A FENDA ESPACIAL

11 de março de 2021 (210311)

Sentada na cadeira do capitão, a tigresa Lilla Henna recebeu a confirmação de prontidão de todos os chefes de departamento. Nebenka estava no seu posto no leme e Konstantin no painel de navegação.

Inge ocupou seu posto em comunicações e sensores, e Valerión na estação de ciências. Boris assumiu o painel tático, e Henschel o painel de engenharia.

Lá embaixo, na engenharia, o tigre Vira estava de prontidão, de olho do reator de dobra e na contenção da antimatéria, aguardando as ordens da ponte. Cada um dos quase 400 tripulantes estava em seu posto.

Ao lado de estibordo da Hércules, a Amarna estava de prontidão de partida para partida simultânea.

O tigre Pacha no leme e navegação, Coatl Ghalen na estação de ciências e Huáscar na cadeira de comando.

A tripulação aguardava a ordem de partida.

–Amarna para Hércules!

–Prossiga. – disse Lilla Henna.

–Partimos em um minuto padrão.

–Entendido.

–Pacha, tire-nos daqui, meia manobra, marcar curso para Shaula.

–Curso marcado, meia manobra.

–Huáscar para Lilla Henna!

–Prossiga.

–Entrando em impulso máximo em meio minuto padrão.

–Entendido.

–Huáscar para engenharia!

–Prossiga.

–Preparar dobra oito ao meu comando.

–Entendido.

–Huáscar para Hércules!

–Prossiga!

–Partindo!

*******.

A bordo da Hércules viram a Amarna alongar-se e desaparecer nas estrelas.

–Ponte para engenharia, dobra oito ao meu comando!

–Entendido.

–Marcar curso para Shaula, navegador!

–Curso marcado – respondeu Konstantin.

–Senhora Nebenka, tire-nos daqui, impulso máximo. Acionar!

A piloto russa Nebenka Marusitch apertou comandos de partida e em seguida a Hércules alongou-se na esteira da Amarna a 74.940,62 quilômetros por segundo, um quarto da velocidade da luz, deixando atrás rapidamente os sois de Alfa Centauro.

–Ponte para engenharia – disse a tigresa.

–Prossiga – respondeu o tigre Vira.

–Dobra oito ao meu comando.

–Dobra oito preparada.

–Senhora Nebenka, preparar salto subespacial ao meu comando.

–Salto preparado.

–Acionar!

Nebenka empurrou a alavanca de dobra e subitamente a tela central mostrou uma explosão de estrelas alargando-se aos lados, até transformar-se em finas linhas azuis, desaparecendo aos poucos segundos e em seguida ficou totalmente negra.

Logo as telas visuais adaptaram-se as faixas em que a astronave pulsava, entrando e saindo dos níveis normais de espaço-tempo-energia; anularam a óptica da pseudo velocidade e os tripulantes voltaram a olhar à frente o espaço negro e as estrelas adiante quietas e indiferentes, enquanto as telas de popa mostravam um leve brilho avermelhado.

Todos na ponte ficaram em silêncio, olhando à frente.

Apenas ouviam-se os murmúrios dos exaustores e uma tênue, abafada vibração na estrutura da nave, provocada pelo motor de dobra.

Lilla Henna estava sombria na cadeira de comando, sabia que empreendia uma longa viagem, uma viagem de muitos dias. Uma viagem de mais de duzentos dias.

Como nenhuma comunicação poderia alcançar a nave em dobra, Inge levantou-se da sua poltrona e ficou de pé junto à Lilla Henna, sentada na cadeira de Aldo olhando o espaço à frente; onde Shaula aparecia, com a fronteira de Alakros à sua direita: Antares, brilhando vermelha e amedrontadora como uma entrada ao inferno.

–Aldo, estamos indo! – disse.

*******.

Ainda em 11 de março de 2021 (210311).

