânscritos.

*******.

14 de maio, à noite.

Na base havia muito a fazer.

As garotas demarcaram alicerces para as futuras construções. Nico analisou solo e vegetais para facilitar o trabalho das equipes que viriam. Ao anoitecer reuniram-se ao redor do terminal plugado na nave, já que ainda era cedo para descarregar o supercomputador do contêiner em órbita.

Os exploradores comunicavam-se nesse horário, descarregavam o diário e as imagens no sistema. Após comunicar-se com as naves, entraram em contato com os exploradores.

–Há novidades – disse Aldo – Estamos na "burbuja". Marcos serviu cubos de frango, arroz integral, batata e salada. Para beber, suco de laranja e para sobremesa pudim. Depois do jantar vamos dormir e amanhã retomar a caminhada.

–Mas e as novidades? – perguntou Inge.

–Encontramos o primeiro exemplar da raça inteligente dominante do planeta, mas estava morto. O relatório deve estar entrando no sistema.

–Morto? Por qual motivo? – perguntou Regina.

–Uma lança de madeira com ponta de ferro, cravada no peito. Evidentemente não foi morto pelos aquáticos, talvez por outra tribo mais ao norte de onde nos encontramos. Os aquáticos só tinham machados de pedra. Pelo jeito, meninas; ele é... Era, macho, como podem ver. O enterramos porque estava em decomposição. Deve ter sido morto rio acima e veio boiando para cá bem na hora em que nos preparávamos para ir embora. Foi um golpe de sorte, prova de que os deuses estão zelando por nós. Não é, Reverenda?

–Estão, sim – disse Inge, a sacerdotisa odínica.

–Ficamos com seus pertences por que ele agora não vai necessitá-los. Os papéis que tinha nos bolsos seguem para o sistema, meninas.

–Verei isso – disse Regina – talvez consiga decifrar a escrita.

–Tinha quatro carregadores e uma pistola grande que parece uma Luger. Lúcio manipulou-a até descobrir o funcionamento. Dispara uma luz que parece laser, porém seu efeito é diferente, onde bate, provoca uma explosão e abre um buraco.

–Energia dirigida?

–Terrível, como um phaser dos cinzentos que Valerión andou testando tempos atrás. Com a arma abri um buraco no chão para enterrar o marciano. Vamos continuar para o leste até o centro urbano que vimos do espaço.

–Eles têm armas superiores às nossas. Isso me preocupa.

–A bazooka faz a mesma destruição. Não seria por isso, mas aparentemente não somos esperados. Estes não são aborígines mas contamos com o fator surpresa.

–Se eles detectarem vossa presença, com essas armas...

–Se nos detectassem já nos teriam destruído, aqui não há controle aéreo como na Terra, com ditadura e tudo.

–Continuando a pé vocês estão indefesos.

–Não se preocupe.

–Tenho motivos, não acha? Estão a pé em território desconhecido, com dono!

–É melhor assim, não levantamos poeira nem fazemos barulho.

–Não é por mim, seu marmanjo, senão pelas garotas, olhe para elas.

Por trás de Nico, na tela apareciam os rostos das garotas, apreensivas.

*******.

15 de maio, ao amanhecer.

Empreenderam uma marcha forçada. Estavam com um dia de atraso.

–Perdemos um dia com o marciano e seus pertences, amigos.

–Mas ganhamos uma nova arma, Aldo. Dá de dez a zero nas nossas.

–Se descobrirmos como funciona e como reproduzi-las, Lúcio...

–Daremos conta da ditadura – completou Marcos.

–Nosso retorno será triunfal – interveio Boris.

Caminhavam em fila indiana com Boris na frente abrindo caminho a facão; Aldo puxando o trenó, Marcos e Lúcio encerrando a marcha. Apesar da carga, tinham as mãos livres e usaram os facões para alargar a trilha. Os trajes provaram a resistência enganchando-se em espinhos, suportando tensão, atrito e batidas sem perder pressão.

–Ainda temos vinte kms até o fim da mata – observou Aldo.

–Deste lado do canal, a floresta é diferente, parece outra...

–Disse a palavra, Boris! – exclamou Aldo – Canal! Acabamos de atravessar um canal de Marte!... Marte tem canais!

*******.

15 de maio, noite.

