Agroglifos

O mundo já não é mais o mesmo. Vivendo isolados no interior do Rio Grande do Sul, uma comunidade inteira não se abalou quando o Grande Clarão tomou conta do céu, nem quando segundos depois o violento trovão fez tremer e rachar as paredes como um intenso terremoto. O povo da Quinta Zona, na época, já vivia uma vida rústica, e pouco foi abalado com a falta de energia elétrica que se sucedeu. Eles viviam tranqüilos em suas casas com suas famílias e possuíam uma rotina simples: plantar para comer. Uma vez ou outra iam até o centro da comunidade buscar alguma mercadoria especifica em uma das poucas lojas, ou para tomar um trago e saber das notícias no bar do velho Seu Lopes.

Não só pela idade, mas também por ser muito respeitado e considerado por todos como um tipo de xerife durão, Seu Lopes era tido como líder da Quinta Zona. Durante décadas ele viu por de trás de seu balcão a vida seguir tranqüila naquele lugar, até que em um frio amanhecer o guarda Floriano chegou correndo ofegante e gritando:

- Paftrão! Paftrão!

- Qual o motivo do desespero?

- A planfafão! Tá fudo efmagado! Fem um fírculo giganfe no milharal!

- Como assim círculo?

Quando Floriano abriria a boca para voltar a falar, a porta se abre de supetão e por ela entra aflita uma linda mulher:

- Preciso de sua ajuda! O meu marido não voltou para casa, está desaparecido desde ontem!

- Calma, ele deve estar embriagado lá no prostíbulo! Falou um homem sentado em uma mesa mastigando um pedaço de pão, elegantemente vestido todo de branco, contrastando com as vestes cinzentas em frangalhos que os demais usavam.

- Cala a boca Melo! Por favor, continue Dona Inês! Ordenou Seu Lopes apagando um dos lampiões.

- Meu cachorro voltou assustado no meio da noite! Ele e meu marido saíram pra pescar... Pensei que em seguida Carlos já estaria de volta, mas isto não ocorreu! Fui agora até o rio e encontrei suas coisas, mas nenhum sinal dele!

- Paftrão! Dê uma efpiada! Floriano apontava com a cabeça em direção a janela.

A esta altura, além do sol que já esquentava o dia, dezenas de pessoas caminhavam apressadas pelas ruas de areia batida e lotavam a frente do bar de Seu Lopes, nervosas, elas falavam desesperadas que seus parentes também haviam desaparecido e que durante a madrugada avistaram uma luz no alto do Morro da Goiaba.

- Por favor, se acalmem! Sairemos agora para procurar os desaparecidos! Quero que os homens se unam em pequenos grupos e se espalhem! Eu irei até o Morro da Goiaba ver o que eu descubro por lá! Guarda Floriano venha comigo!

- Eu também vou! Disse Dona Inês arrumando nas costas sua aljava de flechas.

- Não senhora, de jeito nenhum! Isto não é assunto para mulher tratar! Fique aqui e espere por seu marido ele...

- Ele deve estar regressando ébrio, saído do prostíbulo! Permita-me escoltá-lo senhor Lopes! Interrompe Melo se aproximando montado em seu grande boi zebu albino.

Minutos depois, Floriano e Seu Lopes já estavam montados em seus búfalos percorrendo devagar as areias do deserto que levava até o Morro da Goiaba. Logo atrás deles vinha Melo distraído limpando uma antiga espingarda. Os três passam o dia viajando, param poucas vezes para os bovinos descansar e em seguida já retomavam a jornada.

- Onde confeguiu effa relíquia?

- Esta é uma winchester calibre doze, herança que meu estimado pai me deixou! Respondeu Melo despindo seu sobretudo branco e ajeitando seu chapéu de cowboy na cabeça.

- Vamos continuar seguindo as pistas! De bico calado prestaremos mais atenção! Disse Seu Lopes tomando a dianteira do trio.

Era noite escura estrelada quando eles finalmente chegam ao pé do Morro da Goiaba e são recepcionados por um grito horripilantemente assustador.