Enquanto tudo isto acontecia no espaço profundo; a mais de quatro anos luz de distância, em órbita de Rhea, lua de Saturno; a Vranara, a enorme nave quase tão grande como uma cidade do capitão Pru-Atol 7752 de Milkar, mantinha-se ancorada a prudente distância da doca estaleiro, onde estavam ancoradas a Wodan do capitão Regert e a moderna Desafiante, do Lorde do Espaço.

A Desafiante contava finalmente com uma tripulação de mais de 80 seres, entre xawareks, ranianos da Analgopakin, antárticos e hiperbóreos com o capitão Nahuátl Ang no comando e sua esposa, a médica Isis.

Nahuátl finalmente realizava seu desejo de voltar a comandar uma nave estelar. Uma nave bem menor do que a Analgopakin, porém uma nave vários milênios mais moderna que a sua anterior.

Após a partida da Hércules e da Amarna, os xawareks de todas as castas, que tinham construído a Hércules resolveram construir outra nave estelar melhor que a anterior com os materiais vindos de Alfa Centauro, agora com ajuda de engenheiros milkaros da Vranara.

Agora os três capitães e o Lorde do Espaço, reuniram-se na Cidadela de Rhea, para determinar os passos a seguir, após receber as notícias de Alfa Centauro.

Havia um hóspede importante na Cidadela; o príncipe Angztlán Pachacuti, que viera como passageiro na Desafiante, para conhecer o Imperador Tao, O Impiedoso.

O Lorde do Espaço disse:

–O príncipe manifestou seu desejo de retornar aos planetas interiores.

–Quero ir a essa pedra que vocês chamam de Ceres. Quero pegar Zvar e julgá-lo na presença do imperador Tao, que reconheço como meu soberano.

–Você ainda pensa em julgá-lo? – disse o Lorde do Espaço – Não seria melhor separar a cabeça dele do corpo?

–Concordo – disse Nahuátl.

–Nada contra – disse Regert – de acordo com o que sabemos dele, seria melhor acabar com ele de uma vez.

–Também estou de acordo, capitão Regert – disse Pru – não acho lógico trazê-lo para Taônia onde pode tornar-se perigoso no meio das pessoas. Segundo o que conversei com o governador do quarto planeta, Gopak... Ou... Marte como você o chama. O Coronel Alan disse a ele que seria perigoso tirá-lo da cela.

–Vocês são bárbaros! – disse Angztlán – Ele deve ser julgado!

O Lorde do Espaço encarou o príncipe Angztlán:

–Você viveu numa era honrada demais, príncipe! Tão honrada que vocês caíram candidamente nas garras dos dominions, mentirosos, sorrateiros, ardilosos, calculistas, que provocaram a guerra contra Alakros e a destruição de Ran. Sim, príncipe, eu conheço a história dos ariones, de como os dominions os levaram à guerra com os xawareks, os abastardaram, os transformaram em arremedos de humanos, drogados, degenerados, ignorantes, pervertidos, envilecidos... Não, príncipe, um tiro de phaser na cabeça do maldito é pouco. Merece uma morte horrível, uma morte lenta, gritando... Como merecem todos os da sua maldita raça!

Depois de ouvir essa torrente de palavras, o príncipe ficou sombrio. O Lorde do Espaço acrescentou:

–Não me olhe assim príncipe. Como eu já disse este é outro tempo. Você viveu numa época mais cavalheiresca, mais nobre e honrada.

–Ainda não entendo este novo tempo. Estive tempo demais dormindo – disse Angztlán – as coisas mudaram para pior.