–Boris, nosso perito em situações como esta, acendeu um fogo anêmico com a lenha local. A floresta é seca aqui, há árvores caídas, curiosamente tombadas de leste a oeste e há mais areia solta deste lado. Tudo indica que houve uma tormenta de pó de leste a oeste antes de nossa chegada. É provável que a vegetação do canal (não digo “rio” porém “canal”), deve agir como filtro de pó.

–Quê são essas imagens de uma espécie de repolho com tentáculos de polvo?

–Ah, isso, Inge... Uma planta carnívora. Segurou-me pelos tornozelos e depois pela cintura com tentáculos espinhentos que felizmente não furaram o traje. De qualquer forma teria quebrado minhas costelas, se não fosse por Boris, que lhe cortou os tentáculos que me agarravam com seu facão. Marcos disparou balas explosivas, mas parece que isso a enfureceu e começou a estender-se. Lúcio disparou a bazooka e ela se desintegrou.

–Que horror!

–Só então vimos a enorme quantidade de plantas iguais em volta. Deste lado, até agora não as havíamos incomodado nem pisado nos seus tentáculos, por isso tinham ficado tão quietas como alfaces.

–Mas... De novo encrencados, meus machões! – exclamou Regina.

–Deverão ter mais cuidado – interveio Nico, que monitorava a conversa do outro iglu – Ora! Não sei por que perco tempo e gasto saliva repetindo isso...!

–Mas o que interessa não é isso, Nico e meninas; mas a água – replicou Aldo.

–Água? – o interesse do médico sofreu um choque.

–Sim, Nico. Este lado é uma descida pouco perceptível e de tanto em tanto, surgem mananciais de água cristalina. Boris acha que é um vazamento da água do canal que se filtra através da areia e surge aqui, que é mais baixo. A água corre para o leste em pequenos filetes. Vimos animais bebendo. Acredito que veremos mais filetes desses assim que termine a floresta e comece o deserto de areia de novo. Analisamos a água e estou descarregando no sistema o exame, simples, mas resolve. É bem limpa, um pouco ferruginosa, pela areia vermelha. Amanhã faremos testes.

–Deve ter ferro, esse elemento parece abundar por aqui.

*******.

16 de maio, noite.

–Quero saber mais sobre a água – Nico estava concentrado só nisso.

Tinha visto o exame e queria mais elementos para tirar suas conclusões. Aldo, do outro lado do canal, divertia-se com a ansiedade do camarada:

–Não a bebemos, mas lavamos a roupa interior. Na "burbuja" três tiramos a roupa e outro a lavou lá fora. Com este ar, seca em meia hora. Para o corpo usamos esponja com poliágua descomprimida. Não te preocupes, somos econômicos.

–Engenhosos, meus machões! – exclamou Regina – Queria ter ido junto com vocês para vê-los todos pelados!

–Gracinha! – disse Boris – Se viesses, te faria lavar nossas cuecas fedorentas!

–Chato!

–E a vida animal? – perguntou Nico, sem senso de humor, como todo médico.

–Deste lado há formigas gigantes, diferentes das do outro lado; Vinham em caravana e retrocedemos. Boris disparou balas explosivas, que deixaram manchas na carcaça dos bichos; sem ocasionar-lhes dano. Lúcio disparou um foguete; enquanto Boris atingiu os olhos. Ficavam cegas e atacavam às companheiras.

–Parece um jogo de videogame – disse Regina.

–Para nós não; querida. Lúcio disparou de novo e voaram garras, mandíbulas patas... Ao terceiro disparo, retrocederam. Seguimos adiante e cada vez que aparecia alguma, atirávamos aos olhos, para atingir-lhe o cérebro. Descobrimos que a pistola marciana tem vinte tiros em cada pente, com uma marca. Economizamos a arma para usá-la só se for realmente necessário.

–Deixam uma trilha de cartuchos vazios – disse Regina – Não sei se é bom.

–Não é um passeio campestre, querida, estamos aqui para estabelecer-nos ou morrer na empreitada. Lembras o que me dissestes quando tinhas 15 anos; no dia em que entrastes para o grupo, lá no Brasil?... “Prefiro morrer a aceitar a marca”

–Sim, foi isso.

