Alguém na Multidão - 1ª parte

“Folhas de calendário não são recicláveis, não se recicla restos de outros “ontens”, de amanhãs que já passaram. Cada dia é único, inigualável... Por pior que seja, sempre é assim, lei oculta da humanidade”

Sabrina terminava seu poema com esta última estrofe, realizada, com sede e fome de quem tem o que dizer de valoroso ao mundo. Grafou sua tímida rubrica ao pé das últimas aspas, e fechou seu caderno rascunho de poemas pra dormir o sono dos justos,... Ou dos que se acham justos . Plena conhecedora de seu organismo, desceu para beber um gole d´água e ir ao banheiro, sabia que não conseguia caminhar nos sonhos de garganta seca e bexiga cheia. Á cozinha, os modestos ponteiros lhe assustaram em silêncio registrando 2 horas e 43 minutos de domingo. Encheu, esvaziou, cumpriu os mandamentos de seu corpo e deitou-se envolta de paz, e ansiedade, apesar do sono que a fazia excluir o raciocínio

Uma, duas, três relações com uma prostitua, ela cobrava bem, ele pagava bem. Dr Otto, sozinho na vida, distraía-se desta maneira, a rua era movimento e solidão, mais movimento naquela noite, madrugada de realização, dos desejos carnais solidificados. Pagou mais 150 pela última vez e deixou a prostituta, popular Lady asas abertas, das altas ruas daquela cidade, no luxuoso quarto de motel ao qual mantinha conta e encontros com a fina e rude mulher citada a pouco mais. Ás 2 e 45 de domingo.

Guardou o carro ma garagem, apreciou em uníssono o alarme da casa dar seu sinal de que estava tudo protegido, ruído transmissor de segurança. Antes de fechar os olhos na cama, fez questão de prestar atenção no ronco longínquo da mãe idosa, que despertava seu pai, e mecanicamente fazia este virar o lado em que dormia e gemer algumas besteiras. A rotina se cumpriu, Otto teve certeza de que estava tudo bem.

Pobre barata, pobre folha seca, pobres micróbios. Destruídos pela fúria dos passos de Otto, como hábito estava atrasado, mas a preocupação por isto era demasiadamente maior, pois era o dia da apresentação do seu projeto, da descoberta que mudaria o mundo ser apresentada ao mesmo. Uma revolução na medicina, uma reviravolta nos conceitos da humanidade, motivo de guerra e determinação por paz, boa, mas ruim... Quase indescritível, tão fascinante, que as vezes nem ele, e sua parceira no projeto: Dra Ágata, acreditavam.

Mas ao contrário dele, transparecia normas-de-boa-conduta-social e pontualidade, o que a deixava praticamente em desespero, oscilando na tranqüilidade, e provocando dores no pulso, de tanto levá-los aos olhos para consulta do relógio.

...Pobre camada de ozônio, pobre primórdio de pulmão sadio, rico desejo de chegar a tempo no destino determinado. Sabrina pitava seu cigarro com sabor, com pressa que a fazia vez por outra arranhar o esôfago. Tinha de chegar a tempo na mostra de uma descoberta, que segundo a mídia, revolucionaria o mundo. Ela e a irmã mais velha, Ana, estudantes de medicina, ambas em diferentes períodos do curso, assim como todos envolvidos na área , tinham grande interesse pela mínima suspeita de avanço. Ana queimara a língua e molhara seu jaleco e o da irmã com o café quente se espalhando no embalo dos passos apressados.

Elas entraram no carro, Otto entrou no carro, saíram em mesma rota,praticamente juntos. Seriam vizinhos, não fosse pelas duas casas que separavam as suas...

Continua...

Douglas Tedesco
Enviado por Douglas Tedesco em 08/08/2007
Reeditado em 08/08/2007
Código do texto: T598063