–Ninguém vai lhe censurar, príncipe, se o executar – disse Nahuátl – a maldita raça dominion está banida do território da Suprema Confederação. São criaturas a serem mortas assim que percebidas. Essa é a Lei hoje neste setor do quadrante. Eu lembro muito bem o que você mesmo nos disse lá em Pomona:

“–Eles se enquistaram no Império e o dominaram, chegando a ocupar altos cargos com mentiras, subornos e traição. Éramos guerreiros e conquistadores honrados antes que os parasitas dominions chegassem e nos transformassem em materialistas mesquinhos sem um mínimo de honra. Fizeram-nos inimizar com meio quadrante; oprimimos povos pacíficos, que ao final se revoltaram e aliaram com o Império Alakrano do Quadrante Delta para nos destruir... E conseguiram. Nós já fomos um bom povo, sabia?”

–Quero participar disso – disse Regert – vou para Ceres, a Wodan está mais rápida agora, com a tecnologia xawarek. Venha comigo, príncipe. Vamos fazer o que deve ser feito, se você quer um julgamento, que seja, embora todos nós aqui discordemos. Vamos pegar o maldito, vamos trazê-lo para Taônia. Quem sabe Tao será clemente e mandará fuzilá-lo sem manda-lo para a roda do carrasco, como mandou fazer com o maldito Suer Dut.

–Irei com você, capitão Regert – disse Angztlán por fim.

–Vou com vocês – disse Pru – preciso ir à Terra, vou procurar algo que seu cientista Valerión disse que está lá.

–Sim, já sei o que é – disse o Lorde do Espaço – vou lhe dar as coordenadas que Valerión me deu. Na minha juventude andei pela União Soviética, hoje Rússia; tive a rara oportunidade de visitar a Universidade de Leningrado, hoje San Petersburgo e alguém, muito curioso, me mostrou um crânio de um ser como você dentro de uma vitrine na sala de antropologia e paleontologia dos falecidos professores Ilya Andreievitch Davydov e Aleksei Petrovitch Satrov, no segundo andar. Se a terceira guerra mundial não destruiu a cidade, ainda deve estar por lá.

–Não será necessário, capitão Sarrazin. Agradeço mas tenho meu método de busca – respondeu Pru, acariciando no bolso do traje espacial o disco de busca.

–Muito bem. Que seja. Embora gostaria de acompanhá-los, devo ir para Alfa Centauro para conhecer o planeta Erspak, do qual estão chegando e partindo todas estas interessantes naves interestelares e me encontrar com meu filho, o coronel Alan Claude. Além do mais, os xawareks estão encaminhados na construção da segunda nave da classe Sem Nome, uma nave incrível, a NSN-002.

–Os tigres vão demorar pelo menos dois anos – disse Regert – hoje há mais recursos técnicos vindos de fora. O capitão Aldo mandou muito material de lá onde seja que está... Planeta Erspak de Alfa Centauro?

–Sim. Vou encontrar o capitão Aldo e convencê-lo a trazer de volta seus filhos e as outras crianças. Falei com o Imperador e está preocupado – disse o Lorde do Espaço – Achei uma temeridade embarcar sete crianças numa aventura dessas.

–Além do mais o Imperador está financiando a segunda nave – disse Regert.

–Por isso mesmo – disse o Lorde do Espaço.

–Devemos partir já – disse o príncipe.

–Sim. Aqui nos separamos, amigos. Vocês vão a Ceres, o capitão Pru vá á Terra e eu para as estrelas. Boa viagem para todos nós.

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A Fenda Espacial

200 dias depois;

15 de outubro 2021 (211015)

Antares, Alfa, da constelação do Escorpião, é uma super gigante vermelha de classe M1; algo mais quente do que Betelgeuse, e somente 700 sóis iguais ao sol da Terra poderiam irradiar tanta energia como ela irradia ao espaço. Sua luminosidade visual é de cerca de 10.000 vezes a do Sol, mas como a estrela irradia uma parte considerável de sua energia na parte infravermelha do espectro, sua luminosidade bolométrica é de 65.000 vezes a solar.