–E eu te amei por isso, querida amiga, e te amei ainda mais, quando adulta, decidiste vir conosco para a linha de frente.

–Sei disso e também te amo, Aldo.

–Se falharmos; nossos inimigos terão vencido. Não me importa passar por cima dos marcianos para criar um lar aqui, nem que tenha que lhes esterilizar a espécie. A primeira opção é estabelecer-nos pacificamente. Mas estou disposto a acabar com eles, se preciso for. Temos poder atômico de fogo para varrer-lhes as cidades e exterminar até o último marciano, não importa que suas pistolas tenham mais poder do que uma granada de morteiro.

–Acho que eu sou mole e boba, Aldo!

–Tu és uma pessoa normal...

–Acho que sou.

–Os humanos normais são intrinsecamente bons, sem maldade, não pensaram mal da maldita anti-raça que domina o mundo e impôs a Marca. Ficaram indefesos perante sua perversidade até que foi tarde demais. Quando eles tiraram a máscara, vimos que éramos escravos e não sabíamos.

–Para dar a razão aos nossos Mestres!

–Por isso estamos aqui, Regina querida, lutando por espaço vital para nosso povo que não aceitou ser marcado como gado...

–Vão gastar a bateria filosofando? – disse Boris – Além disso, seu cretino, ela é minha namorada, não sei se notastes...!

–Certo Boris – concordou Aldo rindo – Tchau, Regina! Aldo desliga.

–Tchau, Aldo, tchau Boris, meu amor... Marcos, Lúcio... Considerem-se todos vocês beijados, meus amores. Regina desliga.

*******.

17 de maio, de noite.

–Hoje saímos da floresta. Deveria ver a diferença, Tama. Deste lado é um deserto com vegetação do tipo rústico, as imagens já estão chegando, acho.

–Chegaram e estou gravando para o sistema – respondeu a doutora Tamara Wilkins, que estava de plantão.

–Como vê, há pequenos animais que fazem buracos no chão para esconder-se de nós. Encontramos o formigueiro. Vivem organizados como nossas formigas, imagino que deverão ter rainha. Chegamos perto e nos atacaram. Lúcio queria disparar-lhes foguetes, mas eu disse para economizar, portanto atirei com a pistola do falecido. Contei os tiros e somei os dois que tinha disparado quando aprendíamos seu manejo. Vinte tiros. Uma arma e tanto. Os restantes quatro carregadores estão cheios, temos 80 tiros. Destroçamos o formigueiro e dispersamos as formigas, mas achamos que se reagruparão logo. Não importa, não representam perigo.

–Pois é, Aldo – concordou Nico – mas há suficiente mantimento para voltar?

–Aí é que está, Nico – disse Aldo desconversando – de qualquer forma, as naves da Terra estão a chegar e poderão nos pegar se for preciso.

–Sim. Não demora em aparecer a primeira.

–Quero falar com eles assim que chegarem.

*******.

18 de maio, pela manhã.

Inge, de plantão; sonolenta no rádio. De repente escuta-se a voz esperada:

–Atenção, Ponto de Apoio, Antares, solicita permissão para pousar.

–Seja bem-vinda Antares, que alegria! Entraram em órbita agora?

–Não. Deixamos o contêiner na órbita e estamos chegando do noroeste.

–A que altura está? Não consigo pegá-lo com o radar.

–Temos a camuflagem ligada, estamos a mil metros de altura.

–Qual a sua distância?

–Cinqüenta kms do Ponto de Apoio. Em um minuto estaremos sobre vocês.

–Muito bem. Desçam para 500 metros. A pista está orientada de leste a oeste.

–Obrigado.

Inge foi ao armário e equipou-se para sair; não sem antes acordar os outros.

*******.

A nave começou a descer quando o capitão Elvis avistou o acampamento. A Antares baixou as rodas e tocou a pista endurecida pela tecnologia antártica. Os freios dianteiros diminuíram a marcha antes do final da pista. Em segundos, a segunda nave antártica em Marte detinha-se com os motores ainda fumegantes, desligados antes do pó se assentar. Nico e as garotas aproximaram-se.

A eclusa foi aberta e a escadinha desdobrada.

Elvis desceu com seus nove tripulantes. Além de Elvis e Linda, vinham também Leif Stefansson e Mara Santos, o médico Eric Wilkins e Lina Antúnez; e mais quatro cientistas.