- Que foi iffo?

- Nunca ouvi peculiar som em toda minha existência!

- Vamos lá! Coragem! Falou Seu Lopes dando com os calcanhares em seu cansado búfalo fazendo-o andar.

Uma luz passa rápido por detrás das moitas e logo desaparece, os animais se agitam, ficam assustados.

- Focês firam? Perguntou Floriano instante antes de pegar o facão e ser atingido por alguma coisa que faz seu peito arder e ele cair duro morto no chão.

Quando Seu Lopes acorda, vê que está em um cubículo de paredes negras lustrosas, sendo mantido como prisioneiro junto com Seu Carlos e os demais desaparecidos da Quinta Zona.

- Em que lugar estamos?

- Hipoteticamente na espaçonave que ocasionou o agroglifo! Responde Melo.

Um barulho agudo emana de uma das paredes e ela se abre fazendo entrar uma forte luz que dificulta a todos enxergar. Melo cerrando os olhos consegue ver a silhueta de um homem alto com uma grande cabeça se aproximando, furioso ele parte para o ataque, mas ainda no ar ouve um disparo e em seguida percebe que foi atingindo na barriga e que sua camisa estava ficando vermelha de sangue. A porta se fecha e todos ali dentro ficam alvoroçados sem saber o que fazer.

Novamente escutam o barulho e a porta da parede se abre, desta vez todos ficam quietos de cabeça baixa olhando para o chão evitando olhar para a claridade, eles enxergam pés deformados passando diante deles, sons estranhos eram emitidos como um porco grunhindo. A criatura pega Seu Lopes pelo pé e o arrasta se debatendo porta afora.

- NÃO! Devemos fazer alguma coisa! Grita seu Carlos chorando.

- Quantos eles são? Gagueja Melo.

- Aqui dentro são três Cabeçudos! Lá fora tem mais... Eu sei! Disse uma senhorinha bem magrinha.

Após algumas horas, pela terceira vez escutam o barulho, a porta se abrir e a luz cegar a todos. O Cabeçudo caminha lentamente se aproximando de Melo, outra vez faz estranhos grunhidos, Melo tenta abrir os olhos e encará-lo, mas não consegue, a luz é muito forte, ele somente escuta um zunido cortando o ar, depois um estampido seco e a criatura caindo morta no chão diante seus olhos com uma flecha cravada na parte de trás da cabeça.

- Venham, estão livres! Soou uma voz feminina surgindo pela claridade.

- Dona Inês! Que bela efígie de ser ver a beira da morte! Vão vocês, eu não conseguirei! Disse Melo com dificuldade analisando a estranha arma da criatura.

Dona Inês guiava o grupo de prisioneiros pelos estreitos corredores de paredes negras brilhosas daquele estranho lugar. Grunhidos podiam ser ouvidos, eram as criaturas que estavam se aproximando. Disparos foram ouvidos quando os prisioneiros chegaram a uma rampa que levava ao exterior.

- Montem! Disse Dona Inês ajudando seus vizinhos a subirem nos búfalos.

Rapidamente guiados pela luz da lua cheia eles descem o Morro da Goiaba rumo a Quinta Zona.

- Hora do desjejum! Como seria bom um pãozinho recém saído do forno! Pensa Melo deitado em um corredor, com uma enorme possa de sangue ao seu redor. Caídos ao seu lado estavam duas das estranhas criaturas. Ele escuta o grunhido e enxerga outro Cabeçudo se aproximar pelo corredor, ele tenta disparar, mas a arma falha, ele saca sua velha espingarda, mira e fecha os olhos.

Dona Inês, seu marido e os demais finalmente estavam chegando ao pé do morro, quando um tiro ao longe os faz parar e olhar para trás. O sol da alvorada iluminava o topo do Morro da Goiaba, e fazia brilhar lá no alto um grande e estranho objeto.

Jovito Rosa
Enviado por Jovito Rosa em 03/10/2017
Código do texto: T6131807
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.