A massa de Antares é de 15 a 18 massas solares. Esse tamanho grande e relativamente pouca massa dão a Antares uma densidade muito pequena. Tem uma companheira, Antares B, de classe B2, de cor branca esverdeada; 170 vezes maior do que o sol da Terra, a quase um quinto de parsec.

A 2.000.000.000 de quilômetros, orbita Vurón, um mundo classe Etar, três vezes maior do que a Terra, e vários outros mundos menores. Vurón é um posto avançado alakrano, fora do Quadrante Delta, situado a 520 anos luz da Terra, ou 159,51 parsecs, mas ainda a 7.600 parsecs da metrópole alakrana, quase 25.000 anos luz.

Entre Antares e Shaula, estrela Lambda do Escorpião, da classe B1; a 700 anos luz da Terra, situa-se a chamada Anomalia de Shaula, fenda espacial que corta caminho para o Quadrante Delta e a Metrópole alakrana.

A viagem entre Zhoropak e Shaula, o segundo posto avançado alakrano fora do Quadrante Delta, durou 200 dias em dobra 8.

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Shaula-7...

...O sétimo planeta do sistema Shaula era um mundo classe Etar, pouco luminoso e frio, com montanhas nevadas e polos congelados.

A nave alakrana pousou numa enorme base onde havia umas trinta naves semelhantes. Alan, Aldo e Shiram foram desembarcados e levados às construções, enquanto a nave era revisada, carregada e abastecida.

Djekal acompanhou a pé seus prisioneiros até uma construção fortificada. O interventor Hung não esperava receber essas visitas e ao ver o coronel Alan Claude Sarrazin não pode ocultar sua surpresa:

–Você de novo, coronel? Não estava morto? Como escapou do tenente Tron?

–Parafraseando um escritor do meu planeta direi que os boatos sobre minha morte são um tanto exagerados. Já do tenente Tron não podemos dizer o mesmo...

–Você avança bastante. Já nos tirou Boral e agora...

–Detalhes.

–Agora o coronel não nos deixou ocupar Zhoropak – disse Djekal – e quando partimos, seus amigos estavam em Erspak com duas frotas.

–Devia tê-lo deixado morrer, Djekal.

–Não, Hung. Não somos assim, você sabe. Não seria honrado.

–Tem razão. Desculpe.

–Ele é valioso demais para morrer de forma estúpida. Nós honramos o valor ainda que seja de nossos inimigos, Hung.

–Obrigado, governador Djekal – disse Alan – tomarei como elogio.

–Sua rebelião em Boral foi exitosa, coronel? – disse Hung.

–Foi sim. Graças ao armamento que vocês deixaram por lá.

–E Zhoropak?

–A estas horas a Suprema Confederação deve ter ocupado todo aquele sistema, sabendo que estávamos por lá – interveio Djekal – Como eu lhe disse em Boral, Hung; perdemos o incógnito.

Aldo não entendia o idioma alakrano tão bem como Alan, mas Shiram sim. Ambos olharam-se com espanto: então eles pensavam que a frota confederada já devia ter ocupado o sistema todo! Outra vez o erro dos alakranos de superestimar o inimigo!

Mas não tinham como confirmar isso aí em Shaula-7, estrela Lambda da constelação do Escorpião, a 700 anos luz da Terra.

–O que será de nós? – perguntou Shiram.

–Vocês três virão conosco, capitão Shiram – disse Djekal – agora serão alimentados e conduzidos aos seus aposentos nesta base, até que a esquadra esteja preparada para empreender a longa viagem ao nosso planeta Alakros...

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Continua em: A DESAFIANTE

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O conto A FENDA ESPACIAL - forma parte integrante da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase II - Volume V, Capítulo 37; páginas 12 a 16; e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados:

http://sarracena.blogspot.com.br/2009/09/mundos-paralelos-uma-epopeia.html

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

clubedeautores.com.br/book/127206--Mundos_Paralelos_volume_1

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 01/05/2017
Reeditado em 17/03/2020
Código do texto: T5986093
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