Abraçaram-se com dificuldade devido à roupa espacial. Depois, os recém-chegados, foram conduzidos ao alojamento, onde tiraram os capacetes e tudo foi uma confusão de beijos, abraços e admiração pelo já conseguido.

*******.

Horas depois da chegada, enquanto os tripulantes descarregavam a nave e construíam seus próprios alojamentos, Inge e Elvis conversavam no terminal.

–Já viu os diálogos gravados, as imagens... Com isso terá uma idéia do avanço por terra conseguido por nossos homens.

–A que hora será a próxima comunicação?

–Sempre à noite, quando já estão acampados e nós já estamos no alojamento.

–Assim que a nave estiver descarregada, podemos buscá-los, se quiserem.

–A idéia é não aparecer demais para os marcianos.

–Sabendo a localização dos nativos, resolvi descer em sentido contrário ao que vocês desceram. Minha nave não deve ter sido vista do solo.

–Viram algo interessante desse lado?

–Não temos certeza, deverei ver as imagens que ainda devem ser processadas, mas detectamos algo que parece ser umas construções abandonadas... Estou sendo ridículo?... Vocês certamente estão mais bem informados do que eu...

–Não, Elvis. Realmente há construções abandonadas lá, mas o tempo é curto, somos poucos e não queremos movimentar-nos por ar se não for imprescindível. Por isso deixamos trabalho para os desbravadores que virão depois.

–Devia imaginá-lo; mas a coisa vai mudar. Há duas naves a caminho. *******.

Entretanto, no espaço imediato; a Antarte e a Polaris aproximavam-se velozes; uma detrás da outra; com vários milhares de kms entre elas. Os capitães; Andrés e Luis, respectivamente, comunicavam-se pela tela.

–Há dias que não contatamos Marte nem a Terra – comentou o primeiro.

–Recebi uma mensagem em código do Dr. Valerión direto da INDEVAL para entregar ao capitão Aldo. E de Marte, só uma ordem da engenheira Ingeborg para aterrissar de leste a oeste a 72 km ao norte do equador, justo na linha que agora vem a ser chamada de meio-dia marciano.

–O Ponto de Apoio agora forma parte da geografia marciana.

–Estamos fazendo história, Andrés. Algo grave deve estar acontecendo por lá, incluíram no meu equipamento um blindado Cascavel 6-R Modelo 2013.

–Sabemos que encontraram nativos e talvez tenhamos ação... Ah... Daniel informa que vamos entrar em órbita num minuto, Luis...! Andrés desliga.

*******.

20 de maio de 2013.

–Antarte e Polaris solicitaram autorização de pouso, Elvis. Responda; agora manda você no acampamento – disse Inge.

–Posso mandar, Reverenda, mas você está aqui há mais tempo.

–Certo Elvis. Mandarei prosseguir.

–Soltaram os contêineres? – perguntou Inge.

–Soltamos junto com os outros dois, Inge. É nossa órbita particular? Isto aqui em cima já é um estacionamento de shopping... – disse Andrés Rodríguez.

–Ah, rapazes! Quê alegria...!

–A alegria é nossa, Reverenda – disse Luis Fagúndez.

–Mas... Desçam de uma vez!

*******.

Diário pessoal de vôo do capitão Luis Fagúndez; da Polaris.

“Faltam 250 kms para o Ponto de Apoio. O chão corre vertiginosamente, o vemos admirados. A estibordo vejo o centro urbano relatado pelos Primeiros. São edifícios claros, piramidais ou cilíndricos. Há terras de cultivo... Pergunta: que tipos de vegetais podem crescer aqui...?"

"Há dois lagos; depois começa o deserto com manchas verdes. Menos de 100 kms de deserto e vemos a faixa esverdeada do canal, sua largura termina após 40 kms e começa outro deserto com manchas verdes. Após 40 kms vemos a pista sinalizada, os alojamentos e as naves alinhadas na pista... É lindo!..."

"Baixamos as rodas, Andrés vai pousar antes, enquanto dou mais uma volta para ainda ver mais desse belo quadro. A Antarte roda pela pista, chega ao extremo, da uma volta e alinha-se de ré junto às outras naves para fazer espaço para mim. Tenho a pista na frente, empurro os comandos, endireito a asa de bombordo e logo as rodas tocam a pista; surpreende-me sua firmeza, não o esperava."

"Reduzo o gás. Já percorri boa parte da pista, custa um pouco deter este monstro. Aplico os freios de retropropulsão, termina-se a pista, acende-se a luz que indica que já posso aplicar os freios das rodas; ressoam os encanamentos de ar, a nave se estremece e parece que vou perder o controle, mas não; acende-se a luz verde e a nave se detêm.”

“Meus homens, felizes; gritam palavras de ordem e de desafio. Ordeno-lhes calar-se e verificar tudo. Abro o cinto e saio da poltrona de comando. Estou feliz. Cumpri minha missão. Acabo de transportar desde Antártica ao planeta Marte, uma carga de 320.000 litros de concentrado atômico para nossas naves e deixei ainda mil toneladas em órbita, no contêiner. Cheguei a destino, finalmente”.

(Do diário pessoal de vôo do Capitão Luis Fagúndez da Polaris)

*******.

21 de maio de 2013. Ao anoitecer.

Enquanto os homens, descansados e ansiosos por atividade após um mês no espaço, trabalhavam noite adentro à luz de holofotes; os quatro chefes reuniam-se ao redor do terminal, examinando as imagens coletadas pelos exploradores com intuito de tomar alguma atitude quanto ao resgate dos mesmos.

–Como sabem – disse Inge – do outro lado do canal, 200 kms ao leste; há uma cidade da qual temos mais detalhes graças às imagens que vocês coletaram. Nossos homens atravessaram o deserto e estão á beira de um dos lagos que a delimitam. Aldo sabe que podemos pegá-los em qualquer momento com a Antílope, já que posso pilotá-la por meio do sistema. Afinal fui eu que a programei.

–Mas agora estamos nós. Proponho ir buscá-los na minha nave – disse Elvis.

–Acho que devíamos ir buscá-los, já que as naves devem ter sido avistadas, menos a de Elvis, que chegou em direção oposta. – disse Andrés.

–Os marcianos devem ser cegos para não ter-nos notado... –disse Luis.

–Podemos usar o veículo de colchão de ar que eu trouxe – disse Elvis – os rapazes o testaram hoje de manhã e funciona que é uma maravilha nesta gravitação.

–Sugestão descartada Elvis – disse Inge – A floresta é fechada, o Engesa teve que ser modificado para abrir uma trilha na mata.

–Essa trilha deve de existir, Reverenda – disse Luis – vou enviar meus homens no Cascavel. Tudo o que o Engesa faz, o Cascavel também faz.

–Descartado o Cascavel, Luis. Abandonaram o Engesa na beira da água. O canal é profundo e do outro lado há uma parede de vinte metros – rebateu Inge.

–Vamos até o Engesa e daí com impulsores – disse Luis, sedento de ação.

–Quê acha, Inge? – perguntou Elvis.

–Depender dos impulsores é um pouco arriscado.

–Tudo é arriscado! – disse Luis – Os antárticos vivemos perigosamente...!

–Somos antárticos...! – gritou Andrés.

–Vocês são umas maravilhas! – exclamou Inge.

–Claro; Reverenda! Somos antárticos...! – concordou Luis – Não fumamos, não bebemos, não comemos carne, não dizemos palavrões e deitamos cedo!

–Lindos! – arrepiou-se a jovem.

–Inge, ligue o terminal – disse Regina – está na hora.

*******.

–Estou feliz de que chegassem bem, amigos. Como foi a jornada? O inimigo não lhes enviou interceptores, como fez comigo?

–Não. E por falar nisso, Aldo – disse Luis – recebemos a notícia de que o espião foi capturado quando tentava sabotar o sistema de defesa aérea.

–Mas que petulância! E o que fizeram com ele?

–O fizeram confessar. A ditadura sabia nosso roteiro até o lançamento da minha nave. Mas entregou os cúmplices em Antártica. Eram doze.

–Doze! Mas isso é uma desgraça! O que faz a nossa segurança?

–Foi reformulada. Ele entregou espiões e traidores em Brasil e Argentina. O Esquadrão Shock os pegou com estardalhaço para dar o exemplo. O Esquadrão está motivado agora que chegamos a Marte. Os atuais membros do Esquadrão; à diferença dos Primeiros, são cruéis e vaidosos, adoram publicidade. Os malditos espiões e os traidores vendidos tiveram mortes horríveis e exemplares.

–Excelente, e os sabotadores de Antártica, o que foi feito deles?

–Após julgamento sumário, foram fuzilados em Tierra del Fuego com transmissão ao vivo pela RTVV e seus corpos incinerados. Na Lua foi decretado feriado festivo e na Terra a JNN disse que era mais um crime bárbaro dos Antárticos, “... esses fanáticos criminosos fascistas e terroristas que querem sabotar a Nova Ordem Mundial...”.

–Estamos mordendo os imundos e está doendo-lhes. Nos últimos setenta anos ninguém teve a ousadia de enfrentá-los...

–Falando em ousadia, como estão vocês? Já se transformaram numa lenda viva, sabia? Conte uma prévia para os camaradas...

–Como devem de saber, já passamos o deserto de areia. Lembra os bichos da floresta que pareciam morcegos cruzados com aranha, Elvis?

–Sim, o monstro típico marciano. Ray Bradbury iria adorar.

–Topamos com alguns que moram na areia, são os parentes vitaminados dos outros, pequenos, de um metro de altura, que moram na floresta.

–Não parecem ameaçadores com um metro...

–Estes não. Têm mais de quatro metros de altura. À noite caçam bichos menores e ficam quietos durante o dia, como palmeiras. Boris pegou o facão, e disse: “Vou tirar uma amostra desta palmeira para ver o tipo de madeira...” Ah, meninos! Quê confusão! Saímos à disparada. O bicho tinha quatro metros, feroz como seu parente portátil da floresta. Lúcio atirou com a bazooka. Logo percebemos a quantidade desses bichos que dormem por aí sem incomodar. Nós o provocamos involuntariamente... Mas o que interessa é a cidade marciana. Daqui se vê o topo dos edifícios, devido à curvatura do planeta, mas deve estar a vinte kms. Estou enviando uma imagem noturna que pegamos agora mesmo. Podem ver a iluminação fraca. Vamos atravessar o lago para chegar perto.

–Em nome da segurança, Aldo – suplicou Luis – não faça isso. O que tinha para ser feito já foi feito. Vocês estão indefesos demais.

–Se chegamos até aqui, devemos prosseguir. Meus camaradas concordam.

–Como estão de mantimentos e munição? – interveio Inge, muito séria – Vão atravessar 20 kms de água num barco de brinquedo. Não sabemos o que há nessa água. Talvez monstros piores dos que já encontraram e vocês estão com pouca munição.

–Reverenda, os deuses velam por nós...

–Mas podem perder a paciência com as suas molecagens – interveio Elvis.

–É verdade – disse Luis – Eu vou buscar vocês, queiram ou não! Não me importam esses marcianos, Aldo. Acho que sabem de nós e isso já é muito perigoso.

–Está bem, vocês venceram – concordou Aldo por fim.

–Finalmente entras em razão – disse Inge.

–Está na hora de dar-nos a conhecer. Acamparemos aqui. Há rochas, estamos protegidos, a boa distância da praia, há espaço para pousar uma nave com luz de sol. Sabem onde estamos com precisão de metros. Amanhã, abordamos a nave e vamos visitar os marcianos. O quê acha?

–Melhor impossível – disse Andrés.

–Então, estamos conversados. Até amanhã e durmam bem por aí!

–E vocês também – disse Inge – Mais uma coisa, Aldo...!

–Sim, Reverenda?

–Te amo.

–Que feliz coincidência, eu também!

Os que não estavam trabalhando foram dormir. Amanhã seria um dia agitado.

*******.

Continua em: OS MARCIANOS.

*******.

O conto NAS AREIAS DO PLANETA VERMELHO - forma parte integrante da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase I - Volume I Capitulo 3, Páginas 44 a 54; e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados:

http://sarracena.blogspot.com.br/2009/09/mundos-paralelos-uma-epopeia.html - O volume 1 da saga pode ser comprado em:

clubedeautores.com.br/book/127206--Mundos_Paralelos_volume_1

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 05/04/2017
Reeditado em 04/04/2020
Código do texto: T5962009
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.